Saúde mental no governo Bolsonaro

Uma contribuição individual para a Revista Movimento.

Leonardo Tibiriçá Corrêa 20 jun 2020, 15:36

O estresse tem sido o maior adjetivo utilizado pelas pessoas para definir seu estado mental. Do ponto de vista fisiopatológico, o estresse é uma resposta frente a mudanças no ambiente. Esta resposta pode ser classificada de duas maneiras: positiva e negativa.

O estresse positivo é aquela promovida pela sensação excitante, que dura por um breve momento. Já o estresse negativo é mais intenso, duradouro, caracterizado pelo sentimento de ansiedade e compromete nitidamente o desempenho pessoal.

A ansiedade é um distúrbio que também tem sido comumente utilizado pelas pessoas para definir seu estado, seja físico ou mental. Este transtorno é caracterizado pelo sentimento de fuga ou luta constante, isto é, a pessoa sente que a qualquer momento terá que fugir ou entrar em combate pela sua própria vida.

Como é possível observar, a ansiedade e o estresse estão ligados intrinsicamente: o estresse em longo prazo gera sintomas de ansiedades e isso compromete o desempenho pessoal, social e profissional.

Ainda que a cadeia do transtorno mental esteja bem esclarecida, a ansiedade está ligada intrinsicamente a outra condição clínica que também tem sido utilizada pela maioria da população: depressão. As pessoas estão mais deprimidas, ansiosas e estressadas.

Por mais que em 2012 não houvesse a ideia de que em 2020 estaríamos lutando frente a uma pandemia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu a depressão como “A Doença do Século”. Em 2015, aproximadamente 322 milhões de pessoas sofriam de depressão, o que corresponde a 4,4% da população mundial. Neste mesmo ano, 780.000 pessoas cometeram suicídio e um número muito maior – ou seja, pouca precisão neste dado – tentou cometer, mas não obteve sucesso. Este transtorno corresponde a 1,5% das causas de todas as mortes no mundo, trazendo-a para o topo das 20 principais causas de morte em 2015. O Brasil tornou-se o país com maior prevalência em desordens ansiosas.

As doenças mentais são negligenciadas, desde uma depressão até transtornos mais complexos como a esquizofrenia. Partindo de uma análise social-histórica, a saúde mental como debate é algo que vem sido implantada recentemente, não chegando a completar 10 anos, por exemplo, a campanha anual do “Setembro Amarelo” foi implementado somente em 2015.

Do ponto de vista das pesquisas em saúde, é incoerente e tendencioso relacionar “estresse”, “governo” e “trabalho”. Na verdade, até podemos relacionar estresse no trabalho ou políticas para contenção do desemprego, mas as três palavras-chaves, talvez não. Dificilmente, encontraremos artigos científicos que proponham tal relação, tampouco revistas científicas que tenham este tipo de cunho editorial.

Porém, do ponto de vista das pessoas que não são do âmbito acadêmico ou da saúde, a formulação de uma frase interligando estas palavras-chaves é muito mais fácil e, vale ressaltar, não perde a coerência, não se torna tendencioso e respeita os fatos, pois a visão popular, por mais simples que seja, orienta o pensamento crítico e científico.

Partindo disso, rapidamente, como podemos sintetizar um elo entre estas três palavras? A resposta prática para desenvolvimento desta redação é: “Vivemos para trabalhar e lá nos estressamos e o Governo não faz nada para ajudar”.

Assim, nesta frase, unem-se os três elos e não há citação de governo ou emprego específico, apenas um mero pensamento popular que propõe uma justificativa para o aumento de casos de transtornos de depressão.

Na Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990, popularmente conhecida como “Lei Orgânica do SUS”, em seu artigo 2º, é disposta como a saúde sendo um direito humano e dever do Estado, assim garantindo a aquisição da saúde para cada cidadão brasileiro de maneira igualitária.

Entretanto, jamais tivemos um Congresso que dispusesse de caráter majoritariamente estatal e propusesse melhorar as administrações e investimentos do Sistema Único de Saúde, executando o artigo 2º da Lei 8.080/90. Temos enfrentado uma corja de senhores com seus pensamentos obsoletos da década de 50 que não acompanhou a evolução temporal e social.

