A vida é possível sem dinheiro
Com dinheiro temos apenas a morte.
O capitalismo é talvez o mito ou “case” de maior sucesso da humanidade, uma pequena folha de papel onde são depositadas todas as esperanças e sonhos das pessoas, por ele nós vivemos, através dele nos movimentamos chegando ao ponto de definir nossa existência quando nos referimos ao nosso “sonho de consumo”.
Chegando em uma quitanda, pegamos uma dúzia de bananas e trocamos por esta folha de papel, se tentarmos fazer isto com um macaco e ele pudesse falar muito provavelmente ele diria: “Você quer trocar minhas bananas por uma folha de papel? Está pensando que eu sou o que, humano?” Inclusive o dinheiro está deixando de ser um pedaço de papel que até teria alguma utilidade prática como por exemplo acender um fogo ou em uma emergência na falta de papel higiênico, para se tornar pedaços de código que trafegam na rede de computadores, não serve mais como mecha para fogo nem para limpar o ânus, serve contudo para aumentar exponencialmente a exclusão de pessoas. Quem não tem acesso a um smartfone terá dificuldades para movimentar o seu capital, aliás não o tendo para movimentar tampouco suas chances de obtê-lo serão cada vez mais restritas.
Este absurdo no entanto é tão onipresente na realidade que criamos, que temos dificuldades em pensar num mundo sem o dinheiro, no máximo pensamos alternativas a ele, que no fim das contas continuam sendo dinheiro, como disse Walter Benjamin somos como peixes em uma rede que não conseguem puxar o que a rede que os prende.
Além de onipresente o capital se torna onisciente, se conquistou as consciências individuais agora com a tecnologia de análise de grandes quantidades de dados domina também as coletivas, as agrupa e tange como verdadeiras boiadas, é preciso explicar isto?
Também é onipotente, ergue grandes construções, desvia cursos dos rios, destrói montanhas, florestas e mares, reúne tropas e realiza guerras, torna sonhos possíveis e pesadelos em realidades, embora os sonhos sejam efêmeros e os terrores duramente materiais.
Não sei se você percebeu mas chegamos a conclusão que o capitalismo talvez não seja uma nova invenção mas a transformação ou releitura de mitos anteriores, no caso do deus cristão, onipotente, onisciente e onipresente. Pronto agora companheiros ateus foram ao delírio enquanto outros ficam no mínimo decepcionados comigo, preciso então fazer algumas observações a primeira é que escrevi deus cristão com “d” minúsculo justamente porque para nós cristãos Deus é com “D” maiúsculo, com o “d” é um ídolo, então peço a você que daqui para frente pensemos deus com “d” ou seja um ídolo. Retomando então, o capital pode não ser um novo mito mas a transformação de deus, ou como disse Agamben; “deus não morreu, ele tornou-se dinheiro”, poderíamos discutir longamente sobre isto e quem sabe o faremos se você estiver interessado porém não é este o propósito deste pequeno colóquio, pretendemos agora apenas fazer o impossível, imaginar que podemos viver sem dinheiro e compreendermos que com ele a continuidade da vida não é factível.
Dinheiro como meio de troca?
Imagino que a maior parte de nós acredita que o dinheiro surge como forma de facilitar as trocas, vemos isto até no famoso curta “Ilha das Flores” . Existe porém outras possibilidades, uma delas é que o uso de moeda tenha sido difundido como forma de dominação, por exemplo:
Na antiguidade os saqueadores, perambulavam de um lugar para outro e saqueavam os viveres dos outros, alimentos, animais domésticos, tecidos etc. Os saqueadores massacravam suas vítimas, não se interessavam em estabelecer uma relação com elas. A partir da organização das cidades estados a modalidade para a ser da invasão, neste cenário o exército invasor submete os povos e cobram-lhes impostos. Uma forma de entender isto é o denário romano, esta moeda circulou por todo império não porque os povos decidiram adotar a moeda romana para facilitar suas trocas mas na imposição pela força das legiões romanas.
