Antecedentes e ativismo da oposição de esquerda no Brasil
Uma abordagem comparada do Trotskismo no Brasil e nos Estados Unidos dos Anos 1930.
Este artigo é um pequeno trecho do primeiro capítulo da Tese de Doutorado defendida pelo autor com o título “Trabalho, Sociedade e Marxismo: Uma abordagem comparada do Trotskismo no Brasil e nos Estados Unidos dos Anos 1930”.
Os antecedentes da Oposição de Esquerda no Brasil estão relacionados a uma série de episódios no plano nacional e internacional, sobretudo com as diferenciações que se desenvolvem no Partido Comunista do Brasil (PCB) e na Internacional Comunista (Comintern). Com efeito, as divergências envolvem o programa revolucionário, as relações entre a Comintern e suas seções nacionais, a exclusão de Trotski do Partido Comunista soviético e o exílio forçado em Alma Ata na Turquia e, em especial, as posições de Trotski em relação ao desenvolvimento interno da União Soviética e ao programa da Comintern.
O PCB, fundado em 1922, surgiu da reunião de lideranças do movimento operário de extração anarquista. Para Marcelo Mattos (2002, p. 25), o crescimento inicial do partido, desenvolveu-se através das tentativas de “aglutinar as simpatias provocadas pela vitória da Revolução Soviética de 1917” e, também, de adequação “ao formato já então exportado para o mundo todo, do partido bolchevique”. A intervenção do Partido definiu a ação sindical como a melhor forma de difundir sua doutrina e “comandar o proletariado no enfrentamento violento com a ordem estabelecida, para a tomada do Estado, em direção a sociedade socialista”. Neste sentido, o partido age como uma “vanguarda revolucionária” em relação ao movimento operário brasileiro.
De acordo com Edgard Carone (1977, p. 66-67), a prioridade à ação sindical, na década de 1920, esteve relacionada aos esparsos momentos de legalidade que o Partido vivenciou, o primeiro em 1922 e o segundo somente em 1927. Neste ínterim, o partido publica a Revista Movimento Comunista (1922), o jornal A Classe Operária (1925) e participa do diário A Nação (1927); além de ampliar os quadros partidários, caracterizado pelo autor como “relativamente virgens da cultura marxista”.
Neste sentido, poucos foram os intelectuais a aderir ao PCB nestes primeiros anos, o que reforça o caráter imerso do partido para o mundo do trabalho urbano, de modo que a elaboração teórico-política ficou quase que integramente a cargo de Octávio Brandão e Astrogildo Pereira. (DEL ROIO, 2002, p. 27)
O primeiro esforço teórico para compreender a formação social brasileira, oriundo do PCB, veio da obra Agrarismo e Industrialismo de Octávio Brandão em 1926. A seguir, Marcos Del Roio comenta o percurso deste e suas conclusões, “Octávio Brandão identifica nas oligarquias agrárias, particularmente na de São Paulo, as forças sociais e políticas a serem batidas a fim de que o país pudesse transpor as condições feudais e enveredar de uma forma mais decisiva pelo caminho do desenvolvimento das forças de produção do capital. Diante de uma complexa e conflituosa situação social, na qual as classes e camadas sociais têm um perfil fosco, as possibilidades de alianças sociais seriam a um tempo variadas e passageiras, ainda agravadas pelos conflitos interimperialistas dos quais o Brasil seria um dos palcos. A rebelião militar eclodida em São Paulo em 1924, segundo essa visão, marcaria um recuo significativo da burguesia na sua oposição ao “absolutismo presidencial” (no dizer de Astrogildo Pereira), do Estado agrário e a projeção da pequena burguesia urbana como principal força política antioligárquica”. (Ibid., p. 28-29)
Em síntese, esta leitura, para Marcos Del Roio, permitiria que o partido apoiasse “a rebelião pequeno-burguesa contra o domínio dos grandes proprietários agrários, preservando, porém, sua autonomia de classe (Ibid., p. 29)”. Para o autor, a contribuição teórica de Brandão foi pretensiosa, ainda que rústica, pois, na realidade, ela serviu como “expressão da situação política e cultural de uma classe operária predominantemente artesanal, com setores precocemente projetados para o mundo da “grande indústria”, acuada em meio à crise da dominação oligárquica e à impossibilidade de uma revolução burguesa que generalizasse o mercado e o Estado liberal-burguês”. (Idem)
Assim, Michel Zaidan Filho evidencia que as teses de Brandão na obra Agrarismo e Industrialismo inspiraram “a linha do II Congresso do PCB, realizado entre 16 e 18 de maio de 1925”. (ZAIDAN FILHO, 1989, p. 21). Por conseguinte, as teses sobre a situação política nacional permitem verificar esta inspiração:
1. Levar por diante a luta ideológica tendente a despertar e cristalizar a consciência de classe do proletariado. Estabelecer nitidamente, em todas as lutas políticas do país, a diferenciação de interesses e de ideologia entre as classes. Combater energicamente erros, desvios e ilusões, tanto da extrema esquerda anarquista como da direita socialista (reformista). 2. Em meio das lutas políticas, civis e militares, entre o capitalismo agrário e o capitalismo industrial, manobrar as forças proletárias como forças independentes, visando seus próprios interesses de classe. 3. Em face da pequena burguesia, o PCB, deve, sem alimentar suas ilusões democratas e suas confusões ideológicas, antes, combatendo-as decididamente, esforçar-se por conquistas ou pelo menos neutralizar seus elementos em vias de proletarização e em luta contra a grande burguesia industrial ou agrária. Numa palavra, o PCB, partido da classe operária, deve conduzir a pequena burguesia e não ser conduzido por ela. (Idem)
A possibilidade de vivenciar um novo período de legalidade no ano de 1927 permite ao PCB intervir politicamente para a criação do Bloco Operário (BO), organização da classe operária brasileira, liderada pelos comunistas e dotada de “um programa de reivindicações classistas”. A ideia estava relacionada a tentativa de viabilizar a pequena burguesia urbana como “interlocutora política privilegiada” das candidaturas operárias. (Ibid., p. 22-23)
Em pouco tempo, o BO transformou-se em Bloco Operário Camponês (BOC) e buscou articular politicamente com os tenentes. A elaboração teórica de Brandão para a revolução brasileira trouxe a pequena burguesia urbana como sujeito histórico fundamental da “revolução democrática pequeno-burguesa” e os tenentes eram seus principais representantes. Como sustentou Michel Zaidan Filho, uma “materialização tática dos princípios daquela estratégia”. (Ibid., p. 29-30)
Desde meados de 1927, o PCB procurou articular politicamente com o líder tenentista Luis Carlos Prestes, exilado na Bolívia. O primeiro enviado para essa tarefa foi Astrogildo Pereira, mas não obteve êxito na formação de uma aliança com Prestes. Ainda, uma nova tentativa de aliança ocorreria dois anos depois. (Ibid., p. 41-42)
A primeira divergência no Comitê Executivo ocorreu em outubro de 1927. Na ocasião de uma reunião do Comitê Central Executivo (CCE) do PCB, Rodolpho Coutinho objetou a perspectiva de aproximação com Luiz Carlos Prestes, mostrando-se “radicalmente contrário” à possibilidade de aliança com um “movimento pequeno-burguês”. (MARQUES NETO, 1993, p. 100)
Neste sentido, a formação BOC e seu objetivo de construir uma “ampla frente única de forças políticas antioligárquicas” e “antiimperialistas” acirrou as divergências. Propagandeava-se, a partir do BOC, a formação do “Guomindang brasileiro” e seu objetivo de aproximação da “juventude militar rebelada”, o que resultou em uma aproximação com a “pequena burguesia urbana”. (DEL ROIO, op. cit, p. 30-31)
A aprovação da política bloquista na reunião coroou o esforço inicial dos dirigentes comunistas, originando, em contrapartida, o primeiro passo efetivo ao encontro do programa político de Trotski e da Oposição de Esquerda russa. Efetivo porque provavelmente Rodolpho Coutinho tinha conhecimento desse programa e, em especial, do debate sobre a revolução chinesa. Sobre o indicativo, José Castilho Marques Neto demonstra o perfil do primeiro oposicionista e o itinerário percorrido por Coutinho, sugerindo o seu conhecimento prévio. “Recém chegado da Alemanha, para onde havia seguido após uma temporada na União Soviética em 1924, quando representa o Brasil no III Congresso da III Internacional, Rodolpho Coutinho é um destacado militante. Advogado e professor pernambucano, é ainda primo de Cristiano Cordeiro, fundador do PCB em 1922. Na fundação do Partido, foi eleito suplente do Comitê Central, ocupando-se em estudar a questão agrária. Segundo depoimentos de ex-militantes trotskistas, Coutinho teria conhecido Trotsky e debatido com ele sobre seus estudos agrários, o que o torna o primeiro brasileiro a aproximar-se de Trotsky em meados dos anos 1920. Desenvolve intensa atividade intelectual e militante na Europa, principalmente na Alemanha”. (MARQUES NETO, Op. cit, p. 99)
Nesse sentido, indícios corroboram sua intervenção na reunião, em que rejeita a aliança com a pequena burguesia, está no mínimo entrelaçadas a um conhecimento, ainda frágil, das divergências que se desenvolvem na União Soviética e em algumas seções europeias da Comintern.
