Por que não se deve flexibilizar o isolamento social em Minas Gerais?

A situação em Minas Gerais, apesar da aparente impressão de estabilidade e de controle, não tem sido tão destoante do contexto brasileiro.

Gabriel Veríssimo 10 jun 2020, 14:30

No dia 14 de maio, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) publicou em seu Instagram um conteúdo que merece atenção e ampla divulgação. Sob o mesmo título que o presente texto, a postagem no perfil da instituição trouxe 9 motivos que mostram que não é hora de flexibilizar o isolamento social em Minas Gerais e foi acompanhada de um documento escrito por membros e colaboradores do Comitê de Enfrentamento do Novo Coronavírus da UFMG.

  Dada a relevância da referida postagem, decidi escrever procurando dar visibilidade ao documento, mas também analisando-o politicamente e tentando trazer, através de uma linguagem acessível, novos dados e atualizações sobre o quadro do novo Coronavírus em Minas Gerais e no Brasil. Ao final da matéria, trago um glossário explicando o significado de alguns termos utilizados no contexto da pandemia.

  O primeiro motivo que nos é introduzido pela UFMG é o de que “a transmissão do vírus no Brasil ainda não está controlada”. Quando realizamos a comparação das curvas de novos casos/dia do Brasil com as de outros países da Europa (como Itália, Alemanha, Espanha, França e Portugal) e até mesmo com as dos Estados Unidos (vide Figura 1), que recentemente foi epicentro da pandemia, vemos que o Brasil é o único que continua em ritmo de crescimento exponencial, vez que os demais países já atingiram a fase de queda do ciclo (crescimento exponencial, pico e queda). O problema do crescimento exponencial é que ele pode acelerar de forma imprevisível e, assim, exigir medidas ainda mais drásticas para interromper a cadeia de transmissão.

Figura 1 – Representação gráfica da curva de casos novos por dia em função do tempo utilizando a média móvel (7 dias) para suavização do gráfico.

Fonte: Fiocruz Monitora Covid-19 (dados de 03/06/2020)

  As ações e os discursos do presidente Jair Bolsonaro, em discordância com as recomendações sanitárias, agravaram essa situação e nos levaram ao estado atual. É urgente que Bolsonaro seja punido pela irresponsabilidade em lidar com a pandemia. Desde o início da pandemia defendíamos que era necessário “Tirar Bolsonaro para Salvar o País”, por isso, protocolamos, em 18/03/2020, o nosso primeiro pedido de impeachment. O agravamento da situação pelo aumento dos casos, pelo desprezo de Bolsonaro para com a vida dos brasileiros e pela escalada de ataques à democracia, fez com que a população fosse se convencendo da necessidade de tirar Bolsonaro do poder. Fato que se comprovou pelas mobilizações antifascistas e antirracistas e, também, pelo crescente número de pedidos de impeachment aguardando abertura pela presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

  A situação em Minas Gerais, apesar da aparente impressão de estabilidade e de controle, não tem sido tão destoante do contexto brasileiro, como veremos adiante.

A “subnotificação” no sistema de saúde mineiro

  Os motivos 2 e 3 do documento publicado pela UFMG são: “Motivo 2 – O sistema de saúde mineiro ainda não está detectando, como deveria, as pessoas com COVID-19 em Minas Gerais (“subnotificação”)” e “Motivo 3 – Ainda não há um planejamento para a realização de testes em amostra representativa da população”.

  O cauteloso processo de flexibilização de isolamento que tem sido executado por alguns Estados europeus tem sido feito em uma situação em que duas outras variáveis principais, além da já comentada queda dos casos diários, são atendidas: existência de estratégias para monitorar os efeitos da flexibilização e o conhecimento da situação da epidemia em nosso meio.

  Hoje no Brasil, a subnotificação é uma realidade e, no contexto mineiro, essa realidade é das mais intensas. No dia 15 de maio, Minas Gerais era o 2º estado com a menor taxa de testagem/habitantes, testando 78 a cada 100 mil habitantes e, até o dia 29 de maio, Minas Gerais testava apenas 99 pessoas para cada 100 mil habitantes, uma das piores taxas de testagem do Brasil.

