Como veem a economia os candidatos da oposição à Presidência?
É o momento da esquerda radical e independente apresentar suas propostas para o país.
As primeiras semanas de 2022 assistiram as primeiras pinceladas do que, espera-se, deverá ser o debate econômico dos candidatos à presidência da República deste ano.
A virada do ano deu o pontapé para uma série de entrevistas dos principais candidatos da oposição e suas respectivas equipes a respeito de temas de interesse da política econômica, como foi o caso do conjunto de artigos e entrevistas concedidos para a Folha de S.Paulo no começo de janeiro. No primeiro momento, o debate anima os olhos daqueles que aguardam o ano eleitoral como período de discussões de ideias e programas sobre o futuro do país – tanto mais se considerarmos que, há quatro anos, a questão programática foi tangenciada pela maioria dos postulantes ao Planalto. Em seguida, contudo, o ânimo logo desaparece ao constatarmos a não existência de propostas da esquerda radical para o país.
Lula, no geral, tenta não dar detalhes específicos de seu programa econômico, não indica o responsável pela área (o responsável é ele mesmo, diz), e procede em modo operacional do tipo morde e assopra, como no caso da suposta revogação da reforma trabalhista, por exemplo. A folga que lhe confere as pesquisas parece deixá-lo confortável para, trocando em miúdos, não apresentar claramente seu programa. Como já repararam diversos comentadores, na série de artigos para a Folha, Guido Mantega foi o único a realizar análise retrospectiva sem adentrar em detalhes do que seria as propostas de um futuro governo petista. Em lives e debates, o mesmo parece se repetir. Quando muito, o que se depreende é a ideia de que PT quer retomar algo como os anos de ouro de seu governo, sem explicar como, 20 anos após seu primeiro mandato, o fará.
Em que pese a retomada dos investimentos públicos, a revisão da atual política de preços da Petrobras e a defesa da petrolífera como indutora do desenvolvimento econômico, até agora parece difícil entender qual é, objetivamente, o programa petista. Permanece a indagação, inclusive, de qual a utilidade dos esforços dos economistas desenvolvimentistas do partido em ocupar o debate público uma vez não parecerem baixas as chances do comando da economia, em um eventual governo petista, ser entregue, mais uma vez, a um queridinho do mercado financeiro.
Doria, suportado por Henrique Meirelles, ex-ministro de Temer e ex-presidente do Banco Central de Lula (estamos entre amigos?), repete quase o mesmo discurso tucano privatista dos últimos anos e décadas. Como contornar a estagnação brasileira? Para Meirelles, a resposta passa pelo aumento do investimento. Tal aumento, contudo, não deve ser fruto de endividamento estatal, e sim resultado de decisões advindas do setor privado. Diz que “o Estado deve ser forte, não deve ser grande” e repete a velha máxima liberal que o aumento das despesas públicas prejudica o investimento privado. Não surpreende, portanto, que o criador do teto de gastos seja, entre os assessores, o maior defensor desta política que, na prática, estrangula as capacidades do Estado retomar os investimentos. Meirelles é o único que parece quere manter o teto tal como originalmente concebido no governo Temer. A interdição do aumento do investimento público explica, ademais, a sana na desestatização da Petrobras via rateio da empresa para sua privatização em blocos.
A campanha de Moro faz coro ao discurso privatista, com o prejuízo de, no caso do ex-ministro bolsonarista, parecer muito menos familiarizado com a temática econômica em geral que o atual governador de São Paulo. No caso de sua campanha, tal desconhecimento aparente do candidato parece ser tentado contornar com a escolha de Affonso Pastore, ex-presidente do Banco Central, como seu assessor e porta-voz.
Moro e Pastore, tal como Doria e Meirelles, não veem problemas na privatização da estatal petrolífera. Entretanto, salta aos olhos o reconhecimento, por parte de Pastore, de que a era do Estado mínimo acabou. De todo modo, isso não os impede de negar a possibilidade de privatização da Petrobras, por exemplo. Da mesma forma, ainda que também reconheça a morte do atual teto de gastos, Pastore reafirma que a retomada dos investimentos deve ser liderada pelo setor privado. A saída para o baixo crescimento brasileiro, portanto, está na realização de reformas que melhorem o “ambiente” de negócios nacional e estimule os investimentos privados. O argumento é que essas reformas, aliadas à dita “responsabilidade fiscal”, sinalizam aos agentes privados um futuro previsível dentro do qual vislumbrem a realização do lucro de seus investimentos.
Quem tem um olho é rei, já dizia o ditado, e o fato é que Ciro Gomes e equipe são quem, do ponto de vista programático, mais contribuem ao debate econômico. Com propostas que remontam à sua campanha de quatro anos atrás, Ciro defende um programa de desenvolvimento que busca colocar a indústria nacional como principal motora do crescimento. Na visão do ex-governador cearense e de Nelson Marconi e Mauro Benevides, seus assessores, é apenas superando a desindustrialização que o país pode encontrar um caminho para o desenvolvimento sustentável. Para eles, o teto de gastos deve ser revisto, pois limita as capacidades de investimento do Estado e defendem, como Lula, uma nova rodada de investimentos públicos na Petrobras.
No caso de Ciro, contudo, parece faltar combinar com os russos. Há anos o candidato se postula como arauto do desenvolvimentismo brasileiro, defensor do empresário produtivo, bastião do nacionalismo econômico. Não parece convencer, contudo, a própria burguesia brasileira, que já o vaiou quando, em 2018, o candidato se referiu à reforma trabalhista e a qual, ao menos em parte, parece estar mais interessada na integração da economia com o exterior do que em políticas industriais. No mais, não possui base ou relação orgânica com sindicatos nem com movimentos sociais, o que colore boa parte de suas propostas com tintas muito mais dirigistas e elitistas do que propriamente populares.
Eis o nó da questão. Na falta de uma candidatura da esquerda radical, o país se vê órfão não apenas de um polo no debate programático que possa oferecer uma alternativa anticapitalista a nível econômico. O problema é maior, pois embora munida de economistas bem graduados (alguns até bem intencionados), think tanks, fundações partidárias e afins, não parece haver uma só candidatura que se conecte diretamente com as demandas populares e seu sentimento de insatisfação e revolta com o status quo. Ou o faz Doria e Meirelles? Ou Moro? Certamente, não o faz Ciro, que parece antes ter concebido seu “projeto nacional” a partir de suas próprias reflexões intelectuais durante seu período sabático em Harvard do que em diálogo direto com a sociedade brasileira. E tampouco o faz Lula, que com Alckmin assinou sua nova Carta ao Povo Brasileiro, deixando claro o que (não) esperar daquele suposto radicalismo apresentado em sua saída da prisão.
Este deveria ser o papel do PSOL. Infelizmente, contudo, o partido parece ter aberto mão da defesa de um programa para apoiar incondicionalmente a candidatura lulista. Na falta de um partido ou movimento que expresse institucionalmente, no debate presidencial, o descontentamento popular, restará à população acompanhar passivamente os debates na internet e nos jornais dos candidatos e seus assessores engravatados (em sua imensa maioria homens e brancos) sem a perspectiva de ser ela, finalmente, a agente motora da transformação deste país.