Um domingo histórico e o desafio do PSOL

O PSOL terá que discutir estratégia, programa e o que pretende fazer no poder.

Roberto Robaina 27 nov 2020, 21:03

No próximo domingo, há uma eleição especialmente importante para o futuro da esquerda. Trata-se do pleito de São Paulo. O PSOL lançou a fórmula Guilherme Boulos e Luiza Erundina, que, para a surpresa de todos, passou para o segundo turno. Este fato, por si mesmo, já foi uma novidade da eleição municipal, com o impacto da ascensão do PSOL na consciência de milhões Brasil afora. E Boulos foi a encarnação pessoal dessa ascensão.

Boulos, é claro, sairá vitorioso mesmo que não ganhe o segundo turno. Caso ganhe, uma reconfiguração completa ocorrerá na esquerda porque todas as peças no tabuleiro das forças partidárias mudarão de lugar e de peso, a começar por Boulos e pelo PSOL, que deixará de ser o que é de um dia para a noite. Se Guilherme Boulos eleger-se prefeito, em que se transformaria o PSOL? Não quero, neste momento, entrar em especulações. A batalha pela hipótese de vitória está sendo dada, agora, por milhares de ativistas que estão se jogando para tirar dos tucanos o aparelho que a prefeitura de São Paulo representa. São milhares cheios de esperança numa experiência de esquerda nova. Acompanhar esta luta e estar na primeira fileira dela é uma necessidade para que se possa construir um polo anticapitalista na principal cidade do país.

Sem entrar em conjecturas diante de uma eventual vitória de Boulos, apenas cabe registrar que estaríamos diante da primeira experiência de governo de unidade da esquerda e da centro-esquerda, já que é evidente – e Boulos já o afirmou muitas vezes – que não seria um governo apenas do PSOL. Talvez seja bem menos do PSOL do que muitos possam imaginar. Ainda que a cidade de São Paulo não seja devolvida aos pobres, como chegaram a dizer alguns dirigentes do PSOL de forma não marxista – uma afirmação da qual não compartilho porque não acredito em mudanças na estrutura de poder de classes em uma eleição municipal –, o fato é que a crise dos partidos burgueses estaria exposta de modo profundo. E o PSOL, é claro, diante do peso do aparelho estatal da maior cidade do país, seria determinado por este próprio aparato.

Mas, como disse, não pretendo me deter em conjecturas. O fato é que há uma mudança na esquerda, que foi dada no primeiro turno da eleição. Trata-se do peso de Guilherme Boulos. Até então, ele buscou ser uma espécie de liga entre o PT e o PSOL. Aliado de Lula, entrou no partido fundado numa ruptura pela esquerda com a experiência de poder petista. Como o impeachment de Dilma travou a continuidade da experiência das massas populares com a direção petista – e logo em seguida, com a eleição de Bolsonaro, a necessidade da unidade democrática impôs-se para enfrentar a extrema direita –, a linha de Boulos de herdar o legado lulista e, ao mesmo tempo, se ligar ao novo projeto de esquerda que o PSOL tratou de encarnar, teve resultado político bem-sucedido. Um resultado político que, diante de Jilmar Tatto, nome sem expressão lançado pelo PT paulistano – confirmando mais uma vez que o PSOL cresce quando o PT não ocupa os espaços –, acabou também tendo resultado eleitoral muito positivo para a liderança que se projetou no MTST. Aliás, este sempre foi o grande mérito de Boulos e que o conecta com maiores possibilidades de colaborar com forças anticapitalistas.

A conclusão da disputa paulistana é que Guilherme Boulos passou a ter um papel fundamental na esquerda e vai exigir do PSOL uma discussão muito mais profunda sobre que rumo defende para o país. O partido terá que discutir estratégia e programa: dizer como pretende chegar ao poder ou colaborar para que determinadas forças sociais cheguem ao poder. Também terá que discutir sobre o que pretende fazer no poder e qual programa pretende aplicar.

Há ainda outra eleição em que o PSOL encabeça as pesquisas: a de Belém. Edmilson Rodrigues foi por duas vezes prefeito. Sua capacidade de governo é real. O partido na cidade é forte e há forças internas de esquerda combativas que crescem. A jovem Vivi, a mais votada do PSOL para vereadora, poderá assumir um mandato na Câmara Federal, enquanto a corrente APS, que tem o vereador reeleito Fernando Carneiro como seu principal expoente, tem também inserção social histórica. O Estado da Cabanagem dará o que falar.

Esses debates terão que ocorrer porque é claro que o PSOL já não tem sido mais essencialmente a negação do PT pela esquerda, como foi nos seus primórdios, quando o PT aceitou ser gerente dos interesses do capital e aplicou um programa social-liberal. Esta parte necessária na história do partido já está superada. Mas o partido tampouco pode ser um híbrido entre o que foi no início e uma repetição, com nova roupagem, do que foi o PT. Há tensões para que seja esta sua configuração, mas não se trata de um projeto tão pensado nem muito menos consolidado. A tensão a favor de uma repetição do PT mostra-se, por exemplo, quando se acredita que o partido deva ter como estratégia a conquista de poder local para administrar o Estado, desvinculada de uma luta para mobilizar as massas contra os grandes capitalistas. Assim, neste momento em que lutamos para diminuir as forças eleitorais da burguesia, é útil também não deixarmos de refletir sobre os debates e definições estratégicas que devemos assumir.


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