Brasil, o país do futuro e o futuro do país

Brasil, o país do futuro e o futuro do país

Leandro Fontes escreve em sua coluna semanal sobre os impasses de fundo da crise brasileira e a hipótese socialista.

Leandro Fontes 5 out 2021, 15:59

O austríaco Stefan Zweig, mundialmente reconhecido como um brilhante escritor, jornalista, biógrafo, poeta e romancista, publicou em 1941 a mítica obra: “Brasil, país do futuro”. Um livro pouco conhecido nos dias de hoje que abre uma chave imaginária para diversas interpretações. Entretanto, “Brasil, país do futuro”, consiste numa apresentação do Brasil para o mundo, sob um olhar ufanista e idealizado do paraíso nos trópicos, constituído por uma beleza exuberante, contendo abundantes riquezas naturais, preenchido pela diversidade de contrastes na paisagem e na civilização, tendo histórico pacífico e de cordialidade dos governos e do povo. Logicamente, essa é uma leitura parcial e errônea que não condiz com o verdadeiro Brasil do Estado Novo getulista (nem em tempo algum) e com suas contradições sociais.    

De toda forma, pode-se considerar uma licença poética ao livro “Brasil, país do futuro”. Ocorre que Zweig era filho de judeus, austríaco e humanista, foi testemunha ocular da ascensão do nazifascismo na Europa e já havia passado pela Primeira Grande Guerra. Portanto, o Brasil para Stefan Zweig não representava apenas um exílio no “paraíso” ensolarado. Mas, representava, sobretudo, um novo começo de mundo. Entretanto, em 1942, deprimido pela barbárie em grande escala da Segunda Guerra Mundial e pela falta de perspectiva na humanidade, suicidou-se junto com sua esposa, Lotte (Charlotte Elizabeth Altmann), em sua residência em Petrópolis/RJ. Nesse trágico desfecho, Stefan Zweig deixou como herança para humanidade uma extensa obra literária de primeira linha e, para o Brasil, a alcunha “país do futuro”.

Oitenta anos se passaram desde a publicação do livro. Mas, a mítica frase “país do futuro” que cansei de escutar desde minha infância na década de 1980, vire e mexe aparece na boca de um político da direita ou de um ideólogo da burguesia brasileira. Não é à toa que Fernando Henrique Cardoso no Globo (03/10/2021), evocou o empoeirado termo “país do futuro” para dar liga ao eixo de sua coluna dominical, que sob o título “Modernidade e Desigualdades”, descreveu que desde a década de 1930 até o tempo presente, o Brasil melhorou: “Para todos? Talvez não. Mas para a maioria” segundo FHC.

Todavia, se essa afirmação está correta, o que falta para o Brasil alcançar o “futuro”? Sob o prisma dessa indagação, FHC concluiu seu artigo afirmando que falta o essencial: “que o povo pressione por seus direitos, que cumpra seus deveres e, sobretudo, a elite olhe ao redor de si e tome consciência de que, com tanta desigualdade a prosperidade nacional desaparece nas periferias e nos campos. A que existe precisa se expandir, sob pena de continuarmos a ser o que sempre fomos: um país do futuro, mas cujo alcance de termos a necessária consciência do quanto falta para sermos, de verdade, ‘modernos’, isto é, mais igualitários”.

Belas palavras de Fernando Henrique Cardoso. Porém, FHC não tem o “salvo-conduto” de Stefan Zweig. Pelo contrário, FHC, ex-presidente da república e um dos ideólogos da direita liberal, é um agente direto que contribui para o atraso brasileiro. Basta observar os oito anos de seu governo, tendo como orientação a privatização de empresas estatais correspondentes por setores estratégicos, tais como a Vale do Rio Doce e a Telebrás. Portanto, sua coluna no Globo soa como demagogia barata, tratando-se de um político burguês que conduziu a “privataria tucana”, patrocinou a corrupção do Centrão com a compra de votos para a reeleição, potencializou a informalidade e a precarização de amplos setores da classe trabalhadora brasileira e levou o país ao apagão de 2001.

E não é por menos, já que na baliza de modelos de sociedade, a burguesia brasileira, de consciência atrasada, não possui um projeto nacional digno de nota. Seu grande modelo, reproduzido canonicamente desde a segunda metade do século XX, segue sendo o gabarito norte-americano que prioriza os interesses de capitalistas estrangeiros e as particularidades de uma elite que representa 1% do povo. E, diga-se de passagem, a elite brasileira é tão abjeta que em sua maior parte se comporta como os ricaços de Miami que, por acaso, nasceram e mantém negócios capitalistas e/ou possuem reserva monetária no Brasil.

Por isso, a burguesia brasileira enquanto classe dominante (ou suas frações de classe), mesmo com diferenças entre si, no fundamental, opta por manter Bolsonaro no poder e apóia Paulo Guedes, o ministro dos offshores em paraísos fiscais. Isto é, atua conscientemente para não derrubar um desastroso governo de extrema-direita, corrupto e reacionário. Paralelamente, preparam sua “terceira via” no modelo Joe Biden para tentar chegar à frente do tosco verde-amarelo na corrida pelo segundo turno das eleições presidenciais.

Acontece que o Biden original já está numa corda bamba nos States, o custo de vida dos norte-americanos está aumentado, a economia vai mal e fala-se da possibilidade de calote, Biden, ainda, mantém a violenta política de imigração de Trump. Não é por nada que Guga Chacra, em sua coluna no Globo (30/09/2021), escreveu “O medo de Trump retornar ao poder” e que os EUA “corre um sério risco de se transformar em algo próximo de uma autocracia como a Hungria de Orbán e a Turquia de Erdogan”. Veja só. Quer dizer, o modelo dogmático dos liberais brasileiros não resolve e pode servir, mais uma vez, de ante-sala para que representações reacionárias retornem ao poder.

Portanto, a aposta no futuro não pode ser jogada com a moeda das duas faces do capitalismo. Tampouco a ideia de modernidade com igualitarismo tem sustentação sob a égide do modelo que por sua natureza gera desigualdades e a divisão da sociedade em classes. Assim sendo, a saída é apostar num novo modelo que sirva para nosso país, mas, sobretudo, seja uma alternativa como sistema-mundo a barbárie do capitalismo. Que modelo é esse? É o socialismo. Mas, não o stalinista, castrista, chinês e norte-coreano. O genuíno socialismo. Isto é, um sistema que caminhe para uma sociedade sem explorados e exploradores. Essa é uma hipótese ainda possível? Sim. E é sempre bom registrar, o capitalismo para se consolidar, passou pelas grandes navegações, pela revolução industrial, por revoluções burguesas, por guerras e crises cíclicas. A revolução russa, a primeira revolução socialista vitoriosa, ocorreu há um pouco mais de 100 anos. Quer dizer, temos tempo para chegar lá e azeitar nossa proposta de socialismo, que resgata em sua essência dois pilares originais desenvolvidos por Marx e Engels: socialização da riqueza e a radicalização da democracia.


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