O Estado negligencia a saúde mental e, por mais que o SUS se esforce com medidas interdisciplinares, visando o usuário como um todo, ainda os representantes políticos encaram, sem especialidade nenhuma, o modelo biomédico. A prioridade é formação de mais médicos, que tratem diabetes, hipertensão e câncer.

Não é que devemos esquecê-las ou ignorá-las, mas já há uma emergência em se implantar maiores políticas públicas visando a garantia da saúde mental. Temos programas no SUS como Centro de Valorização da Vida (CVV), Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Porém, não é o bastante. Nem mesmo suficiente para atender uma população com baixa prevalência de transtornos psiquiátricos.

Os programas de atendimento são apenas o começo das políticas públicas necessárias para conter o aumento do número de incidência de transtornos mentais e quando há o debate da saúde mental de uma pessoa, estamos deixando de lado o modelo biomédico e passando para a abordagem interdisciplinar, visando a qualidade de vida desta pessoa em questão.

Não há necessidade de abordar a perspectiva de maiores investimentos e ampliação da rede de atendimento, pois para todos os programas do SUS, nós enfrentamos uma superlotação e falta de estrutura e investimento para manutenção básica e é praticamente em todos os programas. A área hospitalar, que gera mais visibilidade política, comparada a um CAPS, por exemplo, ainda se sobressai em questões de investimentos e manutenção. Porém, é importante ressaltar: há necessidade de manutenção, inovação e investimento em praticamente todos os programas do SUS, principalmente, maior ação estatal e não privada, como outros governos adotaram, sobretudo na esfera municipal.

Para que o programa de assistência à saúde seja efetivo, precisa-se ter uma boa estratégia de captação destes usuários. Além de haver uma estratégia no rastreamento da doença.

A captação dos usuários é através, na maioria das vezes, da informação, isto é, o SUS é um sistema complexo que necessita de entendimento da sua funcionalidade, que em um país onde não há, muitas vezes, nem saneamento básico e determinadas regiões, pré-entendimento de uma Lei, como a 8.080/90, só demonstra a discrepância e a desigualdade sobre acesso à informação, já contradizendo o fato de estarmos no “Século do Acesso à Informação”.

Se há um aumento da incidência e prevalência de transtornos mentais, sobretudo ansiedade, somado a desigualdade ao acesso à informação, não é de se espantar que tenhamos uma baixa adesão aos programas que visam o tratamento destas condições. E isso, sem contar o desmonte da saúde pública – privatização, sobretudo.

Por exemplo, podemos passar anos pesquisando e investindo no desenvolvimento de um medicamento que cure o coronavírus. Se as pessoas não souberem que existe tal medicamento na drogaria ou no posto de saúde e principalmente, como adquiri-lo, irão continuar morrendo pelo coronavírus. O paciente pode ter o melhor medicamento na sua frente, mas enquanto não for administrado, não haverá efetividade alguma e toda a pesquisa sobre efetividade terá sido em vão.

Assim, vale para os programas de atendimento psicossocial. Se a população não souber que existem, como acessá-las e principalmente, da importância delas, todo investimento terá sido em vão. Além disso, é importante ressaltar sobre o autoconhecimento e as campanhas a fim de descontruir os paradigmas envolvendo saúde mental.

Por exemplo, se temos dor de cabeça, rapidamente vamos a um pronto socorro ou a uma drogaria e recebemos uma prescrição de um medicamento. No caso da depressão, a própria cultura familiar do brasileiro é negligente.

Trata-se de uma pequena tristeza, frescura ou estresse passageiro, mas nunca temos a devida instrução para debatermos e procurarmos a ajuda psiquiátrica. A psiquiatria é tabu na nossa sociedade e os dados epidemiológicos da OMS demonstram que já deveríamos adotar como rotina anual, por exemplo, a visita aos médicos psiquiatras, tais quais os clínicos gerais. Entretanto, isso só é possível quando se tem recurso suficiente para atender a demanda da população e captação destes usuários.

