Retorno às aulas presenciais, a invisibilidade docente e o desprojeto de educação de Zema
Ano letivo se recupera, vidas não.
O Governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), anunciou na tarde desta quarta-feira (23) a retomada das aulas presenciais das escolas estaduais. Segundo a secretária Júlia Santanna, as aulas retornarão de maneira gradativa nas 3600 escolas da rede estadual para os terceiros anos prioritariamente para o dia 19 de outubro.
O anúncio gera impacto justamente no dia em que o número de mortos mais que triplicou em 24h, saltando de 37 para 133. Todos os estudos e indícios colocam que o retorno às aulas presenciais podem causar mais de 1 milhão de novos contaminados, segundo pesquisa da Fiocruz. Isso significa colocar em risco sanitário centenas de milhares de famílias, professoras/professores e trabalhadores em educação em geral, além de toda a comunidade que envolve as escolas.
Essa decisão abrupta, ainda sem nenhuma estratégia de como será efetivada, não teve consulta à comunidade escolar. Nenhum professor, estudante, mãe ou qualquer trabalhador que esteja no ambiente escolar foi consultado sobre a necessidade desse retorno. Zema não cumpre o papel de um governador, que é zelar por todo o Estado, e joga a responsabilidade para os municípios, deixando toda a comunidade escolar completamente insegura.
O governo estadual justifica essa ação por uma atenção à saúde mental dos alunos, porém em seis meses de pandemia não pensou na construção de programas de atendimento psicossocial nas escolas, muito menos aos profissionais de educação que tem se esforçado para se adequar aos novos tempos em que a internet se tornou o novo espaço pedagógico. Desconsidera ainda todo esse esforço de milhares de professoras que tem trabalhado diuturnamente para manter a relação e atenção com os estudantes, com uma sobrecarga de trabalho que vem gerando adoecimento nos docentes.
Esse plano de Zema para a retomada das aulas presenciais deixa a todos nós, trabalhadores da Educação, com grande temor. Qualquer governo de qualquer Estado tem que, pela natureza do cargo, providenciar uma estratégia de enfrentamento de crise. No caso da Educação em tempos de pandemia, o governo Zema aparenta não ter nada disso.
O que temos são dúvidas perigosas. Vamos ver: os protocolos foram discutidos com as escolas? O Estado tem um diagnóstico da infraestrutura das escolas para o atendimento das normas sanitárias?
O Estado tem um diagnóstico dos professores, quais podem voltar e quais não podem, quais são grupos de risco, qual o deslocamento que cada um vai fazer para chegar às escolas?
O Estado tem o mesmo diagnóstico para os outros funcionários que atuam nas escolas?
O Estado tem um diagnóstico dos alunos? Quais são grupo de risco, quais vivem em famílias com pessoas de grupos de risco? O Estado tem um levantamento do deslocamento dos alunos?
O Estado tem normas claras e precisas sobre como ficarão os alunos dentro da escola? Quantas pessoas por m2 serão permitidas em cada espaço escolar?
O Estado tem uma proposta pedagógica para lidar com a discrepância entre alunos presenciais e os não-presenciais? O Estado tem uma proposta avaliativa para isso?
O Estado já avaliou o impacto da volta às aulas nas ruas, bairros e municípios onde há escolas estaduais?
O Estado sabe mesmo o que fazer? Se sabe, porque não diz?
E mais: qual a preparação psicológica e pedagógica os professores terão para lidar com parte das aulas presenciais e outras remotas? Qual o nível de comprometimento do Estado com as vidas e trabalho dos profissionais em educação? Quais as condições das escolas para lidar com quaisquer que seja o protocolo de segurança sanitária? As escolas carecem de condições mínimas de manutenção antes da pandemia, e agora? Estão preparadas?
Os questionamentos seguem como um sinal de alerta a toda a categoria. É necessário lutar contra um retorno sem planejamento que coloque vidas em risco. É necessário pensar nas vidas de todos os profissionais de educação, estudantes e suas famílias.
Ano letivo se recupera, vidas não.