“A expectativa de milhões de brasileiros é a derrota do Bolsonaro”
Entrevista de Roberto Robaina ao Green Left, site da esquerda ecossocialista australiana
Via Green Left
O presidente de extrema-direita do Brasil, Jair Bolsonaro, está pronto para ser reeleito no final deste ano, mas há um enorme desejo (e não apenas no Brasil) para que ele seja derrotado. Milhões de pessoas em todo o mundo querem ver o fim de seu governo, o que levou ao empobrecimento maciço, à destruição ambiental e a um dos piores índices de mortalidade mundial da COVID-19.
O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) é um dos que tem estado na vanguarda da resistência àquele governo no Brasil. Roberto Robaina é membro da direção nacional do PSOL e líder da tendência do Movimento de Esquerda Socialista (MES) dentro dele. Ele também é vereador em Porto Alegre e diretor da Revista Movimento. Federico Fuentes, do site australiano Green Left, conversou com Robaina sobre o projeto Bolsonaro de extrema-direita, as próximas eleições e como o Brasil poderia se encaixar na nova onda de governos de esquerda na região.
Green Left: Como você avaliaria o papel do governo Bolsonaro, tanto em âmbito nacional quanto internacional?
Roberto Robaina: O governo Bolsonaro foi uma experiência desastrosa para o povo brasileiro, com o aumento brutal do desemprego, do arrocho salarial e da destruição da natureza. São mais de 40 milhões de trabalhadores na informalidade, sem direitos, como aposentadoria e férias. Essa uma realidade agravada pela Reforma Trabalhista do ex-presidente Michel Temer e de Bolsonaro. Neste último ano do governo Bolsonaro, tivemos o recorde de queimadas na Amazônia. De tudo, o mais marcante foi a experiência traumática da negação da pandemia, da gravidade dessa crise mundial e a negação das vacinas e da ciência. Isso levou ao número de mais de 630 mil brasileiros e brasileiras mortos pela Covid-19.
Tal experiência traumática para qual o povo brasileiro não estava preparado certamente tem carregado um enorme aprendizado, provocando uma ruptura de massas com o governo. O preço é caríssimo. Evidentemente que, na medida em que essa experiência é realizada, as expectativas posteriores ficam concentradas em sair desse trauma, então, o horizonte dessas expectativas se estreita.
Do ponto de vista internacional, o bolsonarismo foi um dos exemplos de projetos da extrema direita no mundo, e sua derrota tem importância estratégica. Se desnudou também aos olhos do mundo o despreparo da extrema direita para gerenciar o Brasil.
No Brasil, a politização se expressou em ações. Parte da sociedade, saiu de uma zona de conforto e foi obrigada a enfrentar Bolsonaro. Tivemos grandes mobilizações. Não derrubaram o governo mas impediram Bolsonaro de aplicar todo seu projeto. Mas nas eleições sua derrota virá.
É claro que a extrema direita não terminará. Ela recebeu apoio de parte do proletariado e de setores pobres desesperados e de setores desesperados da classe média, que, diante da crise do capitalismo e da falência de alternativas de esquerda, acabaram depositando alguma confiança em saídas deste tipo. E isso ainda é uma tendência. São os instintos mais destrutivos mobilizados. Mas a extrema direita teve fortes derrotas. Vimos, primeiro com Trump, e em breve será Bolsonaro. Mas será necessário mobilizar e organizar, porque sabemos que, em última instância, a extrema direita é um produto da continuidade do capitalismo.
GL: Há sem dúvida uma pressão nas eleições a serem realizadas no final deste ano para apoiar um candidato “menos pior” contra Bolsonaro, em particular o candidato do Partido dos Trabalhadores e ex-presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva. Você pode nos dizer como as eleições estão se configurando e qual é a posição da MES/PSOL sobre qual candidato apoiar?
RR: A expectativa de milhões de brasileiros é a derrota do Bolsonaro. Derrotá-lo é a prioridade. E neste caso é útil escolher um mal menor, porque um segundo mandato de Bolsonaro significaria um incremento da violência política, que, no Brasil, é real. O governo tentou usar o aparato do Estado para promover mais violência, limitar ainda mais a liberdade da esquerda, da classe trabalhadora de um modo geral e dos meios de comunicação, incentivando o ódio à imprensa, a desinformação e as fake news. Também escolheu membros do Supremo Tribunal Federal com posições totalmente reacionárias em todas áreas. Portanto, a continuidade do governo Bolsonaro significa uma ameaça às liberdades democráticas de tal forma que é preciso derrotá-lo no terreno eleitoral, já que nas ruas, embora se tenha evitado que seu projeto se consolidasse, não se conseguiu derrubá-lo.
Também uma parte da burguesia brasileira, ainda que desenvolva a exploração da classe trabalhadora, não opta por um regime contrarrevolucionário, de corte das liberdades democráticas, que é a estratégia do Bolsonaro. A gestão desastrosa da pandemia aprofundou esta divisão.
Então, é lógico que há uma busca por um mal menor, e reconhecemos que o ex-presidente Lula, embora o PT esteja muito mais fraco do que foi nos anos 1980 e durante os governos petistas, segue forte como opção eleitoral. Durante o governo dele a crise do capitalismo era bem menor e ele conseguiu ter uma política de desenvolvimento e de gerenciamento dos interesses do capital, permitindo a acumulação, mas, ao mesmo tempo, buscando medidas sociais, boa parte delas compensatórias, que atenderem algumas demandas de setores mais pobres da população. Foi um projeto social liberal, mas que, diante da comparação com Bolsonaro ganhou ainda mais força. Na esteira de um país cujo crescimento estava ligado ao boom das commodities, das exportações e do crescimento da China, foram anos de certa estabilidade econômica.