  Embora a taxa de testagem de Minas Gerais seja muito baixa, a Fundação Ezequiel Dias (FUNED) tem conseguido atender sua demanda de testes. Isso acontece simplesmente porque a Secretaria Saúde realiza testes apenas de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave hospitalizados, óbitos suspeitos, profissionais da saúde e da segurança pública sintomáticos e público privado de liberdade. Ou seja, embora o governador Romeu Zema (Partido Novo-MG) tenha afirmado que qualquer paciente com sintomas poderia procurar os serviços de saúde que seria testado, a própria Secretaria de Saúde do Estado (SES-MG) o desmente ao informar que só testam nas condições acima relatadas.

Zema, que estava muito empenhado em permitir o retorno das atividades no estado e que tentou fazer com que profissionais da educação retomassem seu trabalho presencialmente, chegou a dizer que “Testes não salvam vidas, são apenas termômetros”.

  O contexto em que há uma “subnotificação”, como em Minas Gerais, passa a ilusão de que a situação está controlada e, dessa forma, transmite a sensação de segurança e faz com que as pessoas minimizem o risco a que estão se submetendo. Algo que beneficia os interesses de quem quer retomar as atividades não-essenciais a qualquer custo. Além disso, a testagem é essencial para saber como está o crescimento dos casos no estado. Sem ela, é impossível realizar a flexibilização gradual do isolamento.

Sem uma testagem que seja representativa da população, a flexibilização ocorrerá às cegas e, portanto, pode promover uma explosão de casos com perda do controle da situação. Portanto, só com a testagem representativa é possível planejar políticas públicas corretas para o momento e, assim, proteger as pessoas.

Ocupação de leitos em Minas Gerais reflete a verdadeira realidade da crise no estado

  Considerando a “subnotificação” nos números de casos e óbitos, nos resta analisar a ocupação de leitos no estado. A UFMG externou a preocupação com a transparência das informações divulgadas e pontuou o motivo 4 – “É necessário aprimorar a sistematização e a transparência das informações relativas aos serviços de saúde (profissionais, disponibilidade de leitos, insumos de EPI, respiradores)”.

  Reportagem exibida pelo Jornal da Globo, no último dia 02 de junho, mostra que, apesar da taxa de ocupação de leitos de UTI, que era de 70% para MG e de 77% para Belo Horizonte, o que já é preocupante, existem macrorregiões de Minas que têm mais de 90% dos leitos de UTI ocupados e uma região onde os dados não foram completamente divulgados, como mostra a Figura 2.

Figura 2 – Ocupação de leitos de UTI de acordo com a classificação em macrorregiões.

Fonte: Jornal da Globo, com dados da SES-MG.

  Nessas regiões, o sistema de saúde já saturou, sendo necessário transferir pacientes para outras regiões ainda mais distantes, o que dificulta e adia o tratamento.

  Além de leitos clínicos e de UTI, é importante garantir a disponibilidade de respiradores, ambulâncias, equipamentos de proteção, profissionais de saúde e condições de trabalho adequadas para esses trabalhadores.

O que Minas Gerais e o Brasil precisam é de um plano efetivo para o combate ao coronavírus

  O documento da UFMG ressalta ainda os seguintes motivos:

  • Os protocolos com as medidas preventivas e de controle em ambientes de trabalho, espaços públicos e escolas ainda não foram amplamente divulgados e debatidos nos diversos setores da nossa sociedade;
  • É insuficiente ainda o investimento em campanhas que promovam o engajamento da população e conscientização para adesão às medidas preventivas;
  • É preciso esclarecer como será a vigilância e o controle de possíveis novos casos importados de outras cidades e estados;
  • A “imunidade de rebanho” não ocorrerá tão cedo;
  • Ainda não há suficiente alinhamento da política de prevenção entre o nível federal e estadual para garantir ações coordenadas e efetivas.

Esses motivos sintetizam a necessidade de uma política efetiva de combate ao coronavírus, o que não temos no momento. Zema e Bolsonaro insistem na flexibilização do isolamento e na abertura do comércio. O prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD-MG), vinha defendendo o isolamento social, de acordo com as recomendações sanitárias, entretanto, recuou e permitiu a abertura do maior shopping popular de Belo Horizonte. Recentemente, na última sexta-feira (05/06), Kalil expandiu a flexibilização para outros serviços não-essenciais. Tal expansão pode nos conduzir a uma situação de descontrole ainda pior no quadro da pandemia em Belo Horizonte e é urgente que essas medidas sejam revogadas.