Outra forma de aumentar a captação da população é através do rastreamento em saúde. Isso é feito para hipertensão, doenças infectocontagiosas, diabetes, câncer de mama, próstata e etc. O rastreamento da diabetes e hipertensão são os mais conhecidos. Geralmente, profissionais da saúde estão em áreas com grande movimentação (trens, escolas, shoppings e praças) aferindo parâmetros biológicos, como pressão arterial e glicemia capilar, a fim de educar e orientar a procura de um médico para melhores investigações. Nesses casos, o rastreamento permite que a pessoa inicie o tratamento quando a doença ainda está em estágios iniciais, prevenindo o agravamento e maiores complicações.

Para transtornos mentais, a capacitação de profissionais e a utilização de questionários específicos já garantiriam rápido encaminhamento e serviria para desmistificar as questões que envolvem a psiquiatria.

E para isso, precisamos desvencilhar da “Velha Política”. A tal “Velha Política” representa majoritariamente nossos representantes democráticos e refletem uma opinião obsoleta, ultrapassada, que negligencia a saúde mental como essencial para uma qualidade de vida. A Velha Política é reflexo do modelo biomédico hospitalocêntrico utilizado até inicio do século XXI, ou seja, altos investimentos na formação de médicos e hospitais, para que a população veja o cumprimento de promessas de campanhas eleitorais. Visam apenas manter a população em pé para continuar trabalhando. É por isso, que é difícil fazer com que a população tenha adesão ao isolamento social, no caso da pandemia, por exemplo.

Porém, podemos ter uma segunda interpretação da frase “Vivemos para trabalhar e lá nos estressamos e o Governo não faz nada para ajudar”, do ponto de vista do foco causador do estresse, ou seja, o trabalho.

Somos uma espécie que vive em sociedade, não harmonicamente, mas vamos conciliando os interesses pessoais e evoluindo (para melhor ou para pior), porém temos uma incongruência de pensamento.

A incongruência no pensamento é óbvia, porém mal vista quando apontada. “Trabalhar para viver” é algo completamente fora do pensamento lógico e natural, pois geramos vida e essa vida, que nem escolheu o nome, já terá que ir pensando em como garantir seu sustento para sobreviver em meio a sociedade que ele mesmo não escolheu integrar, desde o momento em que saiu do útero.

Completamente ilógico e incongruente, uma vez que somos obrigados a viver em conjunto e respeitar a existência um do outro. Não é factível defendermos o controle de natalidade, por exemplo, mas não há meios de defender um sistema econômico global onde trabalhamos para apenas sobreviver.

Por mais que um dia todos morrerão, o incerto gera medo e ansiedade e o medo leva à raiva. Quando uma população enfrenta o desemprego em massa, a garantia de que haverá um novo amanhã (comida, água, escola e futuro para os filhos) é quebrada. Esta situação gera medo, pois lidar com o incerto da sua própria existência é estressante e nos causa a sensação de ansiedade. A ansiedade está relacionada na maioria das vezes com questões que não dependem da gente para responde-las.

A mente não se desliga um só minuto, nem mesmo para dormir, pensando se amanhã haverá o que comer mais uma vez. Se haverá trabalho para poder pagar todas as contas e ainda sobrar para ter o que comer. Esta situação estressa a mente, que responde como uma forma de defesa frente a essa mudança ambiental. É a realidade da maioria dos jovens de hoje em dia, na faixa dos 20 aos 25 anos, que não possuem perspectiva de vida futura, com emprego e família. Tampouco a realidade da periferia, onde cada dia é um verdadeiro milagre e um desafio de sobrevivência. E a pior realidade, dos indígenas, onde o suicídio é prevalente na população dos 15 aos 20 anos, pois encara seu povo devastado pela miséria, constantes assassinato e depravação de suas terras sagradas. A perspectiva futura é tudo para uma juventude bem sucedida e saudável mentalmente. Para as populações periféricas e indígenas, o próprio presente é incerto. 

A pandemia do coronavírus é a estratégia perfeita para exterminar as minorias e o grupo de idosos. A eliminação dos grupos considerados impuros, uma prática fortemente defendida pelos supremacistas, como eugenia, tornando a pandemia do coronavírus como um genocídio efetivo, justificado como algo “natural”. É a prática da eugenia, sem muitos disfarces.

