István Mészáros presente!

Homenagem aos três anos da morte do filósofo.

Gilson Amaro 1 out 2020, 14:58

“Inevitavelmente, o desafio histórico de instituir-se uma alternativa viável
à ordem dada também exige uma grande reavaliação do quadro estratégico
do socialismo e das condições de sua realização, diante dos fatos e decepções do século XX. Necessitamos urgentemente de uma teoria socialista da transição, não simplesmente como antídoto para as absurdas teorizações do ‘fim da história’ e o concomitante enterro prematuro do socialismo. Em seus próprios termos positivos, uma teoria da transição é necessária para que se reexamine o quadro conceitual da teoria socialista, elaborada originalmente em relação ao ‘cantinho do mundo’ europeu.” Istvan Mészáros- Para além do Capital (2002).



Hoje completam três anos da morte do filósofo István Mészáros, um dos mais notáveis, combativos e radicais pensadores marxistas das últimas décadas. Um intelectual indispensável para a compreensão da realidade e do estudo do pensamento socialista, autor de complexas, originais e importantíssimas obras.


Mészáros é um gigante, sua análise do sistema do capital, tem se tornado mais palpável conforme a crise do sistema se agrava e sua destrutividade se agudiza, como ele costumava dizer o capital “enche buracos cavando buracos ainda maiores”. Ele é sem dúvida um ponto de mudança na minha formação intelectual e militante e de muitas outras pessoas em todo o mundo. Sua morte também ressignificou o dia 1 de outubro — data em que também comemoro meu aniversário — que desde 2017 é igualmente um marco indissociável da memória e legado deste socialista, um ser humano ímpar, brilhante, um guerreiro da classe trabalhadora e da emancipação.


De origem proletária húngara, começou a trabalhar muito cedo aos 12 anos de idade. Foi ajudante em uma padaria e depois operário em uma fábrica de peças para aviões. Após a Segunda Guerra Mundial iniciou seus estudos na Universidade de Budapeste, onde conheceu o grande pensador marxista György Lukács, umas de suas influências fundamentais, do qual foi aluno e colaborador.


Em virtude dos eventos “Revolução de Outubro Húngara” (1956) e da ocupação das tropas soviéticas que avançaram sobre Budapeste, Mészáros se refugiou na Itália, depois passando por outros países até se estabelecer na Inglaterra. István Mészáros sempre foi um grande crítico do stalinismo, numa visão de esquerda e radical. O balanço sobre os acontecimentos de 1956 marcaram profundamente suas análises.


Sua vasta produção intelectual, onde se destaca a grande obra (em páginas e em importância) “Para além do capital: rumo a uma teoria da transição” é sem dúvida de importância fundamental para o movimento socialista. São diversas e profundas as contribuições deste importante autor, mas quero citar aqui, mesmo que seja de passagem, a distinção que ele faz entre capital e capitalismo.


Este é um tema importante para a compreensão das experiências passadas e construção das futuras experiências socialistas. Mészáros, em uma leitura marxiana do problema, apresenta capital e capitalismo como conceitos distintos. Ele sempre lembrava que o fato da grande obra de Marx se chamar “O Capital” e não “O Capitalismo”, não era uma questão de nomenclatura, mas por que se tratavam de fenômenos distintos, existindo, portanto uma diferença conceitual.


Para Mészáros, na experiência histórica da União Soviética tivemos a expropriação dos capitalistas e a eliminação jurídica da propriedade através de uma revolução política, mas o capital ficou intacto. A experiência soviética ficou deste modo presa ao “sistema sociometabólico do capital”, sendo, portanto, uma sociedade pós-capitalista e não socialista, que ruiu de forma desastrosa pelas contradições do sistema do capital.


Nas palavras de Mészáros “o capital não depende do poder do capitalismo e isso é importante também no sentido de que o capital precede o capitalismo em milhares de anos. O capital pode sobreviver ao capitalismo, é de esperar que não por milhares de anos, mas quando o capitalismo é derrubado numa área limitada, o poder do capital continua, mesmo que numa forma híbrida.”

Poderíamos destacar muitas outras contribuições de Mészáros como o conceito de crise estrutural do capital, sua importância para as formulações ecossocialistas, para a educação entre outros temas que são abundantes em seus muitos livros, mas estas breves linhas são apenas para marcar esta importante data e apresentar, mesmo que de relance algum olhar sobre sua obra e legado, lembrando que este é um autor que deve ser estudado, pois, tem uma contribuição fundamental para a luta e construção de uma ofensiva socialista.


Em entrevista concedida a revista Trabalho, Política e Sociedade da UFRRJ, em 2018, o professor Ricardo Antunes, um dos principais responsáveis pela introdução das obras de Mészáros no Brasil comenta que ele:“ jamais deixou de ver no mundo real as possibilidades de uma transformação radical. Um pensamento que jamais embarcou na tese da integração da classe trabalhadora, ou na tese de que o capitalismo é o que é possível — aliás, essa era outra grande crítica dele aos Partidos Comunistas, que, pelo seu reformismo, aceitavam sempre o chamado ‘mal menor’.


A pandemia e o aprofundamento da crise econômica global abre um desafio imenso para o movimento socialista em todo o mundo. Precisamos construir força social revolucionária, que não fique presa nas amarras do sistema do capital, portanto o estudo e balanço de nossos experiências e a elaboração programática e organizacional, será decisiva para que construamos um futuro de emancipação.


Istvan Mészáros, Presente!

Fontes:

Para além do capital : rumo a uma teoria da transição / István Mészáros ; tradução Paulo Cezar Castanheira, Sérgio Lessa. – 1.ed. revista. – São Paulo : Boitempo, 2011.

MÉSZÁROS, István. O marxismo hoje. Crítica Marxista, São Paulo, Brasiliense, v.1,n.2, 1995, p.129-137. Entrevista concedida a Chris Arthur e Joseph McCarney

Revista Trabalho, Política e Sociedade (On-Line) / Grupo de Pesquisas Sobre Trabalho, Política e Sociedade, Instituto Multidisciplinar, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Vol. III, no 05. Nova Iguaçu (RJ): GTPS/UFRRJ, 2018.


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