O cerco contra Bolsonaro vai se fechando: reflexões sobre a crise no Brasil

Fernanda Melchionna, líder do PSOL na Câmara, analisa a crise do governo Bolsonaro.

Fernanda Melchionna 21 jun 2020, 18:58

Na semana em que a crise sanitária no Brasil chega ao número oficial e dramático de 50 mil mortos por covid-19 e mais de 1 milhão de infectados, a crise institucional deu um salto de qualidade. O cerco a Bolsonaro e sua família começou a se fechar. As investigações das fake news chegam aos empresários financiadores; o inquérito sobre a convocação dos atos da extrema-direita que gerou pedido de busca e apreensão e quebra de sigilo na casa de deputados bolsonaristas (pedida pelo indicado de Bolsonaro Augusto Aras) e a recente localização de Queiroz na casa do advogado da familícia mostram que um setor da classe dominante atuou para debilitar bastante Bolsonaro na última semana. 

Se, no início da pandemia, houve uma aposta de uma espécie de duplo poder entre ministro da saúde e governadores para contê-la e dar alguma coesão no andar de cima para enfrentá-la, diante do aprofundamento das crises sanitárias, econômicas e sociais no Brasil, a realidade demonstrou ser impossível diante do protofascismo de Bolsonaro. A insanidade e o despreparo compõem o governo que segue apoiado nos fascistas e neoconservadores, na base mais atrasada das polícias militares, de evangélicos fundamentalistas, agronegócio e setores burgueses varejistas. Tudo isso com a tutela dos militares e ainda o apoio dos bancos como personifica Paulo Guedes na economia e seu programa ultraliberal de ajustes. 

O fato é que o governo se encontra bastante debilitado, com dificuldades de recomposição, afinal não existe nenhum governo do mundo tão obscurantista como Bolsonaro. O Brasil acaba de chegar ao segundo lugar em mortes do planeta e nenhum plano centralizado é organizado pelo governo. O Ministério da Saúde tem literalmente um paraquedista do Exército no comando. A educação sofre um apagão nacional e as dúvidas com relação ao ano letivo seguem em aberto. A economia, já em frangalhos, caminha para a bancarrota. 

Mesmo neste cenário, até o presente momento,  o governo não definiu sua política sobre a renda básica emergencial que chega na sua terceira parcela. Ela foi um elemento de contenção da crise até agora e até de certa reconstituição de Bolsonaro frente a uma base mais popular que não sabe que foi uma derrota do governo na Câmara. Além disso, muitos economistas têm apontado a provável queda de 10% do PIB e a possibilidade do Brasil chegar a 30 milhões de desempregados. Enquanto isso, Paulo Guedes segue na linha das privatizações requentando o debate da Eletrobrás para ter reservas. A crise da Burguesia sobre as saídas econômicas também se desenvolve. 

Claro que Trump também é obscurantista, mas frente ao peso da ciência e da divisão da burguesia estadunidense teve que recuar em muitos aspectos, inclusive no cheque de seguro desemprego e nas medidas sanitárias. O elemento contra-arrestante nos EUA foi a entrada da mobilização antirracista pós-assassinato de George Floyd.  A primeira batalha foi ganha quando Trump teve que recuar de uma saída repressiva e as pesquisas mostram sua perda de popularidade. Entretanto, embora minoritário, ainda há um setor do movimento de massas firme com a extrema-direita. O comício em Tulsa, um cidade emblemática na luta antirracista, foi a demonstração disso.  A batalha inicial foi ganha, mas não ainda a guerra. Embora, ao que tudo indica Trump se enfraqueceu, ainda pode se reconstituir, e a emergência de uma crise econômica tão ou mais profunda da de 1929 pode empurrar um setor da burguesia para uma saída contra-revolucionária.  Como apontou Pedro Fuentes, vivemos um interregno de dois polos, hoje mais agudo: uma gravíssima  crise capitalista com um movimento de massas atrasado,  uma crise de direção com toda a profundidade que esta crise tem. A burguesia – por enquanto não pode abrir um curso histórico de contrarrevolução, mas no futuro pode.

É evidente, que os desdobramentos da política estadunidense têm impactos no Brasil e na extrema-direita em nível internacional. A chave da situação mundial também passará pelas batalhas nos EUA. É seguro afirmar que se abre a possibilidade de derrota da extrema-direita, embora ainda não esteja dada. 