O resultado deste estresse é a ansiedade, para aqueles que só o futuro é incerto. Há uma hipótese em que o estresse intenso e prolongado leva a morte de neurônios, desencadeando os transtornos mentais, como depressão e ansiedade. Esta hipótese é conhecida como “Hipótese do Fator Neurotrófico”. Ou seja, quanto mais estressados estivermos, mais ansiosos e deprimidos estaremos.

A mente do indivíduo estando a todo o momento estressado, gerando ansiedade e o organismo respondendo com o medo, com o tempo, este sentimento evoluirá para a raiva.

Podemos sugerir que esta raiva seja em decorrência da incapacidade de podermos resolver e sairmos dessa situação ansiosa e deixamos ser levados por ideais voltadas ao ódio, visando apenas encontrar um culpado (ideal singularista), centralizando a raiva, e trazendo tranquilidade para os problemas, por mais que estes ainda não estejam resolvidos.

Os ideais do ódio são como uma doença. Apresentam sintomas, praticamente nos deixamos ser levados involuntariamente e repete-se ao longo da história, como as doenças que não são erradicadas.

Do ponto de vista da microbiologia, uma doença que não é erradicada e começa a tomar grandes proporções epidemiológicas e não responde mais ao tratamento, geralmente, significa que adquiriu resistência, ou seja, está mais forte.

No caso, tivemos um tratamento pouco efetivo. As políticas públicas petistas foram de cunho reformista, ou seja, resolve o problema naquele momento, mas sem interferir na raiz do verdadeiro problema.

Visavam fazer mudanças minúsculas que não poderiam ser notadas pela oposição e poderiam ir conquistando ponto a ponto ao longo de seus mandatos. Porém, foram tão minúsculas que para a população, tornou-se insignificante.

Não significa que as conquistas petistas são de fato insignificantes, mas do ponto de vista histórico, uma revolução tem mais impacto que uma reforma momentânea que não resolve o grande problema central. Uma revolução, obviamente, traz impactos sociais notáveis e marcam a história daquela nação.

Assim, a oposição alimenta-se da insatisfação por grandes conquistas, daquelas que marcam a história e enfraquece a governabilidade do poder executivo central, aproveitando a situação da recessão global, além de investir na propaganda anti-petista.

Para aquele cidadão que enfrenta a realidade da recessão, sem consumir – tal qual era o grande sustentáculo do governo Lula – com medo de ficar desempregado e enfrentar o amanhã, encontrar um porta-voz que centraliza seu sentimento de medo e indignação do governo em questão é a tranquilidade que a mente finalmente estava buscando.

Esta satisfação de resolver todos os problemas, falsamente, e responder suas dúvidas traz o devido conforto e finalmente a mente pode descansar. Porém, os discursos inflados da oposição, com o tempo, transforma o medo em raiva. A raiva é a resposta por não haver as mudanças que deveriam ter sido realizadas inicialmente, assim, o discurso de ódio torna-se aquele que mais faz sentido.

Não há fato ou dado epidemiológico no mundo que faça mais sentido que o Discurso de Ódio, isso porque a mente cega pela raiva encontra algo simples, singular e de fácil entendimento, além de trazer o devido conforto para sua mente amedrontada. Não o bastante, é daí que surge o movimento negacionista e fica cada vez mais difícil discutir os fatos e resolver os verdadeiros problemas.

Com isso, encontramos uma terceira hipótese para nossa frase: “O Governo me estressa e não há nenhum trabalho para mim”. Talvez, das três hipóteses, esta é a que melhor traduz o sentimento do brasileiro em meio a esta pandemia e recessão econômica.

Encontramos, ao fim de 2018, um novo momento para o Brasil, onde uma bactéria tornou-se resistente aos tratamentos, que foram ineficazes e assim uma nova epidemia tomou conta das cabeças da população. Esta bactéria infeccionou um Brasil imunologicamente debilitado. É a melhor forma de definir a ascensão bolsonarista.

O momento de ódio, reflexo do medo da recessão petista, da mediocridade e agravamento do momento Temer, evoluiu para essa epidemia de ódio e ignorância. Como já foi dito, não há fatos no mundo que possam mudar a cabeça de quem já evoluiu para o ódio.