Acontece que Roma cobrava tributos de todos os povos submetidos a Pax Romana, porém estes tributos deveriam ser pagos em moeda romana, logo estes tinham que vender os produtos de seu trabalho para o império para conseguir moeda e com ela pagar os impostos. Se no primeiro momento a dominação é militar passa-se então a econômica. Algo parecido com o dólar por exemplo?
Valor Real
As moedas eram cunhadas em metais preciosos como prata ou ouro que por serem escassos em relação a outros metais dariam valor para estas, isto se transformará depois em dinheiros lastreados em depósitos de ouro, o que garantiria o valor deste era o padrão ouro. Em 1971 sem consultar ninguém os EUA aboliram a conversibilidade do dólar em ouro, o sistema Bretton Woods, que vigorou desde 1944 quando aquele país passa a dominar a ordem monetária internacional com sua moeda como valor de referência para todas transações entre países.
Logo o que garante o valor do dólar? Nada, simplesmente confiança! Assim como do real no Brasil, confiança, quando esta cai, a moeda desvaloriza frente a outras. Em última instância estamos falando de fé.
Organizador de mercados
Já verificamos, o dinheiro em si não tem valor nenhum trata-se apenas de fé, assim são os ídolos a criatura ou seja aquilo que foi criado domina o criador e passa a ser sua realidade última, sem a qual nada existe. O mesmo acontece com o mercado, como o capital é soberano na mediação e medição de tudo o mercado se torna essencial, imprescindível, até inexorável, já que é através do mercado que acontece a quantificação de capital no presente e pior também para o futuro. Trocando em miúdos, é nas bolsas de mercadorias que o preço da soja é definido assim como é “previsto” seu preço futuro, o mesmo acontece para o petróleo, algodão etc. E também para os papeis que representam as participações acionárias das empresas, acontece que isto tampouco é verdade e para compreender isto sugiro a leitura de “A ERA DO CAPITAL IMPRODUTIVO” do professor Ladislau Dowbor, em especial no capítulo 7 “O CONTROLE FINANCEIRO DAS COMMODITIES”, porém aconselho vivamente a leitura integral, arrepios de indignação estão garantidos.
Ideias para sobrevivência de humanidade
Após algumas críticas bastante superficiais vamos avaliar as possibilidades imaginando uma sociedade totalmente livre do dinheiro.
Pelo fim do mercado
Para que as necessidades das pessoas sejam atendidas e o ambiente seja preservado é preciso acabar com o mercado.
– Mas sem os mercados como poderemos definir o preço das coisas?
É o que talvez você tenha imaginado, pois bem faço outra pergunta:
Preço para que?
Dar preço a algo é atrelar este algo a mediação das relações para o dinheiro, ao capital, acontece que para que algo tenha valor é preciso a escassez, o que pode ser gerado por destruição o que seria uma forma “natural” ou pelo domínio que acontece pelos grandes conglomerados e corporações com isto o a escassez é gerada de forma “artificial”. Se natural ou artificial pouco importa o objetivo é acumulação de capital e no caminho deste o resultado é a morte, tanto em populações famélicas, adoecidas enfim vilipendiadas quanto na devastação do planeta que por sua vez retroalimenta o sofrimento de massas, cada vez maiores e mais aviltadas neste processo de “crescimento”.
Para exemplificar melhor isto vamos falar da Vale, antiga Vale do Rio Doce, como empresa privada seu objetivo é lucro, para isto ela explora busca retirar os minérios em maior volume possível, da forma mais rápida e com menos custo, nesta dinâmica não existe espaço para pensar no meio ambiente, as florestas, rios, vales, montanhas enfim os biomas são apenas barreiras a serem vencidas para alcançar o prêmio ou seja o lucro, tampouco pensar nas populações atingidas pelas barragens que rompem pois o custo em dinheiro para fazer a prevenção do desastre é maior do que as possíveis multas ou indenizações que a empresa tenha que pagar, logo o mercado não se preocupa com isto afinal a Vale não vende produtos diretamente para os consumidores seu lucro não será impactado por uma eventual má fama causada pelas mortes e destruição, embora no fim das contas o minério de alguma forma chegue ao consumo de pessoas, o sangue foi “lavado” no processo e o importante foi alcançado ou seja o lucro.
