As duras lutas do Brasil real
Israel Dutra escreve sobre a crise política em curso no Brasil e a necessidade da esquerda combativa ter presença nas lutas sociais, postulando-se com independência e um programa anticapitalista.
As polêmicas no andar de cima, onde Bolsonaro vocifera em tons golpistas, externam as vísceras da crise política em curso. Todos os dias uma nova manchete ilustra as movimentações descabidas do presidente Bolsonaro e seu entorno. A crise se replica com o confronto entre os poderes. O bolsonarismo mira no STF. O congresso se debruça sobre a CPI, recheando os noticiários, para alegria dos correspondentes dos grandes meios de comunicação. Também a oposição, quase sempre tímida, joga suas peças para tentar brecar Bolsonaro.
Os personagens se movem no teatro de operações da luta política geral.
Contudo, existe um outro Brasil, que escapa às manchetes da imprensa, do apelo das camadas médias nas redes sociais e dos “gestos” da oposição. Esse Brasil, da maioria social, sofre com a carestia, com o preço da gasolina, com a alta dos alimentos e com o desemprego. Sofre com os ataques que os patrões e os governos querem fazer contra o emprego, o salário e os direitos.
O que se verifica nas ruas das cidades pelo Brasil afora é uma piora das condições de vida da classe trabalhadora. Depois de quase um ano e meio de pandemia, os dados são alarmantes. Segundo a última pesquisa da Folha, 85% dos brasileiros reduziu seu consumo de alimentos; 41% afirmaram estar comprando menos pão. Dados do aumento do preço da gasolina: isso atinge parcelas que estão em expansão como os que trabalham por aplicativos;
Como estão as batalhas da luta de classes no país: a estratégia de um setor da burguesia e dos governos é aproveitar a pandemia e o “caos institucional” para fazer um ajuste global contra a classe, retirando direitos, eliminando postos de trabalho e precarizando ainda mais as relações.
A resposta da classe, ainda inicial, é bancar duríssimas lutas e greves.
Algumas das mais importantes merecem destaque, além de lutas moleculares que são travadas em diversos locais de trabalho: a MRV, Carris, os apps de São José dos Campos, Gerdau, Proguaru, para nomear algumas.
Em Campinas, os operários da MRV, empresa da construção civil, tiveram uma greve difícil, com 45 dias de paralisação, arrancando um valor muito mais alto da PLR e a anistia dos dias parados.
No caso da Carris, em Porto Alegre, empresa pública de transporte urbano, de tradição centenária, enfrentou com greve a proposta do governo Melo de vender a empresa; O coração do ajuste combinado com a retirada do emprego dos cobradores. Foi uma luta heróica que marcou a cidade por algumas semanas; uma luta árdua, contra a imprensa local, com papel destacado da direção do PSOL local e do vereador Robaina no apoio ao ativismo combativo, apesar do papel do sindicato de operar para esvaziar a luta. Uma derrota, mas que deixou importantes lições.
Outro exemplo, foi o breque dos apps, que derivou numa greve de São José dos campos- um dos corações mais pesados da classe operária, que há anos sofre com a desindustrialização. A greve durou seis dias e colocou a gigante Ifood contra a parede.
A luta dos metalúrgicos tem pontos importantes no sul do país. O sindicato de Curitiba tem denunciado as ameaças de patrões e da Polícia Militar, contra as agitações da categoria em sua campanha salarial, nas regiões operárias como a CIC. Outra luta exemplar, é da Gerdau, em Charqueadas no Rio Grande do Sul, onde o sindicato encabeça uma ocupação da planta da fábrica. A proposta da empresa é reduzir em 30% os salários, a partir de uma nova jornada fixa de trabalho. Uma luta também complicada, onde apesar de tudo, a vanguarda do sindicato recorre a métodos radicalizados para dar o combate.
E a luta que tem ganho mais relevância, na região metropolitana de São Paulo, é contra o fechamento da empresa pública que presta serviços em Guarulhos, a Proguaru. Na segunda cidade mais populosa do estado de SP, o prefeito Guti determinou o fechamento da empresa, o que levaria a 4,6 mil famílias na rua. São milhares de trabalhadores e trabalhadoras, das areas de manutenção, administração, limpeza e gestão dos espaços públicos, como escolas e parques. Um categoria muito combativa e precarizada, com a vanguarda muito feminina e lutadora. Uma luta exemplar.
Há dois elementos centrais nessa questão: a primeira é cercar de solidariedade às lutas em curso, divulgar e ampliar o apoio. Combinar e coordenar essas lutas com a batalha que os servidores dão contra a reforma administrativa e à luta dos povos indígenas contra o marco temporal. Apenas assim é possível que as lutas triunfem. A segunda questão é a presença de uma esquerda combativa, que apoie de forma decidida às lutas, para disputar a nova camada de lutadores que está surgindo; para ajudar a sacar conclusões, mesmo dos processos que são derrotados; que coloque em pé uma alternativa para toda a classe trabalhadora, resgatando o classismo e unindo as diferentes expressões dos trabalhadores: precarizados, terceirizados, “uberizados”, concursados. Nesse combate, nos orgulhamos do papel que jogamos com Roberto Robaina, Fernanda Melchionna e Luciana Genro aportando para o fundo de greve da Carris, colocando seus mandatos a serviço desta luta. Do papel das nossas ferramentas de comunicação, Movimento, que tanto no site quanto nos seus programas no Youtube deram voz para os protagonistas dessa luta.
Em meio ao congresso do PSOL, defendemos uma esquerda que seja independente e anticapitalista e se banque para apoiar as lutas e dispute a vanguarda que está se forjando. Contra a visão atrasada da esquerda populista que dilui a classe na ideia de “disputar políticas públicas e assistenciais”, inclusive participando de governos, no âmbito local e geral; a mesma esquerda populista tem seus formuladores distantes das greves e piquetes, preocupados em performar nas redes sociais. Levantamos uma bandeira e confiamos na classe trabalhadora e no seu aprendizado, nas duras condições do Brasil real sob Bolsonaro.