Há essa busca pelo mal menor, porque se tinha uma experiência melhor nos governos do PT e o Bolsonaro foi um trauma. As expectativas são para superar esse trauma, esse desastre. Lula aparece como um nome capaz de eleitoralmente vencer Bolsonaro. Como o Lula está seguramente no segundo turno das eleições (no Brasil, as eleições podem ter dois turnos), nós no interior do PSOL, achamos que é útil, no primeiro turno, apresentar um programa de transição, com medidas capazes de atender os interesses mais profundos da classe trabalhadora que necessariamente passam por atacar os interesses dos milionários, das grandes corporações multinacionais e dos grandes capitalistas brasileiros para podermos ter, realmente, distribuição de renda. São medidas básicas, como taxação de lucros e dividendos, taxação de grandes fortunas.
Sabemos que a burguesia tem enorme resistência a isso e não vai aceitar uma inversão na política estatal que vá realmente fazer com que o país tenha um desenvolvimento a partir de uma aposta na melhoria das condições de vida dos trabalhadores e na construção de um mercado interno de massa capaz de fazer acumulação de riqueza de outra forma que não a superexploração da classe trabalhadora destinada a fazer o país ter uma participação no mercado mundial ligado à exportação de commodities. Estamos discutindo essa candidatura.
Propusemos o nome do deputado federal Glauber Braga, mas uma ala do PSOL considera que é preciso apoiar o Lula desde o primeiro turno. Temo que sejam maioria. Nós entendemos que isso não é necessário no primeiro turno, já que é certo que Lula estará no segundo. O que não é certo é que Bolsonaro consiga passar para o segundo turno, justamente porque a popularidade dele está baixíssima. Se Bolsonaro for para o segundo turno, certamente Lula contará com nosso apoio para derrotá-lo. Mas achamos que uma eleição é um momento oportuno para apresentar o programa do partido, e um partido que não apresenta programa num processo eleitoral dificilmente pode se desenvolver. E acreditamos que é preciso desenvolver uma alternativa anticapitalista no Brasil capaz de mobilizar a juventude e os trabalhadores, porque a luta contra o capitalismo é uma necessidade e porque a luta contra a extrema direita não vai terminar depois das eleições.
A aliança de Lula com Alckmin, político burgues que governou por quase 20 anos o principal estado país, SP, mostra que o projeto do PT continua sendo social liberal. Então é claro que é certo votar nele contra Bolsonaro. Mas não apresentar nome próprio no primeiro turno é uma capitulação.
GL: Que impacto você acha que as recentes vitórias progressistas no Chile e no Peru poderiam ter nas eleições? Como você vê a situação geral da esquerda na região?
RR: A vitória da candidatura do Boric no Chile foi fundamental, até porque o oponente dele era um herdeiro do Pinochet, de tal forma que no Chile também se desenvolveu uma extrema direita como resposta aos protestos e às rebeliões, sobretudo à rebelião de 2019, que, em última instância, explica a vitória do Boric. Ao mesmo tempo, é como reação a essa rebelião que se desenvolveu a extrema direita que foi quase vitoriosa. Não ganhou porque, no segundo turno, milhões de pessoas perceberam que era preciso dar uma resposta e garantir essa derrota da extrema direita.
A vitória do Pedro Castillo no Peru também foi expressão de um ascenso longo no país. A candidatura de Castillo, um professor que surgiu no cenário político em 2017 dirigindo uma greve do magistério muito importante, teve uma vitória que foi uma surpresa. Tinha um discurso muito de esquerda de enfrentamento à exploração das mineradoras, das multinacionais no Peru e desse programa extrativista predatório que existe no Peru com essas empresas.
Esse processo no Chile, no Peru é de fato uma nova onda de esquerda na América Latina, de busca por alternativas ao capitalismo, ao neoliberalismo que, por sinal, teve um ponto inicial na Bolívia. Quando houve o golpe contra Evo Morales, parecia que aquele era o momento mais importante da retomada de projetos neoliberais e de extrema direita. Foi um golpe contrarrevolucionário o que ocorreu na Bolívia. Foi justamente lá que, em primeiro lugar, se reverteu a situação derrotou-se o golpe e elegeu-se um dirigente do MAS (Movimento ao Socialismo) presidente depois de um processo de resistência nas ruas muito pesado. A Bolívia abriu essa nova onda, cujo desafio agora é afirmar um programa que seja de fato de integração latino-americana em que essas experiências possam se alimentar uma da outra e buscar, inclusive, uma política econômica comum na América Latina.
Se no Brasil, tivermos o governo Lula, o grande desafio é Lula não fazer como fez da outra vez, quando também tivemos uma onda de esquerda na America Latina, a partir da experiência da Bolívia, da Venezuela e do Equador, e o governo brasileiro atuou como bombeiro desses processos de mobilização em vez de fazer uma verdadeira integração latino-americana. O que fez foi buscar vantagens, exportar capital brasileiro para esses países e não apostar numa política de integração que fizesse com que o Estado usasse seus recursos para construir um projeto de mercado interno na América Latina capaz de ter uma verdadeira independência latino-americana.
É um desafio, porque se percebe que não foram tiradas conclusões da experiência anterior e sempre há uma busca por negociação e colaboração com os setores burgueses, que não têm interesse nessa independência.