O movimento bolsonarista é um tipo de câncer que nasceu em meados de 2014, onde era moda ser anti-PT. Exatamente quando o povo vivenciava a fase do medo e um porta-voz trouxe a “esperança” e centralizou toda raiva no PT. Esse tipo de câncer, na verdade é uma metástase da conjuntura global. Isso é fundamental, pois não devemos agravar o complexo do vira-lata que carregamos historicamente. Na mesma época, diversos governos de esquerda perderam as eleições em diversos países. Porém, não é o objetivo desta redação.

Enraizando firmemente este câncer nas entranhas da república brasileira com o fim das eleições de 2018, temos uma incrível e trágico definhamento da estrutura republicana, além da ascensão negacionista e depreciação até da verdade científica.

Não sendo o bastante, o forte negacionismo frente à destruição do meio ambiente brasileiro e de nossa história, em 2020, estamos enfrentando uma pandemia por coronavírus, e que também está sendo amplamente diminuída ou negada pelos promotores do ódio e da ignorância. Sobretudo, é o agravamento do estado de saúde mental de indígenas e pessoas da periferia, como uma forma de extermínio e negligência.

O isolamento social tem sua definição autoexplicativa. Isolar-se do resto do mundo é diminuir seus momentos de lazer, de contato humano, de diálogo e, sobretudo, aumento da carga de trabalho. O confinamento é enlouquecedor. Não é atoa que os manicômios agravavam as condições clínicas dos pacientes com transtornos mentais, que foi proibido décadas atrás e ressurgiu no inicio do mandato de Bolsonaro, com propostas pró-eletrochoque.

Lidar com a solidão e altas cargas de trabalho é estressante. Somados ao medo de morrer ao sair na rua e medo de perder o emprego, estamos evoluindo rapidamente para a raiva mais uma vez.

A pandemia serviu para levantar a tampa do bueiro, que permitiu que as piores ratazanas saíssem dos esgotos e viessem à luz do dia, sobretudo para os pronunciamentos do presidente.

A diminuição das dimensões desta pandemia pelo próprio presidente e a demagogia de instruir o povo a desrespeitar as medidas sanitaristas de contenção, justificada pela falácia da economia brasileira não poder parar e que todos iriam sofrer após a pandemia, é a pior das ratazanas que fugiram do bueiro. A inflação da raiva em meio ao seu povo amedrontado, novamente, ascende à raiva e centraliza em um único culpado: os pró-isolamento.

Na verdade, ser contra ou a favor não é tema de debate, pois é óbvio que eleger como prioridade aquilo que deve ser resolvido a curto prazo é mais coerente, ou seja, contenção de uma doença infectocontagiosa o quanto antes possível, para que não falte comida na mesa de ninguém quando em decorrência do decréscimo econômico e, em uma guerra, ninguém quer perder absolutamente ninguém. Apenas encontra-se divergência de prioridade.

E para aqueles aderentes ao isolamento, que também estão com medo tanto quanto da doença quanto das consequências que virão, e que não conseguem engolir o discurso de ódio dos negacionistas, olhar pela janela e ver uma manifestação ocorrendo pró-presidente, diminuição da adesão e demissão dos Ministros da Saúde, é mais enraivecedor do que o próprio discurso de ódio. É revoltante na verdade.

É triste ver centenas de mortes diariamente e ficamos com medo do agravamento e do colapso na contenção da doença. Ficamos inconformados com o descaso do presidente e da irresponsabilidade destes bolsonaristas. A resposta disso tudo é o estresse. Uma resposta frente a mudanças.

Ficamos estressados por haver tanto trabalho e mais estressados pelo medo e ansiedade que não nos deixa dormir. Medo de sair em uma manhã e morrer contaminado ou medo porque depois da quarentena não haja comida na mesa de minha família.

Esse medo evolui rapidamente para raiva da irresponsabilidade das massas, do presidente que desmonta a República e a substitui por corporações e milícias tempo ao tempo, até que nem a própria democracia faça sentindo algum.

Desmontar os Três Poderes, banalizar centenas de mortes diárias e censurar a liberdade de impressa, tudo isso gera raiva e a raiva é a resposta do organismo frente ao estresse intenso e prolongado.

