O neoliberalismo moribundo e o presidente simbionte
Análise econômica da crise brasileira.
O Brasil vive o caos da pandemia mundial do Convid-19 que com sérios agravantes vindos da postura do próprio Governo Bolsonaro. O negacionismo do discurso do presidente a serviço do “desenvolvimento econômico”, materializa o plano neoliberal e anti-povo que vem sendo praticado no país. Em uma alegoria da ficção científica o Presidente opera em uma relação simbiótica com o vírus, em que dois organismos de espécies distintas agem em conjunto para proveito mútuo. A continuidade do extermínio da classe trabalhadora brasileira, enquanto este texto é concluído somam-se mais de cinco mil mortes. O lucro acima da vida.
Este ajuste neoliberal não começou com a pandemia, nem no governo de Jair Bolsonaro, mas se impõe enquanto dinâmica pelo menos desde a redemocratização e nascimento da “Nova República”, hoje em crise orgânica, incapaz de cumprir o programa social prometido em sua carta magna.
Neste interregno, o presidente se apresenta como “adversário do status quo”, o mais podre representante deste regime burguês, que promete livrar o país dos “políticos” esquecendo-se dos anos como deputado e aprofunda um ajuste fiscal permanente com requintes autoritários. Ele deve ser parado, ser derrotado por uma questão de emergência pública.
No entanto, junto com Bolsonaro deve ser superada a própria dinâmica neoliberal que já se provou tóxica para a maioria da humanidade e vem sido o motor da política econômica e social no país nos últimos 30 anos. No atual contexto observa-se à operação de três tendências:
(I) a austeridade fiscal a serviço do sistema financeiro;
(II) a precarização e mercantilização dos direitos sociais;
(iii) a banalidade e a descartabilidade da vida humana;
(I) A Austeridade Fiscal a Serviço do Sistema Financeiro
Com a mundialização financeira se impôs a reestruturação produtiva e a liberalização do fluxo de capitais, exacerbando o caráter fictício-parasitário do capital financeiro que assume a hegemonia.
Transferem-se as plantas industriais americanas e européias para novas potências como China e Índia, a América Latina reprimariza sua economia baseada em commodities e as grandes economias centrais mantêm centros de alta tecnologia, o mercado financeiro e tem o controle da redistribuição geográfica desta produção mundializada.
Da aparente “desindustrialização” o capital fictício negocia as ações sobre lucros futuros destas companhias transnacionais. Estas extraem matérias primas nos países periféricos, instalam as fábricas onde a legislação trabalhista é fragilizada, e contam os lucros nos seus escritórios dos paraísos fiscais.
Esta dinâmica se impõe também aos Estados nacionais que assumem um papel de subordinado aos ditames dos organismos internacionais como o BIS, o FMI e o Banco Mundial, um poder não-eleito, não legitimado pelo “demos”, a verdadeira “internacional” da aristocracia financeira.
Na grande crise de 2008 e atualmente na pandemia mundial os governos emitiram moedas para salvar o sistema bancário, houve décadas de reestruturação monetária e fiscal para garantir o lucro privado com garantia estatal, principalmente por títulos de dívida estatal e de fundos de pensão.
Como a classe dominante mantém suas taxas de lucro, mesmo com a desindustrialização nacional? Migra para o capital fictício sequestrando orçamento estatal, via rolagem e juros da dívida pública, que em 2019 representou 39% do orçamento da União (Dados da Auditoria Cidadã). Este sistema da dívida, que nunca é quitada, vem se sofisticando com novos mecanismos:
As “operações compromissadas” no qual o Tesouro Nacional,supostamente para evitar a inflação, absorve a “sobra de caixa” dos bancos de modo a subsidiar juros mais elevados. Além disso Foi apresentado na PEC 10(“do orçamento de guerra”) a compra de “títulos podres’ de bancos e corretoras, como mais um instrumento de intervenção estatal em favor dos bancos às custas das condições de vida da classe trabalhadora.
Os fundos de pensão ganharam força mundo afora por meio do sequestro das previdências públicas. Os recursos destinados a aposentadoria dos trabalhadores passam a ser aplicados no mercado de ações, com consequências desastrosas, como no Chile, em que a população idosa vive em condições de extrema desproteção estatal.
Este modelo aspirado pelo atual governo, que pôs uma nova reforma na previdência que leva milhões de brasileiros a trabalhar até morrer.Isto depois de uma série de reformas anteriores nos períodos de FHC, Lula e Dilma, que gradualmente foram minando os direitos dos trabalhadores de modo a favorecer o interesse destes fundos.
(II) A Precarização e Mercantilização dos Direitos Sociais
Das chamadas conquistas constitucionais de direitos civis, sociais e políticos da classe trabalhadora fruto dos movimentos sociais do período da redemocratização, podemos fazer um balanço da importância de sua positivação apesar da não concretização destes direitos para à maioria da população, devido às políticas governamentais e a pressão do capital para torná-los mercadorias.
