O Brasil entre o Pandora Papers e o caminhão de ossos
Alan Santos - Creative Commons

O Brasil entre o Pandora Papers e o caminhão de ossos

Enquanto Guedes virava notícia por fazer aumentar seus milhões num paraíso fiscal, o povo enfrenta a inflação, a miséria e a fome.

Israel Dutra e Thiago Aguiar 9 out 2021, 17:02

Um dos maiores vazamentos de dados da história recente, o escândalo que ficou conhecido como Pandora Papers, abalou centenas de líderes mundiais, incluindo um dos personagens principais do governo Bolsonaro, Paulo Guedes, seu ministro da economia. Os mais de 12 milhões de documentos analisados revelaram as fortunas em paraísos fiscais, depositadas em offshores, ou seja, empresas-fantasma com objetivo de ocultar recursos, sonegar impostos ou obter maiores rendimentos a seus donos que vivem em outros países. Além de Guedes, o relatório também envolveu o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Enquanto Guedes virava notícia por fazer aumentar seus milhões num paraíso fiscal, o país se chocava com as imagens de um caminhão de ossos no Rio de Janeiro, onde centenas de pessoas disputavam a tapas os restos de comida. Trata-se de uma imagem que ilustra o verdadeiro inferno em que vivem milhões de pessoas nas grandes cidades brasileiras. A busca por ossos repetiu-se em outras cidades, como mostrou a foto de um açougue em Santa Catarina, que anunciava a venda de pacotes de ossos a quatro reais por quilo.

Diante do quadro geral, em que, após as manifestações de 2 de outubro, há um certo “impasse” (RR), Bolsonaro segue tocando sua agenda. O leilão do petróleo foi um fracasso, o dólar voltou a subir, a inflação segue disparando e o governo ataca as mulheres pobres, vetando a distribuição gratuita de absorventes. É preciso disputar a agenda mais geral, denunciando a escandalosa situação em que os milionários seguem lucrando e a miséria bate à porta das famílias brasileiras. A tarefa da esquerda é continuar essa disputa.

Um retrato da crise nacional

A volta da fome é o drama nacional. As regiões metropolitanas estão assoladas pela carestia. A multiplicação de moradores em situação de rua só pode ser explicada pelos números do desemprego, pela corrosão da renda e pela alta generalizada de preços. Ao mesmo tempo, na última semana alcançou-se a marca de 600 mil mortes por Covid-19 no Brasil.

Segundo o boletim “Desigualdades na Metrópole”, a renda média dos assalariados nas capitais é a menor em 10 anos. O governo declarou, ainda nesta semana, que a população deve se preparar para a hipótese de uma crise de desabastecimento no próximo ano. A isso, soma-se a combinação entre as crises hídrica e energética que prometem ser duríssimas.

Apesar do jogo de cena de Lira e Bolsonaro a respeito do ICMS, segue a política de preços da Petrobrás que sangra o país em benefício de rentistas e especuladores: um novo aumento do diesel e da gasolina chegou às refinarias na sexta-feira (8). O próprio presidente tenta explicar, sem sucesso, a alta no preço do botijão de gás. O fim de ano será marcado pelo agravamento da fome e da miséria.

Em contraste com o enriquecimento de Guedes revelado pelos Pandora Papers, ficam nítidas duas lições para a oposição de esquerda. A primeira é a necessidade de uma ofensiva com um programa de combate ao rentismo, aos milionários e bilionários, para tocar as massas populares abaladas pelas condições materiais. Isso seria uma forma de incidir no debate sobre a reforma tributária, agitando para dezenas de milhões a necessidade da taxação das grandes fortunas, assim como de grandes heranças, lucros e dividendos. Ao mesmo tempo, seria possível tocar em temas como a política de preços da Petrobrás e a necessidade de controle social sobre os bancos e o capital financeiro. A segunda lição é que o governo é uma usina de crises. Mesmo após a insuficiência das jornadas do dia 2 de outubro, ainda é cedo para “jogar a toalha” na luta para derrubar Bolsonaro. O principal fiador de um importante setor que ainda apoia o governo está em xeque: Guedes é o pivô da crise política e suas contradições estão escancaradas.

O impacto sobre o governo

Apesar do esforço de parte da mídia de abafar o escândalo das offshores, especialmente da Rede Globo – com a revelação de que membros da família Marinho também têm suas contas em paraísos fiscais –, houve impacto em Brasília com a exposição dos milhões de dólares de Paulo Guedes nas Ilhas Virgens Britânicas. O chefe da agenda ultraliberal ampliou suas contradições com parte do centrão, base do governo.

A aprovação da convocação do ministro da economia para depor, com um placar amplo de 310 votos na Câmara, indica o estado de ânimo dos parlamentos, incluindo aliados do governo. As movimentações do centrão têm relação com a necessidade de incrementar o orçamento em ano eleitoral, como a liberação de recursos para a nova versão do Bolsa Família com o nome de “Auxilio Brasil”.

A próxima semana será de instabilidade. Ainda que o governo mantenha Guedes, sua exposição leva a maior questionamento, seja no andar de cima, mas também entre as bases populares, com inflação derrubando o já reduzido apoio a Bolsonaro. Essa nova crise pode gerar capítulos interessantes. É preciso acompanhar os desdobramentos e insistir na denúncia de Guedes, aspecto fundamental para os próximos passos diante do impasse das ruas.

Lutar contra a catástrofe social

A saída para a enorme crise que apenas começamos a atravessar não pode ser outra senão a luta para derrubar o governo e criar mobilização social contra as medidas ultraliberais que destroçam o país. Para isso, é preciso combinar três tarefas imediatas:

A primeira delas é seguir a luta para que Bolsonaro saia agora, ampliando a escala das manifestações de rua, levando as pautas mais sensíveis do povo e lutando contra a orientação eleitoralista das forças majoritárias da oposição –o lulismo e a burguesia liberal.

A segunda é apoiar de forma decidida as lutas em curso. Está em curso a luta do funcionalismo público contra a reforma administrativa em Brasília e as reformas previdenciárias nos estados e municípios: em São Paulo, por exemplo, será votada na ALESP, em 13 de outubro, uma reforma estadual, enquanto o governo da capital quer colocar em pauta a retirada de direitos e o confisco de aposentados com o “Sampaprev 2”. Ao mesmo tempo, em Guarulhos (SP), a greve da Proguaru está perto de completar três semanas e, em São Caetano do Sul, segue a greve da GM. Também segue a luta dos povos e mulheres indígenas; a luta das mulheres contra o veto de Bolsonaro e, por fim, estamos nos preparando para grande marcha da Frente Nacional de Lutas (FNL), em 9 de novembro, numa mobilização dos camponeses pobres na luta por seus direitos. E por fim, agitar como já dito, para amplos setores, um programa com centro na taxação das grandes fortunas e que os ricos paguem pela crise. Isso abre caminho para todo um programa com medidas anticapitalistas para responder de conjunto as crises sociais e energética. Esse é nosso esforço dentro do PSOL, com nossas figuras e o conjunto da nossa militância.


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