A mente humana pouco a pouco se depara com um cenário apocalíptico sem respostas para o pós-quarentena que virá. E quem chegou até essa fase, não está se contentando com respostas simples, pois vê diariamente mortes, uma atrás da outra. Enterrar centenas de corpo por causa de uma doença que tem estratégia simples para sua contenção é revoltante. Estar trancado sem contato social é mais um agravante.

É como estar em um avião sem destino algum sendo pilotado por um piloto incompetente dos mais incompetentes possíveis, que na verdade nem é um piloto de verdade, enquanto apenas vemos pela janela o avião ir de encontro ao solo, sem podermos reagir.

Por si só teríamos aumento da incidência de transtornos mentais após a quarentena, porém o “Governo me estressa” e nós ficamos cada vez mais doentes. Exaustos de tanto trabalho e revoltados pela falta de resoluções desta necropolítica anti-republicana.

E é mais tristes sermos os peões desta pandemia, estrategicamente posicionados para articular toda a movimentação de extermínios de minorias e oposições. Não é atoa que a quarentena seja um grande inimigo da burguesia, pois é a melhor forma de eliminar os mais pobres e garantir a formação de idiotas funcionais eleitorais para 2022, fieis ao conforto de suas ideias negacionistas.

Talvez, chegue a ser desesperador encarar todo dia um sistema perverso que visa somente a garantia da economia como bem maior, manipula dia após dia através do medo e infla o discurso de ódio em cada um da população e, nós não podermos fazer nada.

Estamos estressados, porque não há um dia sequer que possamos trabalhar e descansar a cabeça para dormir sem pensar na maldição presidencial e sem enlouquecer com a possibilidade de morrer ou não na manhã seguinte por uma trágica parada respiratória. É evidente que todos estão doentes, seja por COVID-19, seja por estresse crônico e intenso que este isolamento social e governo tem nos causado.

Diariamente, nosso cérebro entra em combate contra as mudanças diárias para que nós não sucumbamos à depressão. Temos que reforçar a ideia de que o estresse é algo natural e faz parte do processo de sobrevivência em meio a esses ambientes extremos que enfrentamos dia após dia.

E a melhor saída e encontrarmos um subterfúgio desta terrível sociedade capitalista governado por um despreparado e negligente. Este subterfúgio é a arte, que por mais que nós tenhamos contato com a realidade repleto de mortos que não para de aumentar a cada dia, a arte nos faz eternizar a alma de cada ser humano que partiu nesta guerra.

A arte não se trata somente da beleza, pois termos a capacidade de ler um livro ou assistir um filme e viajar em inúmeros sentimentos tão sensíveis ao nosso cérebro estressado, proporcionando alívio ao nosso estado de espírito exausto, sendo o melhor remédio para esta pandemia.

Não há problema algum se em um dia você acordar olhar para qualquer ponto perdido no horizonte e começar a chorar sem razão aparente. É a sua válvula de alívio à pressão que estamos sentindo em nossas cabeças, que destrói cada neurônio saudável e impede a evolução cognitiva de nosso cérebro.

Permita-se chorar e rir, mas, sobretudo viver. Não será o fim do mundo, por mais que o número de mortos suba a cada dia e estejamos em um trem desgovernado comandado por um maluco. Por mais que uma tempestade destrua uma cidade, um dia ela cessa e é o momento de reconstruir e renascer, mas, sobretudo aprender com os erros.

A arte é a ferramenta que nos ensina a lidar com a morte. Lembra-nos que somos mortais e que poderemos falecer a qualquer momento e por qualquer motivo. E é este o maior valor que devemos carregar para o momento pós-pandêmia. A memória de todos aqueles que partiram, pois o legado de um ser humano morto o torna imortal, vivendo em nossas mentes.

Ainda que não haja uma forma de controlar o estresse, ou se desligar da sociedade e das besteiras de um presidente desgovernado, encontrar a arte dentro da sua própria casa e permitir que seu cérebro possa se aliviar das tensões deste mundo cruel é uma maneira de cuidar da saúde mental.

Valorizar a própria vida é a melhor arma contra este governo fascista e incapaz de sensibilizar com a vida de uma população tão desigual e amedrontada. É deste ponto em que nasce a melhor estratégia para vencermos a luta diária que temos com nós mesmos.