É evidente a pressão dos grandes empresários visando retomar o seu lucro enquanto a população se expõe à contaminação. Os atrasos do pagamento do auxílio emergencial, a dificuldade de acesso por quem tem direito, as tentativas de redução do valor do auxílio e a limitação de quem pode acessá-lo é uma clara ofensiva de Bolsonaro e aliados que querem que o brasileiro escolha entre ter renda pra se alimentar e se manter, mas se expor ao risco do coronavírus ou fiquem em casa (quando não perdem a moradia), mas sem renda e sequer ter acesso garantido à alimentação.

Dessa forma, fica claro que as condições para se manter em segurança em casa são muito diferentes e que a pandemia intensificou a desigualdade social brasileira. Quem tem boas condições financeiras pode ficar em casa, ter acesso aos leitos e ambulâncias privados, além de melhores condições de acesso à saúde no geral, enquanto quem não tem, passa fome, se expõe ao risco, além de outras dificuldades.

Mesmo nos casos em que a pessoa recebe o auxílio emergencial, a renda nem de longe é capaz de cobrir os gastos familiares. Por isso, enquanto o governo Bolsonaro defendia a proposta de R$ 200, o PSOL levou à Câmara de Deputados a proposta de R$ 1045 a R$ 2090. Entretanto, o valor aprovado foi de R$ 600 por trabalhador até o máximo de R$ 1200.

Nesse momento, é evidente a necessidade de que o Estado destine recursos para a Saúde, Educação, Ciência e políticas de desenvolvimento e redução da desigualdade social. Para isto, defendemos a regulamentação do Imposto sobre às Grandes Fortunas, que é um tributo previsto na Constituição brasileira de 1988.

Por fim, o preocupante avanço da pandemia de coronavírus no Brasil demanda uma articulação entre as diferentes esferas de poder. Infelizmente, embora tão necessária, essa articulação por um plano de enfrentamento não se dará com Bolsonaro e nem mesmo com Zema, dado o quanto minimizaram os riscos da COVID-19 e ainda se mostram incapazes de administrarem a crise. Bolsonaro, ao invés de liderar o país no enfrentamento à pandemia, escolheu liderar a extrema-direita e está fazendo de tudo para defender sua família e evitar seu impeachment, o que inclui as negociações com o Centrão e a intervenção na PF, ao mesmo tempo que aumenta suas investidas antidemocráticas. Por isso, é preciso resistir aos ataques à democracia, resistir ao fascismo e lutar contra as ações irresponsáveis de estímulo a abertura do comércio em um momento de crescimento do contágio. É hora de enfrentar quem não garante condições dignas à população: Impeachment de Bolsonaro Já e “Fora Zema”!

Glossário COVID-19

COVID-19: Termo utilizado para identificar a doença. COVID significa Corona Virus Disease (Doença do Coronavírus), enquanto “19” se refere a 2019, quando os primeiros casos em Wuhan, na China, foram divulgados.

Epidemia: uma epidemia irá acontecer quando existir a ocorrência de surtos em várias regiões. A nível municipal, por exemplo, uma epidemia ocorre quando vários bairros apresentam casos da doença; estadual quando ocorre em várias cidades e nacional em diversas regiões do país. Uma “epidemia a nível mundial” é chamada de pandemia.

Novo Coronavírus/Coronavírus/SARS-CoV-2: Termos utilizados para identificar o vírus. O uso do termo “novo Coronavírus” no lugar de simplesmente “Coronavírus” faz referência à pandemia atual, uma vez que a primeira epidemia de um SARS-CoV aconteceu em 2002. SARS-CoV-2 é uma nomenclatura do vírus responsável pela pandemia atual.

Pandemia: classificação dada quando uma doença se espalha mundialmente atingindo grande número de pessoas de diferentes regiões do mundo.

Surto: aumento inesperado do número de casos de determinada doença em uma região específica.

Testes Rápidos: Testes sorológicos (imunológicos) com resultado em até 30 minutos. No contexto de coronavírus, esses testes avaliam se nosso corpo apresenta defesas (anticorpos) ao vírus. Considerando que é um teste que avalia a presença de anticorpos, seu resultado depende da janela imunológica, que é um período (de 7 a 10 dias após a infecção) correspondente ao tempo necessário para que o corpo humano produza anticorpos específicos para o vírus em quantidades suficientes para detecção. Dependendo do teste é possível avaliar se é uma infecção recente/ativa (IgM+) e/ou se já teve alguma infecção prévia (IgG+).

Testes Moleculares RT-PCR: Considerado o padrão-ouro para o diagnóstico de COVID-19, a RT-PCR é um teste que, utilizando uma quantificação do material genético viral, avalia a quantidade de vírus presente na amostra biológica.


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