Já a Vale do Rio Doce, empresa estatal não tinha primariamente o objetivo lucro mas de ser uma infra estrutura estratégica para o Brasil, o minério deveria ser retirado e industrializado para atender a objetivos prioritários para o bem estar da nação, no caso de um desastre isto seria de fato um desastre, pois a indignação pública se traduziria na impopularidade e resultaria na queda dos votos; neste momento alguém poderá dizer – “E a corrupção”. E a resposta para isto é muito simples, teria e tem que ser combatida, porém no caso da empresa pública a corrupção ́pode ser investigada, já na Vale empresa privada isto tem outro nome, chama-se negócio e o resultado disto já está descrito no parágrafo anterior.
E se dizemos que a Vale do Rio Doce não precisa extrair minério no afã de auferir lucros, mas visando objetivos estratégicos do país, temos outra pergunta; quais seriam estes objetivos?
Um deles seria a obtenção de divisas ou seja reservas de moedas estrangeiras(no caso voltamos a dominação do dólar estadunidense, ao menos ainda), para trocar por itens que temos necessidade porém não produzimos, superficialmente temos a impressão que é preciso mensurar o valor monetário das coisas, mas vamos seguir mais um pouco.
Outro ponto pode ser o seguinte; ter minério suficiente para transformar no metal necessário para a fabricação de itens necessários ao bem estar geral das pessoas, máquinas e equipamentos, construções etc.
Notaram quantas vezes aparece a questão da necessidade é recorrente? E quanto mais estendermos nosso diálogo mais vezes irá aparecer. Acontece que os mercados não regulam NECESSIDADES, apenas DESEJOS, se fossem necessidades não haveria fome no mundo, no entanto quanto mais os mercados faturam maior é a massa de desvalidos e pior sua situação de indigência. Definitivamente o mercado ou os mercados não são apenas desnecessários como também são um mal a ser terminado.
Para sobrevivência da humanidade é preciso acabar com as trocas
A sociedade baseada em trocas transforma/confunde propositadamente a necessidade em desejo, não queremos apenas trocar aquilo que precisamos, devida a finitude intrínseca do que nos cerca e mais ainda nossa própria temos receio da falta então na troca desejamos acumular.
A cultura da escassez foi implantada nas Américas e em outras partes do mundo, nela é preciso trocar ou dominar mas não foi esta cultura que os europeus mais precisamente os portugueses por exemplo encontraram no Brasil, os índios não faziam trocas eles davam presentes, viviam em uma sociedade de abundância, e está é a ideia não precisamos trocar podemos criar a sociedade da abundância!
Nossa capacidade de organização de dados através das tecnologias de informação que criamos na rede mundial de computadores, permite a manipulação de pessoas e massas para criar ou alavancar desejos, medos, ódios etc. O que resulta em vendas, votos, violência etc. Porém esta mesma capacidade nos permite mensurar as necessidades de todas as populações, assim como mensurar e programar a produção de todos os itens necessários.
E quando digo necessários não estou me referindo a falta ou miséria, não estamos querendo aumentar a escassez mas sim distribuir a abundância, não se trata de restringir a dieta alimentar de todas as pessoas a uma “oficial”, mas sim programar a produção e a distribuição de alimentos de forma que cheguem a todos e de acordo com suas preferências, costumes ou necessidades especiais(pessoas alérgicas ou com restrições alimentares por exemplo), isto porque estaremos lidando com informações reais e não uma programação realizada por algum grupo de “iluminados” que julguem saber o que é bom ou melhor para todos. Estamos falando de celulares, notebooks, geladeiras etc. Que não sejam obsoletos em pouco tempo mas durem por muito tempo, enfim tudo o que precisamos de forma racional no sentido de equalizar a produção para atender estas necessidades com a proteção do planeta.
Eu não tenho nenhuma receita ou formula mágica de como isto pode acontecer, sei apenas que tudo deverá ser através de uma construção coletiva, outra certeza que tenho é que ou damos fim ao capital, ao mercado e ao consumismo, ou o fim será da humanidade, logo não se trata de uma escolha difícil.