Taxação sobre grandes fortunas: uma saída para a crise do COVID-19

O sistema atual possui tributos regressivos e indiretos, onerando mais a população de menor renda e isentando uma pequena parcela da população mais rica.

Bruna Chamas Biondi 10 jun 2020, 14:40

A saída para uma crise sanitária, tal como a do COVID-19, requer planejamento social e econômico e a elaboração de planos que esquematizem as finanças territoriais e a destinação orçamentária de forma a minimizar os danos. No Brasil, como mostrarei a seguir, a crise atinge a população de forma desigual, afetando a população mais vulnerável que está desamparada de auxílios governamentais. Sendo assim, é necessário soluções que deem assistência para a população, e este breve texto propõe a reflexão da taxação sobre grandes fortunas como uma saída para a crise do COVID-19.

Para isso, é preciso primeiro dar atenção para como o sistema tributário se organiza no Brasil. A composição tributária brasileira possui uma baixa participação da tributação sobre a renda e uma grande participação dos impostos sobre a produção e circulação de bens e serviços que incide majoritariamente na população de baixa renda. A participação dos impostos sobre patrimônio também é muito baixa, variando de 2% a 4% da receita total desde a década de 1990 (ALÉM; GIAMBIAGI, 2011; SALVADOR,2016). Dessa forma, o atual sistema possui tributos regressivos e indiretos, onerando mais a população de menor renda e isentando uma pequena parcela da população mais rica, fomentando a concentração de renda no país.

A partir do estudo do Imposto sobre a Renda (IR) é possível quantificar a concentração de renda do país, visto que em 2013 as pessoas com rendas acima de 40 salários mínimos representaram 2,74% dos declarantes e apreenderam 30,37% do total de rendimentos, enquanto os que recebem até 5 salários mínimos, que eram 50,71% dos declarantes, apreenderam apenas 15,27% do total de rendimentos. O resultado disso é que em 2014 0,36% da população concentrava 45,54% do PIB. (SALVADOR,2016)

Essa desigualdade de renda é fomentada pelo sistema tributário, a exemplo do IR que possuí quatro faixas: a primeira de 7,5% e incide sobre a renda de R$ 1.903,99 e R$ 2.826,65; a segunda taxa de 15%, a terceira 22,5% e a última faixa de 27,5%, para os rendimentos superiores a R$ 4.664,68 (O ESTADO DE SÃO PAULO, s.d). Sendo assim, aqueles com rendimentos de R$ 4.664,68, bem como aqueles com rendimentos de R$50.000,00 ou mais, se enquadram na mesma faixa do IR mostrando a sua baixa progressividade, visto que a proporção é igual, porém, a taxação percentual de 27,5% sobre rendas menores é muito mais agressivo que sobre as rendas maiores quando pensamos no montante final da renda do indivíduo, mostrando a necessidade do aumento de alíquotas com porcentagens maiores para os rendimentos mais altos. 

Além do IR que isenta os lucros e dividendos recebidos por acionistas, o lucro na alienação de bens e na transferência patrimonial, há outros exemplos da atual tributação desigual. A promoção de privilégios é dada também na arrecadação do ITCMD (imposto sobre herança) que em 2014 representou somente 0,25% dos tributos totais. O IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) que além de possuir somente uma alíquota para cada tipo de veículo, não tributando mais os produtos mais caros, não incide sobre jatos, helicópteros, iates e lanchas, por não serem veículos terrestres. Por fim, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) criado pela constituição de 1988 que até hoje não foi regulamentado. (SALVADOR,2016)

Após essa breve exposição do sistema tributário brasileiro, é possível concluir que a população que concentra mais renda é também a que tem uma maior garantia de privilégios tributários, pagando menos impostos proporcionalmente. Por isso, ao analisarmos a dinâmica da crise do COVID-19 no Brasil compreendemos a necessidade de uma reversão para que os mais ricos contribuam para a segurança dos mais vulneráveis. Principalmente, por serem esses os mais afetados pela doença, como afirmam os líderes de comunidades carentes “a fome é o principal empecilho para que o isolamento seja respeitado” e que “as ações do governo não são suficientes”. (CBN, 2020).

