“Fascistas”, “bostas” e “vagabundos”: os sentidos para o mundo do trabalho

A história das lutas dos trabalhadores brasileiros é, pela voz dos donos do poder, coisa de gente vagabunda.

Luiz Fernando de Souza Santos 23 maio 2020, 14:31

Arthur Neto é um prefeito tucano, com todas as consequências desastrosas que isso implica. Inclusive, sua trajetória política está umbilicalmente ligada à experiência trágica do governo de FHC. Mas, o prefeito de Manaus ainda joga segundo as regras da política. É assim, um político de velha cepa, sem essa baboseira de que é um técnico, vem do setor privado ou que é o “novo”. É representante da política nos limites que tínhamos na frágil democracia brasileira até aqui.

Na reunião ministerial conduzida por um presidente fascista, o prefeito foi chamado de “bosta”. É que os discursos de Arthur Neto sobre a pandemia e o colapso do sistema hospitalar, as altas taxas de contaminação e morte, em Manaus, repercutiram longe, acentuando ainda mais as escolhas genocidas de Bolsonaro e de sua claque política no Amazonas.

Ao ser chamado de “bosta”, o Prefeito reagiu com seu velho estilo e afirmou que aquela reunião ministerial mais parecia “reunião de vagabundos na esquina”. Lançando um olhar sobre a história do PSDB na política brasileira e na prefeitura de Manaus, é preciso pôr as barbas de molho, para quem as tem.

“Vagabundos”. Foi assim que uma certa legislação sanguinária chamou à grande massa de trabalhadores sem trabalho no nascimento do capitalismo urbano-industrial. Por vagabundearem, esses trabalhadores eram presos, açoitados, marcados com ferro em brasa e obrigados a trabalhos forçados.
No Brasil, com a formalização da exploração do trabalho escravo dos negros, não havia para estes trabalho, terra, moradia. Foram lançados no pior lugar na formação da estrutura social brasileira. Passaram a constituir, segundo a linguagem da elite branca e seu aparato policial repressor e racista, um contingente de “vagabundos”.

A história das lutas dos trabalhadores brasileiros é, pela voz dos donos do poder, coisa de gente vagabunda. Daí o acionamento de repressão, estado de exceção, tortura.

Com os tucanos no poder, a repressão passou a seguir um receituário neoliberal, cinicamente racional em sua decomposição dos direitos do mundo do trabalho.

Em Manaus, camelôs foram reprimidos duramente por Arthur Neto. Lá se vão trinta anos que isso ocorreu, mas as imagens daqueles dias foram tão marcantes, que até hoje a cidade não esqueceu. No atual mandato do tucano, professores municipais em greve foram chamados de “criminosos”, que é ao fim e ao cabo, a expressão “vagabundos” sem eufemismos.

Na pandemia do coronavírus, o governo fascista busca acelerar um roteiro de destruição e morte. A partir de Manaus, que realiza a experiência das mais sombrias do contágio pela COVID-19, temos a experiência concreta de que a agenda de Bolsonaro não nos serve. Mas, a alternativa não reside nas experiências daqueles que historicamente facilmente correlacionam trabalhadores na luta por direitos com vagabundagem. Para um futuro pós-pandemia, nem fascistas nem a velha normalidade da política que nos lançou nesses dias tão estranhos são vias alternativas. É preciso construir uma via segundo o olhar daqueles que sempre estiveram no pior lugar da estrutura social brasileira. Tempos de lutas mais duras e historicamente decisivas nos aguardam.


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