Sobre o afastamento de Witzel e a luta democrática no Rio de Janeiro

Honório Oliveira analisa o afastamento de Witzel e defende novas eleições para o governo do Rio de Janeiro.

Honório Oliveira 29 ago 2020, 19:07

O afastamento de Wilson Witzel (PSC) do cargo de governador, nesta sexta-feira (28/08), levantou um debate sobre os rumos da política do Rio de Janeiro e, em certa medida, da política nacional, já que o Rio é importante caixa de ressonância dos acontecimentos do país. Bolsonaro, como sabemos, fez sua carreira política no Rio. A situação de Witzel não é algo novo, tampouco são novos os métodos utilizados pelo governador afastado.

A tragédia do Rio de Janeiro não é novidade para nenhum brasileiro. O estado e a cidade foram capturados, nos anos 2000, por uma cleptocracia que profissionalizou o assalto aos cofres públicos. Na onda da expansão econômica mundial do período, Sérgio Cabral, Eduardo Paes e seus aliados patrocinaram o que pode ter sido o maior volume de desvio de dinheiro público em nível estadual da história do país. O Rio tinha royalties, Copa do Mundo, Olimpíadas e todas as derivações econômicas provenientes da cadeia produtiva do petróleo. Um cenário e tanto para a gangue que se instalou com o apoio de muitos que hoje fazem oposição a Bolsonaro.

Os governos do PMDB foram uma espécie de articulação política nonsense, patrocinada também pelos governos nacionais do PT e pela lumpen burguesia carioca. Eike Batista talvez seja o maior expoente da categoria. Neste período, as milícias ganharam ainda mais força e dominaram ainda mais territórios. O nível de corrupção e roubalheira destes governos talvez só seja visto em governos autocráticos. No Rio, tragicamente, isso ocorreu pela via eleitoral. O PMDB desenvolveu uma máquina de domínio territorial pela via das milícias e de compra de votos ultra especializada.

É piada corrente entre os cariocas que “Cabral roubava até pirulito de criança”, era uma espécie de ladrão insaciável, capaz de bater a carteira do empreiteiro amigo e dar um anel de quase um milhão de reais para a esposa por pura exibição e desconexão com a vida real. O então governador tinha percentual de desvio estabelecido sobre enormes orçamentos, como o da saúde estadual, um montante de bilhões de reais.

Com a queda do esquema do PMDB e a ascensão do bolsonarismo ao poder, Witzel se tornou governador. Inacreditavelmente, sempre fica a pergunta de por que ele achou que faria igual e o resultado seria diferente: o governador afastado manteve parte do esquema do Cabral na Secretaria de Saúde. O Rio segue como o estado do inacreditável no país do inacreditável. Witzel foi afastado do cargo por conta da delação de seu secretário de Saúde e tem grandes chances de prisão futura. Está clara aí a interferência de Bolsonaro para prejudicar o antigo aliado. Entretanto, seria esse o tema central no debate sobre a situação do Rio de Janeiro, como parte da esquerda tem interpretado? Não. Trata-se de um elemento diversionista que serve apenas para turvar a visão na busca da defesa de uma solução ou ideia melhor para que parte da esquerda faça a luta política.

Antes do afastamento de Witzel e da prisão do pastor Everaldo, o vice Cláudio Castro, homem da ala conservadora da Igreja Católica do Rio de Janeiro, esteve reunido com Bolsonaro. Existe uma série de interesses do clã Bolsonaro que se cruzam neste processo. O principal deles é a ação que corre contra Flávio Bolsonaro no Ministério Público do Rio de Janeiro. O caso Queiroz é um dos calcanhares de Aquiles do atual governo. A decisão monocrática do ministro do STJ em relação ao governador afastado muito provavelmente tem interferência da família Bolsonaro. No entanto a defesa abstrata do Estado Democrático de Direito não impedirá em nada, em momento algum, que ações ou prisões injustas contra a esquerda ocorram. Essa ideia tem feito militantes de esquerda defenderem um tipo de unidade estranha aos interesses do povo, como agora no caso de Witzel. Alguns manifestam certa reserva com o afastamento pelo método utilizado, como se isso fosse uma salvaguarda para que no futuro isso não se repita, sobretudo contra a esquerda. Ilusão maior não pode existir.

A cada debate sobre “abertura de precedentes perigosos” que a esquerda faz, a realidade com toda a sua complexidade a atropela. Fosse tão eficaz esse discurso, Lula não teria sido preso. Portanto, este é mais um elemento sobre o qual não considero digno que se perca horas de debate para que se defina uma consigna justa sobre o caso mais imediato, que é a necessidade de uma saída para a crise do Rio de Janeiro.

Diante deste quadro, é necessário pensar uma saída que não estabeleça Witzel como um mal menor dentro do neofascismo brasileiro. Tal leitura não é razoável para uma esquerda que tenha a pretensão de liderar um projeto alternativo. O PSOL-RJ deve fugir desta armadilha e defender novas eleições para o governo do estado. A situação do Rio de Janeiro só pode mudar de verdade com a ação de milhares de pessoas mobilizadas. No entanto, a destituição da chapa Witzel/Castro e a convocação de novas eleições seria um passo importante, algo previsto inclusive pelos canais legais burgueses.

É necessário estabelecer uma via de vazão mais democrática do que as que foram colocadas até agora. Uma ação parcial, mas que se apoie nos milhares de ativistas, movimentos sociais, sindicatos, movimentos de favelas, na juventude do Rio. Isso abriria novamente o debate sobre qual é o programa de emergência para o Rio de Janeiro e que alternativas existem. Muito melhor do que a resignação a um governo tutelado pela ala conservadora da Igreja Católica, junto com o clã Bolsonaro, ou a torcida envergonhada pela permanência do “mal menor” Witzel. Definitivamente, precisamos defender novas eleições.


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