Campanha salarial bancários-2020: entre a FENABAN e Bolsonaro

Sobre a campanha salarial dos bancários.

Felipe Lacerda e Silvio Kanner 26 ago 2020, 21:57

A campanha salarial dos bancários entrou essa semana numa fase decisiva. Até o inicio da próxima semana, a categoria deve decidir entre um acordo (que pode conter perdas) e uma Greve, cujos desdobramentos seriam imprevisíveis, desde uma derrota com impacto no conjunto do movimento sindical até uma vitória com efeitos na correlação de forças e, por isso, na conjuntura. Entre os extremos há variáveis gradações.

Mas existem muitos elementos que tornam essa campanha um possível marco na categoria: a existência objetiva do governo de Jair Bolsonaro; a situação especifica dos resultados dos Bancos na pandemia, bem como a situação do trabalho bancário no mesmo contexto; a ofensiva sobre o trabalho nos âmbitos judiciário, legislativo, regulatório e contratual; a frágil mobilização da categoria depois de quatro anos sem greves; e o recente giro à direita da direção majoritária do sindicalismo bancário, a Confederação dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (CONTRAF), filiada à CUT.

 A própria existência de um governo com as características do atual governo brasileiro representa um desafio para a mobilização, na medida em que uma parte da base adere diretamente à sua posição anti-trabalhista, privatista, golpista e facistizante, produzindo uma clivagem política que, embora já tenha sido maior, ainda é relevante. Isso sem falar que o próprio governo é o responsável direto pela negociação de todos os Bancos Estatais como BB, CAIXA, BASA e BNB por exemplo. 

Durante o primeiro semestre de 2020 (auge da pandemia da COVID-19), os Bancos promoveram um aprovisionamento recorde, mesmo com a injeção de liquidez de 1,2 Trilhão garantida pelo Banco Central. Isso teve um reflexo nos resultados do primeiro semestre que experimentam uma queda de 30% em média nos lucros, interrompendo uma trajetória de décadas de altas sucessivas. Essa redução “artificial” dos lucros tem um impacto no processo negocial e deve forçar uma redução dos tetos e percentuais da Participação nos Lucros e Resultados – PLR, que foi sempre um fator acelerador de acordos. Da mesma forma, um cenário de juros baixos implica redução na perspectiva de lucratividade com base nas atividades de tesouraria. A inflação baixa também sinaliza a possibilidade de interromper a dinâmica anterior de elevar os salários em INPC + (que os bancos sempre controlaram no agregado das despesas de pessoal), mas os Planos de Demissão massivos nos anos anteriores sinalizam pouca margem para demissões e “turn-over”, o que pode sim implicar em não compor acordos com o INPC +. Muito embora os Bancos tenham sido forçados a permitir teletrabalho de forma massiva – atiraram no que viram e acertaram no que não viram –, o teletrabalho tem resultado em diminuição expressiva de custos operacionais e daria margem para manter os patamares anteriores de acordos.

Essa também é uma dificuldade do lado do movimento bancário, na medida em que a enorme quantidade de trabalhadores em Home-Office dificulta ainda mais o processo de organização e mobilização, que sempre viveu um pico nesse momento de campanha salarial. Essa condição empurrou todos os fóruns para a WEB e inviabilizou ações de massa como piquetes, dias de luta, etc. Se intensificarmos a mobilização nos Bancos privados enfrentamos a FERABAN.

Mas isso não explica tudo, a categoria bancária já experimentava anteriormente um processo de redução de mobilização. Desde 2016, não há greve na categoria, o prazo dos acordos passou para dois anos e isso dificulta o processo real de luta e mobilização. Os bancários também são atingidos pela onda de precarização e perda de direitos que o conjunto da classe trabalhadora está sofrendo. A Reforma Trabalhista caçou os efeitos da súmula 372 do TST. A Reforma da Previdência, além dos efeitos conhecidos, inviabilizou a manutenção do vínculo pós- aposentadoria. A Resolução 23 do Conselho das Estatais acabou com o pagamento de plano de saúde para os aposentados e as demissões e reestruturações deram um salto nesse período. Isso sem falar no fim da ultratividade dos acordos de trabalho. Fica sempre a pergunta se foi a falta de mobilização que permitiu isso, ou se foi isso que passou a dificultar as mobilizações.

Mas, desde 2016, ocorreu também um processo que chamamos de mega-oligarquização no movimento bancário, com o Sindicato de São Paulo dando um golpe por dentro na CONTRAF e assumindo sua direção, inclusive com acusações públicas. Esse processo teve impacto nas negociações e mobilizações. O acordo de 2018 foi o marco inicial dessa “nova direção” – confirmaram-se os acordos de dois anos, estabeleceu-se um “Acordo de Relações Sindicais”, que concentrou o poder de indicar liberações nas mãos da Diretoria da CONTRAF e criou uma espécie de imposto sindical próprio, estabelecido em Convenção Coletiva, sem direito a reposição e com recursos destinados inclusive para as centrais. Milhões de reais. Pela primeira vez em muitos anos, assistimos à inclusão de uma cláusula que diretamente retira direitos ao permitir que a jornada de trabalho passe a ser de oito horas para os comissionados em qualquer nível hierárquico.

Esse mesmo trecho do acordo foi transmutado para as Medidas Provisórias 905 e 936 e ambas caducaram inviabilizando a positivação em lei da quebra da jornada de 6 horas, mas esse ataque ainda persiste. Num aditivo imposto pela FEBRABAN no ano passado, consta a exigência de desistência de ações judiciais milionárias e sua assinatura pela CONTRAF indica um claro giro à direita em termos de negociação. 

Nos últimos dias, segundo as informações que nos chegam, há um duro processo de negociação ocorrendo. A FEBRABAN estaria propondo reajuste zero, redução da PLR entre outros.

O contexto é difícil, mas entendemos que recuar agora vai implicar uma derrota sem luta e isso pode significar uma simples entrega de armas. O fim da ultratividade pressiona por um acordo a qualquer custo e tem sido usado pelos banqueiros como escudo.

Mas o indicador é que a proposta vai ser trabalhada para ser defendida nas assembleias, isso porque durante toda a negociação, não houve calendário de lutas e mobilizações e a experiência dos anos anteriores aponta para isso. Um acordo ruim, contra o pano de fundo de um pior parece bom. Inúmeros setores da oposição bancária tem esperança num processo de greve, que reestabeleça um patamar de mobilização, obstaculize o processo de retirada de direitos, retome a democracia no movimento bancário e, acima de tudo, enfrente e derrote o governo Bolsonaro no âmbito das relações de trabalho.


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