Em nome do superávit primário para seguir pagando à rolagem da dívida pública, foram impostas uma série de contrarreformas como a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal(LRF) que criminaliza o gasto social com benefício socioeconômico de médio-longo prazo em favor da despesa financeira; ou a Desvinculação do Orçamento da União (DRU) que sequestra anualmente 30% do orçamento da Seguridade para o orçamento fiscal, Além da “Pec do Teto”, apresentada pelo governo ilegítimo de Michel Temer, com graves efeitos nos próximos vinte anos de restrição à qualquer gasto social acima da inflação.
Ainda ano passado foi apresentado o “Plano mais Brasil” de Guedes que além de impor graves ataques ao servidores e serviços públicos, propõe desindexar os “mínimos orçamentários” da constituição em educação e saúde, que na prática desobriga o investimento público nessas áreas.
Em tempo de pandemia justamente estes dois serviços conquistaram o reconhecimento de ampla maioria social como funções essenciais de Estado que devem ser gratuitos e de acesso a todos. O SUS, como uma grande conquista da classe trabalhadora está garantindo condições de cuidado e tratamento da população, mesmo sob risco de colapso. Não só pela pandemia, mas por uma sabotagem histórica de seu financiamento e estrutura. Os trabalhadores da saúde se expõe heroicamente ao contágio mesmo sem as devidas condições e equipamentos de proteção suficientes para realizar seu trabalho.
Em 2019, o governo Bolsonaro elegeu as universidades públicas como inimigo. Os cortes de recursos geraram amplas manifestações de estudantes, técnicos-administrativos e professores em defesa da educação, da ciência e da tecnologia, pauta que ganhou apoio popular, este reforçado com o empenho de seus laboratórios em todo o país em buscar soluções para a pandemia.
Mesmo ganhando terreno estes serviços fundamentais sofrem ameaçados de contrarreformas e privatizações que requerem respostas políticas. Cresce o mercado de ensino à distância, há desmonte da Capes e do CNPQ, há terceirização e fundações na área da saúde. além da ameaça de privatização de hospitais federais, todos projetos que buscam descaracterizar esses serviços enquanto direito social.
(iii) A Deterioração das Relações de Trabalho e a Banalidade da Vida Humana
Todas estas contrarreformas buscam elevar as taxas de lucro, ou seja, ampliar o grau de exploração da força de trabalho para ampliar a acumulação de capital. Cresceu nas últimas décadas o trabalho desprotegido no Brasil, com uma nova reforma trabalhista que limita direitos e permite a “negociação individual com o patrão”. Em 2019 registrava 12 milhões de desempregados e 39 milhões de informais. Por uma divisão no “andar de cima” da classe dominante o governo não conseguiu aprovar a PEC da “carteira verde-amarela” que formaliza o trabalho ainda mais precário e sem direitos.
A ideologia do empreendedorismo iludiu milhões de trabalhadores autônomos que passaram a auto-disciplinar a própria exploração, principalmente por meio de aplicativos de celulares que se difundiram em todo o país.
A pandemia escancarou esta desproteção, na qual estes trabalhadores passaram a ser compelidos a se arriscar nas ruas apesar das orientações de distanciamento social. Este período escancara as desigualdades sociais, a falta de condições básicas de moradia, saneamento e renda de milhões de pessoas que arriscam-se em nome do própria sobrevivência, com incentivo do Presidente da República, que minimiza a gravidade da doença e opera ativamente contra sua prevenção em seus atos e discursos.
Este exerce uma pressão anti-científica e coloca em risco à vida de milhões de brasileiros. Eis a necropolítica deste governo que expõe as populações mais vulneráveis ao risco e segue retirando direitos sociais e trabalhistas em favor do capital financeiro. O conflito capital-trabalho se amplia para o conflito capital-vida.
Além da defesa de medidas baseadas nas ciências da saúde, cabe um olhar solidariedade ativa e classe para os milhões de desempregados, trabalhadores informais que estão sendo coagidos a exporem-se as aglomerações e ao vírus.
Algumas medidas para contrarrestar essa crise foram conquistadas, como a renda emergencial básica, mas precisamos ir além derrotar Bolsonaro e seu projeto autoritário, ultraliberal e genocida.
Por isso a prioridade da esquerda brasileira é construir o impeachment de Bolsonaro, sanar esta crise sob critérios científicos e de preponderância da vida acima do lucro, com posteriores novas eleições, para que o conjunto do povo decida os rumos do país pós-calamidade.
Não basta derrubar Bolsonaro apenas devido a uma eventual divisão da burguesia, embora seja fundamental aproveitá-la, com radicalismo e independência de classe, como ensinara o velho Lênin. Mas construir um programa que rompa com os fundamentos do neoliberalismo aqui elencados, em que se construa uma nova sociabilidade que preze a vida acima do lucro, com a revogação da Pec do teto, taxação de grandes fortunas, Auditoria da Dívida Pública, garantia de renda básica e estabilidade do empregos e salários para todos!
A vida acima do lucro!
Fora Bolsonaro!