Por ora, se pode dizer que o debilitamento de Trump também compõe um quadro de maior isolamento de Bolsonaro em um cenário marcado pelo aprofundamento da pandemia e condições de recuperação econômicas mais difíceis. A burguesia brasileira aposta em debilitá-lo tendo como carro chefe de sua política a Rede Globo. Evidentemente que ainda não estão em uma linha de impeachment, afinal há um trauma com o impeachment da Dilma de 2016 e a expulsão do PT do condomínio do poder. Há também uma desconfiança política com Mourão com relação ao seu comprometimento com a austeridade econômica e pelo seu passado autoritário e a tutela que tem dado a Bolsonaro, além do receio da reação da base da extrema-direita. Talvez a maior dificuldade seja ainda a ausência de alternativa também no campo burguês. Ao debilitar Bolsonaro e fechar o cerco, me parece que um setor burguês aposta em uma política de manutenção de Bolsonaro presidente com a retirada de seus ministros ideológicos, perseguição aos mais violentos e buscando um governo de notáveis. Claro, que isso é bastante improvável conhecendo o despreparo e o caráter autoritário dele. 

A investigação sobre Queiroz é uma peça fundamental de como se movimentará o jogo político no país. É provável que o inquérito possa chegar aos negócios mais profundos e promíscuos da família com o crime organizado, lavagem de dinheiro e corrupção. Além de ajudar na pressão do deslocamento de setores do Exército que vinham tutelando e até respaldando os ataques contra o STF, serve de elemento de chantagem sobre Bolsonaro com relação à própria família. Um cenário de renúncia só seria possível em uma negociação da liberdade dos filhos. Hipótese que não pode ser descartada. Mesmo com a relativa recomposição de Bolsonaro no Congresso com a compra de 220 deputados do chamado centrão, agora custará mais caro aos cofres públicos e também à imagem pública do governo, cada vez mais associado ao velho toma-lá-dá-cá. 

Sobre as saídas da crise ainda pode ser a cassação da chapa via TSE, hipótese mais remota na minha opinião. 

Os atos do 7 de junho foram muito importantes.  Neles, jogamos sozinhos, na prática. Já que a esquerda do regime ainda não aposta nas mobilizações de rua como uma saída necessária. Mais que isso, Flávio Dino chegou a dizer que seria melhor esperar 2022 para uma saída para crise. Embora, todos tenham entrado com pedidos de impeachment depois da nossa política acertada e pioneira de colocar a luta política no centro do combate à pandemia, as iniciativas pró-impeachment ainda são fragmentadas e de redes. Ciro segue organizando PDT, PSB, PV e Rede em um bloco como  “Janelas da democracia” e o PT segue em uma linha hegemonista, colocando um sinal de igual entre as forças que apoiaram o impeachment e as que sustentam Bolsonaro hoje, como pôde ser percebido no texto divulgado por  Dilma Roussef. 

As mobilizações colocaram as torcidas antifascistas, profissionais da saúde e movimento negro na vanguarda. O PSOL esteve bem na convocatória e na defesa pública dos atos. No RS, as mobilizações tem nosso DNA,  Juntos e intervenção dos nossos companheiros,  tendo Roberto Robaina como um dos porta-vozes, em São Paulo Sâmia  Bomfim conseguiu se envolver e fazer relações com os lideres das torcidas.  Estivemos presentes com David no Rio de Janeiro e nossa militância também. O Juntos teve bastante destaque nas imagens do dia 7 de junho, FNL presente e mobilizada, colunas do Emancipa. Nossas regionais estiveram atuando em todos os estados.  

Entretanto, os atos que foram importantes e fortes, convivem com a contradição de estarmos no meio de uma pandemia. O risco e o medo de contaminação são uma dificuldade para sua massificação. Não temos dúvida que sem a epidemia seríamos milhões nas ruas na luta política contra o governo.  

Nesse cenário, temos que seguir defendendo a unidade de ação com todos que estejam contra Bolsonaro, defender as liberdades democráticas e fortalecer a luta antifascista, alertando o movimento de massas de que o autoritarismo busca inviabilizar a auto-organização do povo e sua luta legítima por salário, emprego, vida etc. Defender as liberdades democráticas sem ficar colado nas instituições burguesas sempre é um desafio. Mas necessário de ser feito. 

Da mesma forma, manter a defesa da frente única com os setores reformistas e/ou vacilantes para defender os interesses da classe trabalhadora, no momento em que o parlamento pode votar o congelamento de salário de servidores, reforma administrativa e aprofundar o impacto da flexibilização dos direitos trabalhistas com as medidas da MP 936 e 927. 

A melhor forma de fazer unidade de ação e frente única, sem diluir o PSOL, mostrando como se golpeia junto, mas se marcha separado, é pensarmos em um conjunto de consignas simples para agora e também pensar na eleição de 2020 como um momento  para   nacionalizar o debate, fortalecer a luta contra a extrema-direita e apresentar o PSOL como uma alternativa. 

Penso que de imediato temos que seguir com a centralidade em: 

Fora Bolsonaro! Impeachment Já  – e irmos transitando para a ideia de defesa de eleições gerais para resolver a luta política

Renda Básica Permanente e Taxação dos Ricos 

Investimento massivo no SUS, na garantia de direitos ao profissionais da saúde

Valorização das Universidades, ciência e tecnologia para combater a crise

Política de geração de emprego e renda


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Pedro Micussi