Não permitir que sucumbamos ao ódio e deixemos sermos vencidos pelo ódio do fascismo bolsonarista. Que possamos sempre nos permitir chorar e sentir a dor das perdas pela pandemia.

Porque em momentos como este, onde não temos a oportunidade de nos despedir de entes que estão partindo é a forma mais frívola de apagar a história de uma população e enterrar o espírito do ser humano para todo sempre.

Além disso, a subnotificação é a forma mais cruel de eliminar o espírito de esperança desta nação e apagar a história da nossa luta, sobretudo o enterro das vítimas sem mesmo um nome ou um parente que possa chorar em seu caixão.

O nome é a identidade própria que carregamos desde o nascimento até a morte, jamais podendo ser violado. O passado ditatorial brasileiro, onde pessoas sumiam e junto com elas todo o seu legado, verdade sobre a crueldade e sobre o povo que lutava por liberdade.

Não é diferente de hoje, quando não temos a proporção correta de mortos por coronavírus. É de interesse deste governo, diminuir as dimensões de mortos, banalizar o genocídio e instaurar o puro ódio no coração de cada brasileiro.

Por isso, a valorização da arte em momentos como este é importante, para demonstrarmos a empatia em homenagem do legado de inúmeras pessoas que partiram em decorrência ou não desta pandemia.

A morte é uma certeza para todos os seres vivos. E para morrer é necessário estar vivo. Viver para deixarmos um legado, uma saudade ou um aprendizado para aqueles que ficam.

É ter um nome e uma lembrança viva no corpo de cada um que ficou e sempre ser revivido a cada lembrança que cai na boca dos vivos. Sem medo de morrer e sem medo de viver.

Sucumbir ao ódio e não sentir a comoção e empatia pela dor das famílias que perderam seus entes queridos, sobretudo às famílias que perderam seus entes queridos e estão enterrados sem nomes e sem legado, sem uma história para ser contada.

De fato, sucumbir ao ódio e não ser comovido pelo cenário atual é estar morto por dentro, e para os mortos não há mais vida nem chance e tampouco comoção pelos que lutam pela vida. Para morrer é preciso estar vivo e para estar vivo é preciso se comover.

Os profissionais de saúde são a linha de frente em uma pandemia, mas a arte, luta bravamente para que nossas mentes não sucumbam ao ódio e nos tornamos mortos por dentro.

Permitir-se chorar ou gritar pelo exaustivo estresse que estamos passando é se comover e a comoção é um resto de humanidade dentro de nossos corpos, justamente, para não nos tornarmos um morto incapaz de deixar uma memória viva no mundo, como o próprio presidente, que já está morto e deixa um legado impregnado de ódio. Por mais que o estresse leve aos distúrbios psiquiátricos, é um sinal de que estamos vivos por dentro e ainda nos preocupamos em mudar este mundo e passar por esse caos, tanto pandemia quanto governo Bolsonaro.

Não temas a morte, pois a morte é um fenômeno inevitável. Que nós temamos o esquecimento de nosso legado pelo execrável governo Bolsonaro. Apesar do intenso e severo estresse, este período irá passar e todos nós vamos lutar juntos contra esse governo mais uma vez, para apagar de uma vez por todas o seu legado de ódio e manter viva a memória dos guerreiros que perdemos nesta guerra, para que a história como essa jamais se repita.

Para combater o estresse que esse governo traz a nossa mente, precisamos usufruir da arte. A arte lida com a morte, pois para nos tornamos mais vivos, precisamos, a todo o momento, de nos lembrar de que somos seres mortais, e é a única maneira de manter vivos aqueles que já partiram, principalmente, porque não podemos nem nos despedir nesta pandemia. E, paradoxalmente, por mais que seja estressante lidar com a morte a todo o momento e em meio ao isolamento social, a comoção frente à morte expressa na arte é a melhor forma de não sucumbirmos ao ódio e assim se alastrar por anos a fio em um ciclo de ódio interminável que prejudica somente nós mesmo, enquanto a burguesia se diverte com nossa própria destruição, nosso próprio genocídio.

Este artigo é uma contribuição para a Revista Movimento e não expressa, necessariamente, suas opiniões editoriais. Envie também seu artigo escrevendo para redacao@movimentorevista.com.br.

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Pedro Micussi