Uma possível saída para a crise do COVID-19 que visa a igualdade tributária é o estudo feito por Úrsula Peres e Fábio Pereira que defendem uma Contribuição Social Emergencial Sobre Altas Rendas. Isso ocorreria por meio de:

“Essa contribuição incidiria sobre os rendimentos totais, isto é, a soma dos rendimentos tributáveis, exclusivos (já coletados na fonte) e isentos, onerando apenas aqueles com rendas mensais superiores a R$15.000 (estrato dos 10% mais ricos, conforme a distribuição dos declarantes do Imposto de Renda de Pessoa Física – IRPF).” (POLÍTICAS PÚBLICAS & SOCIEDADE, 2020)

Sendo assim, com alíquotas progressivas de 10% para rendas de 15 a 40 salários mínimos (SMs), 15% para rendas de 40 a 80 SMs e 20% para aqueles com no mínimo 80 SMs seria o suficiente para a manutenção da Renda Básica Emergencial de R$600,00 por mais quatro meses. (POLÍTICAS PÚBLICAS & SOCIEDADE, 2020).

Por fim, é importante enfatizar que este debate está na agenda de diversos países. Na Argentina os oficialistas (corrente política) propõem um tributo em escala crescente para os patrimônios maiores que 3 milhões; o presidente do Peru estuda a viabilidade de um imposto solidário sobre a fortuna; na Espanha o Podemos propõe uma taxa de reconstrução que incida nas grandes fortunas individuais; na Alemanha o Partido Social Democrata propõe um imposto à propriedade; na Itália os oficialistas propõem a “Taxa COVID” progressiva e com duração até 2021. (BBC, 2020)

O debate mundial reforça a necessidade da taxação de grandes fortunas para a saída da crise. Pensando em um país desigual como o Brasil essa necessidade é multiplicada, visto que segundo dados da prefeitura de São Paulo a mortalidade pela COVID-19 é 10 vezes maior em bairros com piores condições sociais (FIGUEIREDO, 2020). Por isso, resta reafirmar o dever dos governantes em promover políticas de proteção social aos mais vulneráveis e da população em pressionar por sua agilidade e pela integração do debate da taxação das grandes fortunas na agenda nacional.  

Referências Bibliográficas:

ALÉM, Ana Cláudia; GIAMBIAGI, Fabio. Finanças Públicas: Teoria e Prática no Brasil. Editora Elsevier. 4º edição. 2011.  

BARRÍA, Cecillia. Crisis económica del coronavirus: en qué países de América Latina y el mundo proponen subirle los impuestos a los más ricos. BBC News Mundo. 20/05/2020. Disponível em: https://www.bbc.com/mundo/noticias52686446?SThisFB&fbclid=IwAR1SQII7nSsQUQNzjFsvLM-VJCLSDALE514GAcfnixPkWIzPgcYUGzfKuQ Acesso em: 08/06/2020

CBN. CBN Especial Coronavírus – Entrevista. 25/05/2020. Disponível em: https://cbn.globoradio.globo.com/media/audio/302652/fome-chegou-nas-regioes-mais-vulneraveis-das-capit.htm. Acesso em: 08/06/2020

FIGUEIREDO, Patrícia. Risco de morrer por COVID-19 em SP é até 10 vezes maior em bairros com pior condição social. G1. 29/04/2020

O Estado de São Paulo. Portal Tudo Sobre Imposto de Renda. Disponível em: https://tudosobre.estadao.com.br/irimpostoderenda#:~:text=Entre%20R%24%201.903%2C99%20e,a%20R%24%204.664%2C68. Acesso em: 08/06/2020

Políticas Públicas & Sociedade. COVID-19: Políticas Públicas e as Respostas da Sociedade. Boletim 8. 29/05/2020

SALVADOR, Evilasio. Perfil da Desigualdade e da Injustiça Tributária: com Base nos Declarantes do Imposto de Renda no Brasil 2007-2013. Institutos de Estudos Socioeconômicos – INESC. Brasília, 2016.


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