A segunda divergência que atingiu o PCB ocorreria no ano seguinte, pouco antes da realização do VI Congresso do Comintern. Durante a Conferência de Organização da Região do Rio de Janeiro, Joaquim Barbosa e Joaquim Pimenta foram duramente acusados de corporativismo sindical, levando-os, respectivamente a demitirem-se do CCE e da Federação Sindical Regional do Rio de Janeiro. (Ibid., p. 116)
A partir de então, Joaquim Barbosa resolveu alinhavar suas diferenças com o Partido. “A primeira dela dizia respeito à regulamentação da lei de férias, que concedia 15 dias de férias aos trabalhadores da indústria e do comércio. Barboza que defendia um movimento independente dos trabalhadores, que exerceriam pressão direta sobre o governo, afirmava que, com a participação dos sindicatos, dirigidos pelos comunistas no processo de discussão da regulamentação, o partido viu-se colocado na posição de cúmplice do que foi aprovado nos debates, sendo a lei de férias, na prática, ‘revogada mercê de um regulamento capcioso e inexequível’. O processo de regulamentação da lei de férias apontou para a criação da Confederação Geral do Trabalho, sustentada por uma suposta unidade de pontos de vista entre representantes operários. Para Barbosa, tratava-se de um ‘plano mirabolante’, que ignorava a realidade e servia para distanciar o partido da vida sindical, além de chocar-se com as resoluções do II Congresso do PCB. Chamava a atenção para o caráter sectário da política sindical do PCB e, de outro, levava uma acirrada luta ideológica com os ‘amarelos’ e os anarcossindicalistas, resultando numa excessiva identificação do partido e sindicato”. (Idem)
O PCB vetou a difusão da carta. Porém, o Comitê Regional do Rio de Janeiro ignorou a proibição e realizou a discussão do conteúdo da mesma, ocasionando a demissão da direção regional em abril. Após protestar contra essa decisão, Coutinho demitiu-se do CCE. Esse episódio da Oposição Sindical trouxe atona o descontentamento de meia centena de militantes que enviaram documento à direção do Partido, sugerindo a falta de democracia interna e os abusos da direção no episódio, enquanto o final do documento reivindicou uma nova conferência nacional do PCB. Como demonstra José Castilho Marques Neto, “sem a resposta esperada, 46 deles demitem-se do partido”. (Ibid., p. 117)
O episódio da Oposição Sindical foi fundamental para a manutenção do primeiro passo em direção ao trotskismo. Em seguida, Coutinho exerceu considerável influência na Juventude Comunista (JC), a fim de fazer chegar o que estava sendo discutido, precipitando uma crise no seu nascedouro. Novas demissões foram encaminhadas, enquanto a JC perdeu quatro membros de sua direção, inclusive o futuro oposicionista Hilcar Leite. Neste ínterim, Aristides Lobo, que trabalhava na JC em São Paulo, passou para o lado da Oposição Sindical. (COGGIOLA, 2003, p. 240-241)
Assim, a ligação entre os episódios da Oposição Sindical e da Cisão de 1928 são evidentes; o último, no entanto, está intimamente relacionado a um memorial produzido, ainda no início de 1928. Desta forma, uma série de movimentos precários parecem caminhar para um denominador comum.
“Apesar destes episódios emblemáticos, algumas ligações podem ser estabelecidas a partir de movimentos internos ainda precários no partido. Antes da ‘Cisão de 1928’, a existência de um memorial ao próximo congresso do PCB indica o descontentamento com o partido. As cartas de Coutinho dirigidas a Lívio Xavier, de janeiro de 1928, indicam a presença do memorial que, após a demissão de maio, ‘o grupo tenta fazer discutir no III Congresso do Partido’. O documento produzido ao III Congresso do PCB contém traços da crítica do memorial”. (LISBOA, 2014, p. 26-27)
No entanto, aqueles que se demitiram do Partido não conseguiram ser ouvidos durante o III Congresso do PCB. Este aprovou uma resolução permitindo o retorno dos militantes oriundos da cisão, desde que, “individualmente e após um pesado processo de autocrítica”. (MARQUES NETO, 1993, p. 116-117)
Outros dois episódios provocaram divergências e reinstalaram a luta fracional no PCB. Na ocasião, a greve dos trabalhadores gráficos, em São Paulo, e o episódio da célula[1] 4-R, no Rio de Janeiro, criticaram fortemente a orientação esquerdista dos comunistas.
“O primeiro foi uma greve de 72 dias (de março a maio de 1929), realizada pelos gráficos de São Paulo, que reivindicavam o cumprimento da legislação de férias, da jornada de trabalho para mulheres e aprendizes e do pagamento por acidentes de trabalho. A orientação esquerdista do PCB buscava ampliar a greve e levá-las a outros setores. Esta atitude levou a uma sectarização do movimento e seu prolongamento inútil, gerando poucos ganhos concretos para os trabalhadores grevistas. O resultado evidente desta ação desastrada do PCB foi seu desgaste em São Paulo. Mas o resultado ainda pior, do ponto de vista interno, ficou conhecido como ‘o episódio da célula 4-R’. Essa célula agrupava gráficos do jornal O Paiz e, em julho de 1929, do mesmo modo que Barboza fizera cerca de um ano antes, defendia a necessidade imperiosa da organização das massas para a consolidação das forças comunistas. O grande obstáculo, segundo a 4-R, era a orientação esquerdista do PCB”.( KAREPOVS& MARQUES NETO, 2002, p. 118-119)
Sobre o resultado da investida crítica da 4-R, José Castilho Marques Neto evidencia que o III Pleno do Comitê Central não aceitou as críticas, expulsando os militantes. Eles justificam a ação devido aos “desvios de direita” e a “subestimação da situação objetivamente revolucionária do país e das forças do partido”. (MARQUES NETO, Op. cit, p. 125)
A partir de então, pode-se dizer que a política do terceiro período e sua orientação de classe contra classe, decorrentes do VI Congresso da Comintern, foram aplicadas pelos comunistas brasileiros.Inclusive a sua estratégia da revolução democrática já havia sido modificada, ainda que timidamente. Conforme José Castilho Marques Neto, “a ligeira mudança de estratégia, buscando agora deixar explícita a hegemonia do Partido Comunista, obedece à crítica provinda da experiência Kuomintanguista. Fundamentalmente, no entanto, ela permanece assentada em suas velhas bases. […]. As modificações da estratégia política não chegam a abalar a crítica contundente dos oposicionistas: por um lado, abandona-se a ideia do Partido operário fundir-se com outro, a perspectiva etapista da revolução consolida-se e, nela, a aliança com a pequena-burguesia e os setores antiimperialistas investe-se de inevitabilidade pragmática”. (Ibid, p. 98)
Por sua vez, os dissidentes encontram-se dispersos depois de uma série de dissensões acumuladas no PCB até fins de 1929, quando Mário Pedrosa retorna ao Brasil e procura organizar os dissidentes.[2]
Mário Pedrosa promoveu uma série de atividades com o objetivo de lançar as bases da Oposição de Esquerda no Brasil. Sobre o objetivo, a iniciativa e seus limites foram apontados por Dainis Karepovs, Michael Löwy e José Castilho Marques Neto: “Promover atividades de estudo entre os dissidentes, sem nenhuma atividade prática e organizativa paralela ao PCB. Buscava-se na sua expressão, a ‘homogeneidade ideológica’ do grupo, demonstrando que nada estava pronto quando ele retornou ao país. Suas cartas e o material político enviado ao Brasil não chegaram a aproximar um grupo maior de pessoas que não fosse o seu círculo de debates”. (KAREPOVS, LÖWY & MARQUES NETO, 1995, p. 234).
Como resultado desta atividade de estudo, nos primeiros meses de 1930, surge o Grupo Comunista Lenin (GCL) reivindicando-se como uma fração legítima do PCB, agregando “parte da Oposição Sindical”, parte da Cisão de 1928, “os militantes da célula 4-R e elementos esparsos”. (KAREPOVS & MARQUES NETO, Op. cit, p. 120)
O GCL desenvolveu atividades essencialmente teóricas, com o objetivo de reorientar o direcionamento político do PCB. Não obstante, a incipiente fração já havia estabelecido contato com o Secretariado Internacional provisório da Oposição de Esquerda fundado recentemente na cidade de Paris, no dia 6 de abril de 1930. Em carta de 20 de abril, o GCL manifestou o objetivo comum de aglutinar os comunistas descontentes com a linha do partido, assim como, assinalou a adoção do programa oposicionista de Trotski, em especial, sobre a teoria do socialismo num só país, o comitê anglo-russo e a revolução chinesa. (LISBOA, 2014, p. 31).
Em maio, o GCL publicou, pela primeira vez, o jornal A Luta de Classe. Publicado de forma irregular na década de 1930, o jornal foi o principal organizador coletivo dos trotskistas brasileiros no período. Praticamente, ele foi a expressão política e organizativa mais acabada das organizações trotskistas na década de 1930, a saber, o Grupo Comunista Lenin, a Liga Comunista do Brasil, a Liga Comunista Internacionalista, o Partido Operário Leninista e o Partido Socialista Revolucionário.
No primeiro editorial de A Luta de Classe, intitulado “Nossos propósitos”, o GCL explica o surgimento do jornal como uma “consequência dialética de dois fatos”, a saber: “a) Uma situação objetiva favorável ao trabalho e organização das massas; b) o agravamento dos erros da direção do Partido Comunista”. Para tanto, os editores buscam desenvolver um jornal que trate das ideias revolucionárias primordiais de Marx a Lenin. (ABRAMO & KAREPOVS, 2015, p. 41-42)
O GCL coloca para si uma tarefa de grande envergadura no documento, uma resultante inevitável das “próprias circunstâncias”, a saber: “A Luta de Classe significa e representa, por isso mesmo, a necessidade imediata de uma luta sem tréguas, intransigente, enérgica, implacável, contra a burguesia e seus privilégios de classe – em primeiro lugar; e, em segundo lugar, contra todos os desvios ou deformações de que a direção do Partido Comunista vem sendo, nestes últimos tempos, uma espécie de casa editora atacadista, com importação e exportação, diretas e indiretas…” (Ibid, p. 42)
Em que pese o direcionamento do jornal, estabelecido em dois momentos, talvez, o próprio caráter fracionário da atividade política do GCL, subverta a ordem dos momentos na prática. É o que parece indicar quando o “brado dirigido à classe operária”, em verdade, está relacionado aos militantes do PCB, “por intermédio do que ela possui de melhor, de ideologicamente mais avançado e de mais consciente”, a partir da retomada da “posição verdadeiramente revolucionária contra a classe adversa”. (Idem.)
Não obstante, o editorial expressa essa inversão de momento, quando trata dos seus objetivos em relação ao PCB. “Não visa a combater o Partido Comunista, porque o que urge é reintegrá-lo na linha que se traçou na ocasião de sua fundação, de modo que o seu rótulo vermelho passe a ser expressão revolucionária de uma realidade (Idem)”.
A justificativa para essa reorientação da práxis política do PCB parte da disjunção provocada pelo stalinismo com a ideia de socialismo num só pais. Busca-se esclarecer tais equívocos de uma “concepção retalhista de Revolução (por etapas ou a prestações)”, em favor da “verdadeira concepção marxista do desenvolvimento histórico”, ou seja, de uma concepção “segundo a qual os acontecimentos se interdependem dialeticamente, marchando com o ritmo que lhes é próprio e não dando jamais a possibilidade de uma classe resolver os problemas da outra”. (Ibid., p. 43).
O GCL desfere, portanto, uma incisiva crítica à defesa realizada pelo PCB, de uma revolução democrática conduzida pela classe operária, como elemento prévio de sua libertação. Portanto, o jornal surge para tratar dos problemas do movimento comunista, polemizando abertamente com os desvios programáticos da seção nacional da Comintern em terras brasileiras e, procurando, reorientar o PCB para o marxismo revolucionário, de Marx e Lenin. Ainda, essa crítica no âmbito da seção nacional, provavelmente, está relacionada a um passado recente, quando o objetivo era lutar pela revolução democrática pequeno-burguesa, a de aproximação com a pequena burguesia urbana, relacionada, especialmente, aos tenentes e a juventude militar.
Interessa destacar que o texto não reivindica abertamente a teoria da Revolução Permanente de Trotski nesse momento. Apesar de demonstrarem concordância nos seus estudos anteriores, o debate inicial sobre a teoria revolucionária esteve alicerçado em Marx e Lenin.
Em junho, o GCL esmiúça a sua estratégia em relação ao PCB, a de reaver a linha traçada da ocasião de sua fundação, alcançando a Comintern. Somos um núcleo de resistência à degenerescência burocrático-ideológica que infelizmente se vem alastrando por todo o organismo da Internacional. Somos uma reação de vida dos princípios estabelecidos pela IC nos seus quatro primeiros congressos e que serviram de alicerce a fundação e desenvolvimento do PCB.[3]
No contexto da “degenerescência burocrático-ideológica” da Comintern, a democracia interna do PCB é alvo de críticas. “O famoso argumento da disciplina só pode vir depois da discussão livre”. Neste sentido, o GCL critica a burocratização do PCB, argumentando com o intuito de que a militância do partido desenvolva a luta da fração. Assim, ele realiza um chamamento pró-fração aos militantes que foram expulsos arbitrariamente do partido ou que se afastaram desiludidos com os equívocos da burocracia. (Idem).
