Virginia Woolf 140 anos: a atualidade de sua obra e pensamento
140 anos da escritora inglesa Virginia Woolf.
A mulher decidiu que ela mesma iria escrever. A ousadia dessa decisão orientou a vida da inglesa Adeline Virginia Stephan, imortalizada Virginia Woolf, nas várias dimensões por ela exploradas. Seu nascimento completa nesse mês 140 anos, mas seu legado atravessa e conquista diversas gerações. Sua literatura parece ter o condão de “despertar” consciências, especialmente as femininas- como no movimento explorado no premiado As horas (2002) – algo como se Virginia, de suas páginas, mantivesse um diálogo aberto com suas leitoras e nelas se imortalizasse.
A coragem que exige esse gesto de decidir escrever e fazer da Literatura um ofício é ainda esse mesmo de todas as mulheres que decidem, revolucionariamente, desafiar a lógica e a estrutura patriarcal presente também no mundo literário e acadêmico, no qual Woolf desempenha papel referencial, pela qualidade, densidade e extensão de sua obra.
Assim como sua personagem mais célebre, Mrs. Dalloway, de seu romance homônimo, que em seu primeiro ato diz que “ela mesma compraria as flores”, a vida e obra de Virginia se guiaram por uma ousadia e ânsia por liberdade e autonomia. Embora já tenha sido exaustivamente explorada na Academia e fora dela, sua leitura e análise sempre guardam, naturalmente, a originalidade da leitura de cada um de seus apreciadores e, por sua atualidade, num contexto sócio-político mais geral, oferece sempre elementos a se discutir.
Nesse sentido, é importante dizer que Virginia é majoritariamente analisada pela perspectiva de estudos feministas, em suas ideias centrais para sua teoria (que inclusive precedem Simone de Beauvoir), ainda que se deva reconhecer o lugar de privilégio que ela ocupava, enquanto mulher branca e de origem aristocrática em um dos centros do Capitalismo na primeira metade do século XX. É de Virginia, por exemplo, um ensaio intitulado “Profissões para mulheres” (1931) e a célebre exortação de que “a mulher deve ter dinheiro e um teto todo seu, se quiser escrever ficção”, em uma necessária análise das condições materiais das mulheres e a luta por independência financeira.
Além disso, o ensaio “Three guineas” (1938), que em uma de suas versões recebeu o título de “As mulheres devem chorar ou se unir contra a guerra”, pode ser considerada uma “tomada de consciência da posição da mulher na sociedade” e propõe uma estreita conexão entre patriarcado, fascismo e regimes ditatoriais. O posicionamento de Virginia contrário à guerra também é demonstrado pelo ensaio “Pensamentos sobre paz durante um ataque aéreo”, publicado em plena Segunda Guerra e poucos meses antes de sua trágica morte.
Entretanto, ainda que suas ideias sobre feminismo sejam fundamentais e objeto de necessária análise crítica, não podem ser impeditivo para uma apreciação e observação mais ampla e profunda de sua obra, considerando-se outros aspectos por ela abordados, como os de representação, sexualidade e crise do sujeito, que reconhecidamente ganham espaço nos debates contemporâneos. Esse também é o caso, por exemplo, da localização da produção da autora no âmbito das questões caras à Modernidade. Junto a James Joyce, por exemplo, seu estrito contemporâneo, são manifestas, em língua inglesa, em forma e conteúdo, aspectos centrais do que se considera moderno.
Assim, é interessante notar que Virginia viveu em um período de intensa transformação social, política e econômica, em especial pelo processo em curso na Europa, especialmente em seu próprio país, que saia da Era Vitoriana e cuja sanha imperialista, levado a cabo nas colônias por todo o mundo, assistia a seu ocaso e enfrentava a ascensão de novas potências econômicas e militares, o que desembocaria nas Grandes Guerras- experiências que marcaram profundamente Woolf e resvalaram em muitas de suas produções. A situação social e os devastadores efeitos psicológicos da guerra, por exemplo, podem ser notados em obras como Ao farol (1927) e no já mencionado Mrs Dalloway (1925).
Além disso, o já mencionado fenômeno das análises por vezes reducionistas de Woolf às questões de gênero inclui o caso de muitas das leituras de Orlando- uma biografia (1928), obra de grande sucesso editorial, que consolidou o seu reconhecimento literário e que foi adaptado para o cinema como Orlando- a mulher imortal, de 1992, com roteiro e direção de Sally Potter. A narrativa acompanha não apenas o intenso momento de transformação da época de Woolf, como também boa parte da história inglesa. Isso é possível pois o romance, de proposta extraordinariamente ousada, acompanha as vivências da personagem Orlando por vários séculos, ao longo dos quais ela não envelhece, mas passa por uma surpreendente e, aparentemente inexplicável, mudança de sexo/gênero. A partir dessa trama, Woolf desenvolve uma visão crítica da história e da sociedade de seu país e da própria noção de progresso.
Fica nítido, portanto, o quanto a obra virginiana nos oferece não só uma intensa experiência, por sua qualidade e a exuberância de seu estilo, mas também um rico material para análise de diversas questões. É certo dizer, portanto, que Virginia Woolf, em seus 140 anos, segue imortal, como seu personagem Orlando- atravessando os séculos, dando seu testemunho das lutas, conflitos e supostos avanços humanos pela lente do artístico-literário, por meio de seus leitores e leitoras.