Congresso do PSOL SP: um partido dividido, uma batalha de médio prazo

Congresso do PSOL SP: um partido dividido, uma batalha de médio prazo

Texto de balanço do Congresso do PSOL SP.

Estevan Campos e Joyce Martins 18 set 2021, 10:20

Passamos pelo momento mais crítico da situação política nacional, as crises política, econômica e social se aprofundam, especialmente após os atos de caráter golpista impulsionados por Bolsonaro no último dia 7 de setembro. Para o MES, seguimos com duas tarefas prioritárias para o período: a necessidade da mais ampla unidade na luta pela derrubada de Bolsonaro e a luta pela construção de uma alternativa anticapitalista para a classe trabalhadora.

Os debates sobre os rumos do PSOL estão diretamente conectados com a disputa do sentido do movimento das ruas, seja pelo crescimento recente do Partido no país inteiro, seja porque hoje a construção de uma alternativa de direção para a classe trabalhadora, com perfil anticapitalista, passa, necessariamente, pela disputa dos rumos do PSOL.

Se no período anterior ao golpe parlamentar a localização do Partido na oposição aos governos petistas era suficiente para determinar um grau de unidade na construção de um projeto com cara própria e independência política dentro do “campo” de esquerda, no pós golpe, essa identidade partidária foi se diluindo. Essa nova situação política nacional (e internacional), marcada pela ascensão de um governo de extrema direita, com um projeto autoritário, mudou todas as localizações políticas, o PT, antes gestor do Estado burguês, passou para o campo da oposição. Além da mudança de “localização”, o risco representado pela vitória eleitoral de Bolsonaro em 2018, colocou com força o debate sobre a necessidade de ampla unidade contra o atual governo.

Esse foi o cenário que delimitou os atuais debates no Partido. Hoje, o debate central do PSOL é sobre a sua manutenção enquanto projeto político independente e anticapitalista. Essa é uma disputa de médio prazo, que não se encerrou no processo congressual, mas que teve neste momento, uma etapa fundamental dessa disputa. Dessa disputa depende a construção de uma direção alternativa para a classe trabalhadora no Brasil.

Infelizmente o VII Congresso do PSOL foi marcado pelo esvaziamento e ausência de debate. Diante da difícil conjuntura que atravessamos, garantir a mais ampla discussão política das posições com o conjunto dos filiados deveria ser uma preocupação central de toda a direção partidária. A esquerda do partido interviu para que o congresso fosse adiado em virtude da pandemia, mas a direção composta pelo campo do “PSOL de todas as lutas” levou a cabo um congresso virtual e sem debate. A etapa estadual do congresso serviu apenas para confirmar a correlação de forças internas ao Partido já verificada na etapa municipal. 

O PSOL se encontra dividido entre dois projetos, representados pelos dois blocos partidários. Do lado do bloco majoritário, um projeto de unidade independente do conteúdo, que coloca o PSOL como coadjuvante dentro do campo político dirigido pelo PT. Na esquerda partidária, um projeto de construção partidária independente, que faça unidade de ação ampla contra o bolsonarismo, mas que tenha em perspectiva a construção de uma alternativa de direção, um “PSOL combativo e de cara própria”.

Esses dois projetos, ancorados em diferenças de fundo sobre o papel dos socialistas na atualidade, se expressaram nas resoluções congressuais em temas concretos. Foram oito votações de resolução, duas delas consensuais, sobre conjuntura estadual e a moção de solidariedade a Zé Rainha e Claudemir Novais (lideranças da Frente Nacional de Lutas – FNL). Foi nas resoluções sobre tática eleitoral (nacional e estadual) e sobre a independência do PSOL frente a governos de conciliação, que essas diferenças se expressaram.

Tática eleitoral estadual e nacional

O debate sobre o lançamento de uma candidatura presidencial do PSOL esteve no centro de todo o processo do VII Congresso. Diante da grave crise que vivemos e, considerando a tendência atual de não haver risco de vitória eleitoral de Bolsonaro no primeiro turno, o lançamento de uma candidatura presidencial do PSOL ganha contornos estratégicos, pois é um momento de debate de amplo alcance com a população, etapa fundamental para apresentarmos saídas anticapitalistas para a crise presente, para a construção do PSOL como uma direção alternativa para o movimento de massas.

Além da candidatura nacional, a etapa paulista do Congresso debateu a pré candidatura do PSOL ao governo do estado. A esquerda partidária fez um esforço enorme para que o partido avançasse em uma resolução de consenso, pois no cenário estadual, onde tanto PT quanto PSOL apresentaram seus nomes, a unanimidade em torno da pré candidatura do PSOL fortaleceria o Partido para a disputa da referência do movimento de massas no principal estado do País, um estado chave para a construção de uma alternativa de direção para a classe.

A disputa não se deu, portanto, sobre o nome de Guilherme Boulos. Como as duas propostas feitas, na tentativa de buscar uma aprovação por consenso, demonstram:

“…Desse modo, o congresso do PSOL delibera que o partido terá candidatura própria para o governo do Estado em 2022. E para essa tarefa apresentou-se publicamente o nome do companheiro Guilherme Boulos para concorrer a essa eleição.” (proposta da esquerda)

“…Desse modo, o congresso do PSOL decide pela pré-candidatura de Guilherme Boulos para o governo do Estado de SP,  em 2022. E aponta para uma conferência eleitoral indicada para o primeiro semestre de 2022, para deliberar a tática eleitoral do partido no Estado.” (proposta da atual direção)

​A resistência da atual direção em aprovar a resolução proposta pela esquerda partidária coloca questões que devem ser amplamente debatidas pela militância partidária. É considerada a possibilidade de Boulos retirar a candidatura? Por qual outro motivo haveria resistência à proposta de redação feita por nós? Se no estado em que o Partido tem sua principal figura pública, onde foi ao segundo turno da principal capital do País, não estão dadas as condições para a atual direção afirmar o Partido, em que situação essa direção faria isso?