Em agosto,o GCL repercute a discussão em outra direção, incidindo sobre o segundo manifesto de Luis Carlos Prestes e sua proposta de criação do que ele chama de “um ‘órgão técnico’ de preparo da revolução”, a saber, a Liga de Ação Revolucionaria (LAR) e não um partido aberto às massas. Na ocasião, coloca-se a discussão sobre a natureza dessa proposta e a possibilidade do surgimento de uma das “múltiplas variações de Kuomintang que proliferam hoje por toda a IC”. Para o GCL, a posição adotada pelo PCB no manifesto anterior de Prestes ensejou as suas teses sobre a situação nacional e a “proeminência da revolução democrática sobre a proletária socialista”.[4]
Como pode se perceber, durante sua breve existência, o GCL comportou-se como uma fração, um pequeno grupo expulso do PCB, mas que reivindicava-se membro legítimo do mesmo. Portanto, o GCL e sua imprensa política delimitaram os espaços de intervenção política, evitando comportar-se como um partido.
No entanto, Mário Pedrosa, acometido por uma doença, afastou-se da organização, evidenciando a fragilidade organizacional do GCL. Por outro lado, a adesão de novos militantes, há pouco desligados do PCB, interromperam o declínio da fração que, em janeiro de 1931, resolve se chamar Liga Comunista do Brasil (LC). (LISBOA, Op. cit, p. 32).
No ano de sua fundação, a LC voltou suas atividades para a cidade de São Paulo, a qual se encontrava politicamente em ebulição, dinamizando “o movimento operário que deflagrou greves em importantes indústrias”. (Ibid., p. 33). Ainda que de forma desproporcional, em relação ao efervescente clima político, a LC aumentou o número de militantes no período. Seguimos a seguinte passagem de Marques Neto, esclarecendo mais sobre os primeiros momentos da LC: “A Liga Comunista (Oposição) é fundada por nove pessoas e durante o ano de 1931 recebe o maior número de aderentes até 1933. Além dos nove fundadores em 9 de janeiro de 1931, ela se amplia em São Paulo com mais dezesseis adesões até agosto. No Rio de Janeiro, de abril a outubro de 1931, a liga consegue doze militantes. O total, portanto, no ano de 1931 é de 25 militantes em São Paulo e doze no Rio de Janeiro. Até março de 1933, a ampliação foi de apenas seis pessoas em São Paulo e uma no Rio de Janeiro”. (MARQUES NETO, 1993, p. 171)
Naquela conjuntura, os trotskistas brasileiros defenderam a convocação de uma assembleia constituinte, como uma forma de explorar as contradições internas da Aliança Liberal e se aproximar de uma classe trabalhadora cada vez mais interessada na política. (LISBOA, Op. cit, p. 33).
A partir de fevereiro de 1931, o jornal A Luta de Classe será publicada pela Liga Comunista, resultado da ampliação das atividades do grupo, até então circunscrita à cidade do Rio de Janeiro. Em maio de 1931, a Liga Comunista comemora o primeiro ano do jornal A Luta de Classe com o editorial “Nosso Aniversário”. No documento, a LC valoriza o esforço anterior dos poucos camaradas do GCL em “restabelecer a essência revolucionária do leninismo”. Ademais, ela evoca a reação policial que tomou conta do país no período anterior ao lançamento do jornal A Luta de Classe, e as dificuldades que surgiram para viabilizá-lo.[5]
O editorial de aniversário tece elogios a condução do GCL e a importante tarefa que este teria realizado, quando reafirma a continuidade desta tarefa. “Não foi em vão o trabalho do Grupo Comunista Lenin, trazendo, como trouxemos, ao proletariado revolucionário do Brasil, os erros, os desvios de uma direção incapaz de ser partido da classe. Concorremos e continuaremos a fazê-lo, para a elaboração de uma análise justa dos problemas do movimento comunista no Brasil. Esta tarefa iniciada pelo Grupo Comunista Lenin, desenvolve-se agora numa base mais ampla, na seção brasileira da Oposição Internacional de Esquerda”.[6]
A partir de então, os artigos de Trotski e da OIE tornam-se recorrentes nas páginas de A Luta de Classe. Ainda que a relação da Liga com o PCB continue repercutindo nas páginas do jornal, ocorre uma mudança sensível quanto ao conteúdo divulgado no mesmo. Os temas da política nacional ganham uma nova envergadura, como a “Assembleia Constituinte” e a “Revolução Constitucionalista”, assim como, informativos de outras seções nacionais da OIE repercutem.
