Pazuello já vai tarde: a tragédia fica e continua

O que esperar do novo ministro? Nada. Bolsonaro segue no comando.

Israel Dutra 16 mar 2021, 23:25

No mesmo dia em que a média móvel de óbitos bateu um novo recorde trágico, o governo confirmou o rumor do final de semana e substituiu o titular do Ministério da Saúde. Pazuello deixa o Ministério investigado pela Polícia Federal e com uma enorme contestação a seu trabalho. O general responde a inquérito autorizado pelo STF pela condução da crise sanitária em Manaus, quando o colapso total do sistema de saúde levou à falta de leitos e oxigênio. No Congresso, parlamentares articulam CPI para apurar as responsabilidades de Pazuello e do governo federal no enfrentamento à pandemia.

Além da acusação de omissão generalizada, pesa sobre o agora ex-ministro a denúncia de que teria pressionado a prefeitura de Manaus a distribuir medicamentos como cloroquina e ivermectina, por meio do aplicativo “TrateCov”, às vésperas da explosão de casos da segunda onda. O trauma com a falta de oxigênio foi o detonador da saída de Pazuello no ministério. Pazuello mudou inúmeras vezes sua versão sobre quando teria sido comunicado sobre a hipótese de falta de oxigênio, evidenciando suas responsabilidades no descaso que chocou o país, na verdadeira tragédia de Manaus.

A questão das vacinas foi outra marca trágica da “era Pazuello”. Chegou a anunciar, em outubro último, a compra de 46 milhões de doses de Coronavac, sendo imediatamente desautorizado por Bolsonaro, que afirmou não comprar “vacina chinesa de Doria”. Num outro episódio, deu declarações à imprensa desencontradas sobre o número de lotes de vacinas previsto, sempre reduzindo o prognóstico inicial. Um relatório americano que vazou após a posse de Joe Biden acusa que o governo de Trump de ter pressionado o Brasil a não adquirir a vacina russa “Sputnik V”. Trapalhadas, erros grotescos e gafes a serviço de uma política sanitária desastrosa, orientada pela constante agitação de Bolsonaro de que a Covid-19 é um problema menor, uma mera “gripezinha”. Assim foi o quadro nos dez meses em que Pazuello esteve à frente da pasta da Saúde.

Vale recordar que a gestão da pandemia no Brasil, com a nomeação de Marcelo Queiroga no lugar de Pazuello, tem seu quarto ministro. Luiz Henrique Mandetta deixou o ministério em 16 de abril de 2020, atirando contra o governo e empunhando a bandeira do SUS e do distanciamento social. Seu sucessor, o médico e empresário do ramo da saúde, Nelson Teich, durou pouco menos de um mês no cargo, sendo trocado em 16 de maio do ano passado. Não resistiu à interferência de Bolsonaro e à falta mínima de um plano coordenado de combate à pandemia. A solução militar chegou com Pazuello, primeiro na forma de interino, posto que sustentou até 16 de setembro de 2020, quando foi, curiosamente, aceito como ministro titular.

A nomeação do cardiologista Marcelo Queiroga como novo ministro, contudo, foi envolvida em outra crise, como é corriqueiro no ambiente do Palácio do Planalto. Segunda opção, Queiroga assumiu após a desistência da também cardiologista Ludhmila Hajjar. A médica declinou do convite após as tensões com o próprio Bolsonaro e sua base de apoio. Tão logo foram conhecidas suas posições em prol da ciência e de uma política sanitária alinhada com as determinações da OMS, Hajjar foi alvo de campanha de ódio nas redes. A escalada chegou ao nível de receber – e depois denunciar – mensagens de texto no celular ameaçando invadir o quarto de hotel onde estava hospedada em Brasília. Um verdadeiro regime de terror e medo contra a indicada pelo centrão para ser a substituta de Eduardo Pazuello. Uma crise reveladora da natureza agressiva e despreparada do bolsonarismo.

As negociações com o centrão deram errado. Os nomes preferidos pelo PP, como Ricardo Barros e o deputado fluminense Dr. Luizinho, não foram aceitos por conta da insistência num nome “médico”. Lyra bancou Hajjar, ficando rendido depois de sua recusa. Qual o sentido da movimentação de Bolsonaro? Em primeiro lugar, quer que Pazuello leve com ele todo o desgaste da pavorosa gestão; em segundo, busca um “giro” para uma linha a favor das vacinas; em terceiro, pretende negociar com o centrão.

A isso se agrega o enorme desgaste que a gestão de Pazuello levou à caserna. Proclamado como especialista em logística, incensado pelo ex-comandante do Exército Villas Bôas, Pazuello trouxe uma péssima impressão para as Forças Armadas, justo no momento de maior comoção nacional. A incapacidade e a impotência foram as marcas que Pazuello deixou, carregando inevitavelmente o Exército consigo em seu desprestígio. Queiroga, segundo a imprensa, foi uma indicação de Flávio Bolsonaro. A família, uma vez mais. O modo de operação do governo segue e por isso mesmo, a crise vai seguir.

O que esperar do novo ministro? Nada. Bolsonaro segue no comando. Podemos esperar novos episódios como o do papelão da comitiva do governo em Israel. Ou da troca de envios de doses entre estados, como nos casos do Amazonas e do Amapá. E assim o Brasil segue como um pária na comunidade internacional, por conta da inépcia na gestão da pandemia. As bases fanáticas do bolsonarismo vão continuar protestando e a teoria da conspiração antivacina volta à agenda com o cancelamento da Astrazeneca em países da Europa. Enquanto isso, no andar de baixo do país, as mortes não param de crescer. Devemos chegar em breve à marca mórbida de cerca de 3 mil óbitos por dia. O caos espalha-se em diversas cidades do Brasil. Os dados desta terça-feira foram assustadores: quase 700 mortes apenas no estado de São Paulo e mais de 500 no Rio Grande do Sul. O desastre continua. Não há forma possível para evitar a catástrofe que não se vincule com a luta pela saída do maior responsável: Bolsonaro.


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 19 nov 2024

Prisão para Braga Netto e Bolsonaro! É urgente responder às provocações golpistas

As recentes revelações e prisões de bolsonaristas exigem uma reação unificada imediata contra o golpismo
Prisão para Braga Netto e Bolsonaro! É urgente responder às provocações golpistas
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi