Os primeiros passos do trotskismo no Brasil

Os primeiros passos do trotskismo no Brasil

Leandro Fontes escreve em sua primeira coluna de 2022 sobre a primeira geração de comunistas brasileiros que aderem às teses da Oposição de Esquerda Internacional encabeçada por Trotsky.

Leandro Fontes 11 jan 2022, 16:50

O debate ao redor do legado de Leon Trotsky e dos desafios do trotskismo é apaixonante, intenso e inevitavelmente abrange potentes traços de polêmicas históricas. Isto porque, distinto de outros marxistas revolucionários de seu tempo, como Rosa Luxemburgo e Gramsci, Trotsky fundou uma corrente revolucionária internacional para a ação, à luz da necessidade concreta de uma época e que não ficou somente no terreno da contribuição teórica ao marxismo. Embora Trotsky tenha contribuído de modo contundente com a teoria marxista em pelo menos quatro elaborações monumentais: o desenvolvimento da teoria da revolução permanente; teoria do movimento desigual e combinado; teoria dos estados operários burocratizados; e o programa de transição.

De tal maneira, na luta contra o stalinismo, a IV Internacional foi fundada com o objetivo de ser o fio de continuidade da inestimável experiência do bolchevismo. Sob esse prisma, coube a IV a tarefa de manter vivo, em condições extremamente difíceis, o programa da revolução. Isto é, em essência, dar prosseguimento ao conteúdo do manifesto comunista, dos quatro primeiros congressos da III Internacional e do legado do partido bolchevique dirigido por Lênin. 

Portanto, a gênese do trotskismo se remete a revolução de outubro de 1917, a construção do Exército Vermelho para a defesa do Estado operário soviético e a constituição da Internacional Comunista. Entretanto, diante do afastamento de Lênin (gravemente enfermo) do comando do partido e da disputa pelos rumos do nascente Estado socialista, em 15 de outubro de 1923, perante o XII Congresso do Partido Comunista da Rússia (bolchevique), foi formada a fração Oposição de Esquerda (bolchevique-leninista). 

A Oposição de Esquerda atuou como fração de modo sistemático no interior do PC soviético de 1923 até 1929, quando Trotsky, por proposição de Stalin e decisão do Bureau do partido, é expulso da URSS. É justamente nessa baliza temporal, recheada de disputas políticas no PC russo e na III Internacional, que a Oposição de Esquerda vai ganhar adesão fora da União Soviética de comunistas críticos à direção de Stalin. De tal maneira, a primeira política da OE russa e da Oposição de Esquerda Internacional, dirigida por Trotsky no exílio, era de reverter à exclusão do partido, uma vez que a fração “bolchevique-leninista” era representante legítima do PC e da III Internacional. Essa posição de luta para “readmissão” nos partidos “oficiais” e “reforma” de sua direção foi abandonada diante da ascensão de Hitler na Alemanha e a política de omissão e capitulação dos stalinistas frente ao nazismo em 1933. A partir desse divisor de águas, a Oposição de Esquerda se lançou no desafio de construir partidos operários revolucionários independentes e a IV Internacional mais adiante.

Nesse contexto começa se formar a primeira “seção brasileira” da Oposição de Esquerda que, igualmente, pode ser denominada como a primeira geração do trotskismo no Brasil. O notável é que os pioneiros do trotskismo brasileiro aderiram os caminhos da Oposição de Esquerda por conta própria e com ausência (quase total) de correspondências com o eixo da direção do Secretariado Internacional, que estava Trotsky, Rakovsky e Leon Sedov. Porém, a degeneração do stalinismo e os erros da maioria da direção do Partido Comunista do Brasil (PCB) nos anos de 1920, conduziram um punhado de destacados comunistas brasileiros às teses trotskistas.   

Desse modo, a aparição da corrente trotskista no Brasil acabou sendo marcada com a publicação do jornal “A Luta de Classe”, editado pelo Grupo Comunista Lenine em 1930. Isto é, oito anos após a fundação do PCB (1922), partido que os militantes da Oposição de Esquerda atuavam até então. Todavia, a Oposição de Esquerda contou com destacados fundadores do Partido Comunista do Brasil (PCB), tais como Rodolfo Coutinho e João da Costa Pimenta. 

O pernambucano Rodolfo de Morais Coutinho, estudante, passou pelo movimento anarquista. Mas, fundou um grupo comunista em 1919 em Recife e se destaca pela atividade de difusão do marxismo. Foi eleito membro suplente da primeira direção executiva do PCB, que o delegou para ir a Moscou em 1924. Retornou ao Brasil, simpático às posições da Oposição de Esquerda na URSS.

João da Costa Pimenta, mestiço de Campos dos Goytacazes, foi padeiro, em 1904 tornou-se tipógrafo e atuou como gráfico no Rio de Janeiro. Começou sua militância no anarquismo, foi um dos principais organizadores do segundo Congresso Operário em 1913, foi editor de La Barricada em 1916. Além de um dos organizadores da greve de 1917, membro do conselho insurrecional em 1918, presidente do terceiro Congresso Operário em 1920, foi um dos nove delegados presentes ao Congresso de fundação do PCB. É relevante destacar que João da Costa Pimenta foi um incansável operário de vanguarda inserido nos combates concretos da luta de classe, grande orador, aglutinador de militantes e que não se sujeitava às direções burocráticas. Assim sendo, a Oposição de Esquerda foi um caminho natural para este dirigente. 

Mas, coube a Mario Pedrosa encabeçar a construção da Oposição de Esquerda no Brasil. Antes de se tornar um renomado crítico de arte, Pedrosa, ainda enquanto estudante da faculdade de Direito no Rio de Janeiro, foi um dos mais destacados e jovens dirigentes do PC no final dos anos 1920 e um brilhante marxista. Por essa qualidade é nomeado pela direção do partido para frequentar a Escola Leninista em Moscou em 1928. Desistiu de ir a Moscou após ter contato com o programa da Oposição de Esquerda na estadia na Alemanha e decidiu ir para a França, onde encontrou Boris Souvarine e Pierre Naville. A partir desse momento, Mario Pedrosa toma partido pelas teses de Trotsky contra a burocratização de Stalin. Voltando ao Brasil, animou a fundação em 1930 do Grupo Comunista Lenine que publica  “A Luta de Classe”. 

Desse modo, a partir da convergência de informações trazidas por Rodolfo Coutinho, posteriormente os documentos e a correspondência de Pedrosa foram determinantes para a formação da primeira fração de oposição do Partido Comunista do Brasil (PCB), que ganhou a adesão do grupo sindical de João da Costa Pimenta. 

O Grupo Comunista Lenine se filia à Oposição de Esquerda Internacional e em 1931 passa a se denominar Liga Comunista Internacionalista – LCI (Oposição Leninista do Partido Comunista do Brasil). A organização seguia o mesmo caráter de fração pública da OE internacional, defendendo a volta da liberdade de debates e de diferenças no interior do PC, contra a política degenerada dos expurgos e tendo como eixo a mudança de orientação do partido. 

Paralelamente, a LCI como fração pública, também passou a se construir por fora do PCB, atraindo quadros de vanguarda para sua posição. Desse modo, a partir da transferência do comitê central da LCI para São Paulo, a organização dá um salto de qualidade ganhando militantes socialistas que negavam se filiar ao Partido Comunista que agitava que o Brasil era um país semicolonial entre outras barbaridades. Nesse então, a LCI irá incorporar o grupo liderado por Fúlvio Abramo que fazia entrismo no Partido Socialista. Assim, junto com Fúlvio, se somaram: Aziz Simão, Arnaldo Tommasini, Mario Colleoni, Ariston Rusciolelli, Josefina Mendez, Fernando Bertolotti, Leila Abramo, entre outros. A LCI contava ainda com a escritora Raquel de Queiroz, Mary Houston e os operários gráficos: Manuel Medeiros, Dalla Déa, José Auto e Mario Dupont. 

Agregando mais musculatura, a LCI passa a ter atuação na redação do jornal “Diário da Noite” com a presença de Lívio Xavier, Mario Pedrosa, Aristides Lobo e Fúlvio Abramo. Entretanto, o ponto mais grandioso desse período foi à influência da LCI na UGT (União dos Trabalhadores Gráficos), que reunia de modo híbrido gráficos e jornalistas no mesmo sindicato. Essa composição foi chave para o desenvolvimento da LCI. Além disso, os trotskistas atuaram no Sindicato dos Metalúrgicos e no Sindicato dos Comerciários. 

No tocante às diferenças políticas, havia um abismo entre a LCI e o PCB. A maioria do PCB vinha do anarquismo. Sua direção não tinha grande capacidade de elaboração marxista. De tal maneira, o partido acabou sendo guiado pelas teses de antimarxistas de Octavio Brandão e pelo bureau sul-americano da III Internacional stalinista. Assim, sob as bases do livro “Agrarismo e Industrialismo” de Brandão, que dava como eixo o caráter agrário e antiimperialista da revolução brasileira, contendo, como primeira etapa, uma fase democrático-burguesa. Essa posição, por vias tortas, acabava se encontrando com a orientação etapista de Moscou da frente popular, que levou o PCB adotar uma linha de buscar setores “antiimperialistas” da pequeno-burguesia e da burguesia industrial nacional, tendo os Tenentes e Luiz Carlos Prestes na cabeça como o símbolo dessa aliança. Essa fórmula levou a criação da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e, como consequência, a derrota da esquerda com a aventura da “Intentona Comunista” de 1935 que levou Olga Benário para a câmara de gás nazista, a prisão de Prestes e a repressão voraz do Estado Novo getulista as organizações independentes do movimento operário.  

A LCI, por sua vez, optou pelo caminho oposto dos stalinistas. A começar pela elaboração de um documento nacional que negasse as teses de Otávio Brandão. O “Esboço de uma análise da situação econômica e social do Brasil” de Mario Pedrosa e Lívio Xavier de 1931 foi o primeiro ensaio marxista de análise e caracterização do país. Nesse documento os pioneiros do trotskismo deixam claro que o Brasil é um país capitalista atrasado com um Estado burguês nacional, a burguesia brasileira tem suas raízes no campo e na escravidão. Portanto, para Pedrosa e Lívio, a tarefa do proletariado era de construir um verdadeiro partido revolucionário de massas e independente, capaz de tomar o poder, tendo como referência a revolução bolchevique.  Quer dizer, enquanto o PCB defendia aliança com setores da burguesia e o etapismo, a LCI defendia a independência de classe e a teoria do movimento desigual e combinado como método. 

A distinção de orientação não foi colocada à prova somente em 1935. Contraditoriamente, um ano antes, os stalinistas se isolavam do movimento operário e das esquerdas com sua linha sectária do “social-fascismo”. Ou seja, toda organização que não fosse o próprio PC era taxada como potencial aliada da direita fascista. A LCI trotskista, por outro lado, já em 1933, não via saída contra o fascismo por fora da ampla unidade de ação nas ruas do movimento operário e democrático (tendo as organizações sindicais como protagonistas). Sob esse prisma, a LCI se coloca como um dos setores protagonistas da formação da Frente Única Antifascista (FUA) e teve papel determinante na histórica contramanifestação armada de 7 de outubro de 1934, triunfo monumental que ficou emoldurado como a Revoada dos Galinhas Verdes na Praça da Sé. 

Finalmente, é interessante notar que o PCB nacional, que não havia aderido à FUA, fecha os olhos para a posição da Regional São Paulo do PCB que adere a Batalha da Sé com a FUA. Logicamente, o balanço desse equívoco custou caro ao stalinismo e uma das consequências objetiva desse erro foi a adesão de Hermínio Sacchetta ao trotskismo, justamente o dirigente da Regional SP do PCB em 1934. E não era para menos, já que a Revoada dos Galinhas Verdes foi o batismo de sangue do trotskismo no Brasil. 

Referências:

KAREPOVS, Dainis; ABRAMO, Fúlvio. Na contracorrente da história. São Paulo: Editora Sundermann, 2015. 

PEREIRA, Astrojildo. Formação do PCB (1922-1928). São Paulo: Editora Anita Garibaldi, 2012.

BROUÉ, Pierre. O movimento trotskista na América Latina até 1940. Cad. AEL, Campinas,v.12,n.22/23, 2005.


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