Solidariedade com a Bolívia: é preciso derrotar o golpismo
Tentativa do governo de adiar eleições foi derrotada nas ruas.
A tentativa do governo ilegítimo de Jeanine Áñez de adiar pela terceira vez a data das eleições presidenciais foi derrotada nas ruas pela contundente mobilização dos trabalhadores mineiros, camponeses e as nações indígenas. Ante a grande pressa da mobilização, o Tribunal Supremo Eleitoral teve que declarar que o primeiro turno das eleições presidenciais será realizado indefectivelmente em 18 de outubro de 2020. Agora a questão é assegurar que as eleições sejam limpas, sem fraude. Somente assim será possível parar o golpe racista e pró-imperialista das oligarquias brancas do país.
Nessa batalha crucial na Bolívia, todos os povos latino-americanos temos uma grande responsabilidade e o dever de atuar. As consequências desta disputa não se limitarão às fronteiras bolivianas, mas se estenderão por todo o continente. Caso triunfe o regime reacionário e fraudulento, sem dúvida o eixo Bolsonaro-Duque-Piñera e outros similares subordinados a Trump irão se fortalecer. Mas se o movimento na Bolívia impõe sua vitória, será reativada a efervescência gerada pela rebelião popular no Chile e pelo levante indígena no Equador em 2019.
Bolívia, cenário de revoluções e golpes de estado, enfrenta agora uma nova reação golpista. O processo que se vive agora começou com importantes mobilizações nos anos 2000 (Guerra da Água, Guerra do Gás, campesinas e indígenas), que culminaram com a ascensão ao poder do Movimento Al Socialismo (MAS), cujo aspecto inédito é o protagonismo de líderes genuinamente indígenas, operários e camponeses. Ainda que se possam apontar erros e limitações – e aprender com eles -, nos governos encabeçados por Evo Morales (2006-2019) houve uma conquista transcendental para as populações oprimidas: o Estado plurinacional, ou seja, a maioria indígena no poder.
Este avanço histórico, legitimamente concebido por uma Assembleia Constituinte e apoiado pouco depois por um referendo popular, junto com a nacionalização dos hidrocarbonetos, nunca foi tolerado pela burguesia branca e pelos setores fascistas do sul de Santa Cruz de la Sierra. Embora seja inegável que tenham dado um primeiro passo na repressão e perseguição dos opositores, seu projeto original está inconcluso, já que não puderam esmagar o heroico campesinato e a classe operária boliviana.
Num marco de pandemia descontrolada e de gestão sanitária caótica, os adiamentos eleitorais e os escândalos de corrupção no seio do governo ilegítimo despertaram no povo a vontade de se levantar novamente. Assim, os trabalhadores mineiros e os movimentos sociais organizaram um exitoso calendário de paralisações, enquanto os camponeses e o povo estabeleceram bloqueios em centenas de pontos estratégicos do país, interrompendo a vida prática de uma sociedade regida por uma “democracia de fachada”. Esta poderosa ação, na qual apareceram com relevância jovens líderes operários como Orlando Gutiérrez (Federação de Mineiros), mudou o curso da situação, mas ainda não o definiu.
A elite neoliberal golpista que contou com a cumplicidade da embaixada norte-americana teve que retroceder momentaneamente, mas sem abandonar seu tradicional revanchismo. Dezenas de ativistas que encabeçaram os bloqueios a favor da democracia começam a sofrer processos judiciais persecutórios, demonstração inequívoca de que um regime ilegítimo só pode se sustentar em cima de novos atos ilegítimos. Para deter a repressão contra o povo boliviano mobilizado, para assegurar que nas eleições de 18 de outubro próximo não se atrevam a torcer a vontade popular que daria o triunfo ao candidato Luis Arce do MAS, que lidera todas as pesquisas, é imprescindível que a solidariedade internacional se intensifique em apoio ao povo boliviano.
Se faz urgente exigir a liberdade e suspensão dos processos de todos os detidos e o direito dos bolivianos no Brasil e outros países a exercer livremente seu voto no próximo pleito. É tarefa de todas as forças políticas, democráticas e de esquerda da América Latina denunciar as tentativas da direita conservadora e servil da Bolívia, representada pela presidenta de facto, de querer interromper a transição democrática do país andino vizinho, sem respeitar sua autonomia e soberania nacional.
Originalmente publicado no Observatório Internacional da Fundação Lauro Campos Marielle Franco.