Por outro lado, a orientação sindical da LC foi pautada pela defesa da unidade, procurando intervir na reorganização dos sindicatos desarticulados pelos acontecimentos que alçaram Getúlio Vargas à Presidência da República. Em março de 1931, na ocasião da Conferência Operária Estadual de São Paulo, organizada pela Federação Operária (anarquista) e que reuniu os sindicatos mais importantes, os trotskistas apresentaram duas resoluções, respectivamente, sobre a orientação e a unidade sindical.
Essa orientação pela unidade sindical reverberou pelos anos seguintes, na medida em que aumentava a sua influência política. Neste sentido, a sua intervenção na União dos Trabalhadores Gráficos (UTG), em São Paulo e no Rio de Janeiro, colaborou para tanto, inclusive para a sua posição dinâmica sobre a participação nos sindicatos oficiais.
Neste ínterim, o movimento operário encontrou grandes dificuldades, em especial, pela repressão em São Paulo, na ocasião da “Revolução Constitucionalista”.[7] Mesmo os militantes da LC não escaparam ilesos, incluindo a detenção de oposicionistas como Aristides Lobo, Mário Pedrosa, Victor de Azevedo Pinheiro, Mary Houston e Mario Dupont. (CAMPOS; TRINDADE, 2008, p. 08-11)
Em maio de 1933, o quadro geral da LC demonstrou um tímido crescimento e junto a ampliação de sua atividade política. “Em uma estatística apresentada na primeira conferência nacional, realizada em maio de 1933, encontramos um perfil da organização nos seus dois primeiros anos de vida. Foram recrutados 51 militantes – 16 no Rio de Janeiro e 35 em São Paulo. O perfil profissional desses militantes mostrava os sindicatos nos quais a liga tinha atuação: gráficos e jornalistas, comerciários, motoristas, ferroviários, alfaiates, trabalhadores da construção civil, sapateiros, professores”. (KAREPOVS& MARQUES NETO, 2002, p. 124)
Outro ponto fundamental do ativismo da LC foi o desenvolvimento de iniciativas antifascistas, combatendo o integralismo, na cidade de São Paulo. Ela participou das reuniões que discutiram a formação do “Comitê de Frente Única Antiguerreira”, liderado pelo PCB, porém, desenvolvendo certo protagonismo na Frente Única Antifascista (FUA). Em 25 de junho, participaram do lançamento da FUA: “Além do PSB paulista, o Grêmio Universitário Socialista, a União dos Trabalhadores Gráficos (UTG), a Legião Cívica 5 de Julho, a Liga Comunista (LC), a seção paulista do Partido Socialista Italiano, a Bandeira dos Dezoito, O Grupo Socialista ‘Giacomo Matteoti’, o Grupo ‘Itália Libera’, a revista O Socialismo e os jornais O Homem Livre e A Rua”. (2002, p. 360).
O lançamento da FUA, como se pode notar, foi bastante representativo. A única organização política da esquerda de São Paulo que não participou do ato fundacional foi o PCB, participando somente de poucas atividades, entre novembro de 1933 e janeiro de 1934. (LISBOA, Op. cit, p. 36).
A luta antifascista desenvolvida pela LC adquire, desde janeiro de 1932, uma importância estratégica, quando ela publica texto de Trotski sobre a situação política na Alemanha e sua centralidade em relação à política mundial. Adolf Hitler ascendeu ao poder na Alemanha em janeiro de 1933 e, dois meses depois, a Liga publicou artigo[8] em que sinalizou uma abertura de diálogo com o PCB, destacando a necessidade de elaborar “um ‘plano internacional’, à defesa do ‘proletariado alemão’ após o ‘silêncio criminoso’ do Partido Comunista soviético e da Comintern“. (Ibid., p. 68-69)
“A Liga propõe uma série de medidas imediatas ao PCB: rever a linha política e traçar um plano internacional de defesa do proletariado alemão e contra a reação fascista, realizar esta exigência fundamental nos estatutos da Comintern que prevê a realização a cada dois anos do Congresso Mundial; pressionar o secretariado Sul-Americano e, em especial, as seções latino-americanas para que se dirijam ao CEIC e exijam a convocação do VII Congresso; reivindicar – devido ao caráter excepcional – a participação de todos os grupos e frações excluídos dos quadros formais da IC. Ainda, ela propõe medidas para a luta antifascista no Brasil: organizar uma campanha antifascista nacional e, finalmente, preparar e convocar nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro uma manifestação pública convidando todas as organizações antifascistas de caráter democrático e proletário numa ação verdadeira de frente única contra o fascismo”. (Ibid, p. 70)
Destaca-se que a ideia de abrir o diálogo saiu do papel, mas não sem dificuldades. Provavelmente, esta foi uma das últimas elaborações políticas da LC, procurando incidir sobre os rumos do Comintern e, principalmente, do PCB, na perspectiva de reformular o seu programa. Mas como pode se ver acima, conexões foram estabelecidas, mesmo que precárias, em determinados momentos do Comitê Antiguerreiro e da FUA, inclusive após o rompimento efetivo dos trotskistas com o Comintern e a nova orientação de construírem partidos independentes e uma nova internacional.