Sobre a independência do PSOL frente a governos – a capitulação da Resistência, Insurgência e Subverta

​Duas votações trataram sobre o tema da independência do PSOL perante a governos com a burguesia. Uma delas sobre a participação do PSOL em um eventual novo governo Lula, a partir de 2023. Outra, sobre um caso concreto, no estado de SP, a participação do PSOL nos governos de Mauá e Diadema, governos encabeçados pelo PT, mas compostos também por partidos burgueses, como PTB (de Roberto Jefferson), PSL e Solidariedade (de Paulinho da Força).

É preciso relembrar que a origem do PSOL é exatamente a traição de classe por parte do PT e de Lula, representada pela aprovação de uma reforma da previdência de caráter neoliberal ainda no primeiro ano de governo. É a tarefa histórica do PSOL afirmar para a classe que existe alternativa à esquerda que não seja a adaptação ao regime, a capitulação frente aos interesses do capital, especialmente o capital financeiro, apresentadas pelo PT com a única via possível. 

Resistência, Insurgência e Subverta, que compõe um bloco à parte dentro do bloco PSOL de Todas as Lutas, votaram junto com a atual direção partidária contra as resoluções para que o partido não compusesse governos de conciliação. Essas organizações apresentaram uma tese nacional separada para tratar dessa diferença que dizem ter com as demais forças que compõem o bloco, na qual defendem que “ainda que o PSOL decida por fazer parte de uma aliança que tenha como prioridade derrotar Bolsonaro, não faremos parte de um governo de conciliação de classes”(tese nacional “PSOL Semente”).

A votação dessas organizações em SP, capitulando à direção da Primavera Socialista e da Revolução Solidária, não foi a regra nos congressos estaduais. No RS, DF e RJ, por exemplo, os companheiros votaram com a esquerda partidária contra a participação em um possível novo governo Lula. De maneira coerente, afinal, era o que constava em sua tese. O que levou os companheiros dessas organizações em SP votar de maneira diferente de outros estados? O que levou os companheiros a votarem contra o que estava escrito em sua tese nacional?

Quanto a uma possível participação em um eventual novo governo Lula, os companheiros alegaram se tratar de “futurologia”, pois, não há governo Lula. Se se trata de futurologia, por que o tema aparece em sua tese nacional? O argumento não para de pé.

​A contradição do frágil argumento da “futurologia” ficou ainda mais evidente quando o tema foi a participação do PSOL nas prefeituras de Mauá e Diadema, pois aí não há qualquer “futurologia”, o PSOL já está compondo estas prefeituras, sempre bom lembrar, encabeçadas pelo PT, mas compostas por partidos como PTB e PSL. Neste tema, a defesa dos companheiros da Resistência, Insurgência e Subverta foi remeter o debate para o primeiro Diretório Estadual após o congresso. Aqui, é preciso lembrar que o tema já foi debatido no Diretório Estadual e, na oportunidade, os companheiros do PSOL Semente defenderam, vejam só (!!!), remeter o tema para o Congresso partidário. Agora, chegada a hora de debater o tema no Congresso, defendem o contrário. É insustentável a argumentação dos companheiros. A explicação de tamanha capitulação, não cabe a nós.

Um partido dividido, o destino do PSOL ainda em aberto

​Desde a entrada do MTST e da Resistência no PSOL, é anunciado o objetivo da atual direção partidária de “refundação do PSOL”. Esse projeto visa mudar a natureza do Partido, transformando-o em um projeto subordinado à direção petista, portanto, adaptado ao regime burguês, ainda que como “ala esquerda” desse projeto. Essa tentativa de refundação, em curtos três anos, já se apresentou com diferentes nomes. Primeiramente o “Vamos”, tentativa frustrada pelo fraco resultado alcançado nas eleições de 2018. Depois, “Aliança”, que teve vida curta. Agora, esse projeto responde por “PSOL de Todas as Lutas”, liderado por Primavera Socialista (de Ivan Valente) e a recém fundada Revolução Solidária (de Guilherme Boulos). 

Esse objetivo de refundação do PSOL estava vinculado a outro, de alcançar nas instâncias da Direção Nacional uma maioria qualificada, de 2/3. A etapa nacional ocorrerá nos dias 25 e 26 próximos, mas a correlação de forças saída dos congressos estaduais, já está estabelecida. A maioria que sairá desse congresso nacional, de pouco mais de 55%, é ainda mais frágil que as anteriores, e o resultado da etapa de SP ilustra bem. 

Por mais insuficiente que seja a atual direção, no sentido de ser uma direção que não tem política própria, que aguarda as definições da direção petista para se posicionar, portanto uma direção subordinada, não basta para transformar o PSOL de maneira definitiva. Já uma eventual participação do Partido em um governo Lula, essa sim, representaria uma transformação sem volta para o PSOL.

A nova direção do PSOL sairá mais frágil, pois além de suas debilidades próprias, sai ainda mais diversa, heterogênea (em relação a temas fundamentais, como a participação em governos de conciliação), portanto mais instável. Essa é uma vitória da esquerda partidária. Se algo foi definido neste Congresso é que segue em aberto a disputa pelos rumos do PSOL.


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