Por conseguinte, em outubro de 1933, a Liga Comunista “seguindo orientação da OIE, ela passa a se denominar Liga Comunista Internacionalista (LCI-b), abandonando a perspectiva fracionária relativa ao PCB e sua proposta de reformá-lo. A LCI-b assume-se enquanto partido e passa a defender a construção da IV Internacional”. (Ibid, p. 36).
O novo formato da Liga Comunista, a de partido, permitirá a ampliação de suas atividades e, consequentemente, uma aproximação e intervenção mais efetiva junto a classe trabalhadora. Ainda, a IV Internacional torna-se uma bandeira de luta, um objetivo decisivo para os trotskistas, diante da “meia noite do século”.
[1] As células são o partido organizado em espaços comuns de atuação e luta (a fábrica, a empresa, o bairro, a escola, os movimentos sociais). Têm a finalidade de ligar o partido às massas, num sentido de mão dupla. De um lado, devem participar da vida das massas, procurando levá-las a conhecer, assimilar e pôr em prática a linha política do partido. De outro lado, devem recolher delas suas experiências, reivindicações e tendências, para capacitar o partido a elaborar propostas políticas justas para as necessidades do seu tempo. In. O que é o Partido Comunista. Disponível em: https://pcb.org.br/portal/docs/partidocomunista.pdf. Acesso: 10 jun. 2017.
[2] Mário Pedrosa foi designado pelo PCB para frequentar a Escola Leninista em Moscou. Contudo, ao chegar na Alemanha, ele desistiu de continuar sua viagem a Moscou, após descobrir que Trotski e a oposição foram expulsos do Partido Comunista da União Soviética (PCUS). Ainda, Karepovs, Löwy e Neto sugerem que Pedrosa, antes de embarcar a Moscou, já conhecia os problemas políticos enfrentados na URSS e na IC, descartando a tese que indica que a interrupção de sua viagem a Moscou fora causada por uma doença que propiciou que conhecesse as teses da Oposição ligada à Trotsky. Segundo os autores, Pedrosa já conhecia as posições políticas dos oposicionistas antes do embarque”. Ainda é preciso dizer que “as cartas endereçadas a Xavier durante a estada de Pedrosa na Alemanha permitem, ainda, afirmar que o primeiro conhecia desde 1928 a situação recente da Oposição de Esquerda. Mesmo a distância Pedrosa procura dialogar com Xavier acerca da Oposição Sindical e da Cisão de 1928 que considera precipitada. (LISBOA, Op. cit, p. 28)
[3] Nossa tática para com o partido. In. A Luta de Classe, n. 2. Jun. 1930, p. 01.
[4] ‘Liga’ ou ‘Partido’?. In. A Luta de Classe, n. 4, Ago. 1930, p. 01
[5] Nosso Aniversário. In. A Luta de Classe, n. 7, 1º Mai. 1931, p. 01.
[6] Idem.
[7] Sob a bandeira da “autonomia do Estado” e da “constitucionalização do país, a burguesia paulista questionou o governo de Getúlio Vargas e a presença do tenente João Alberto como seu representante naquele Estado, procurando levar ao extremo “a luta entre a centralização e o federalismo”, colocando o país em julho de 1932, “à beira de uma guerra civil”. No entanto, depois de recompor suas forças, Vargas isolou São Paulo, derrotando “política e militarmente sua classe dominante”. Após a vitória, Vargas começou uma política de reaproximação com a burguesia cafeeira de São Paulo. (In. DEMIER, 2013, p. 90-91)
[8] Cf. “Em defesa do proletariado alemão”. In. A Luta de Classe, São Paulo, n. 11, abr. 1933, p. 03.