O nome do partido
A denominação do partido revolucionário em Marx, Engels, Lênin e Trotsky.
Luiz Carlos Prestes, em 1986, participou do programa de entrevistas Roda Viva e afirmou de modo lapidar que o PCB (assim como o PCdoB), capitulou ao governo Sarney e que este partido não era mais comunista. Nas palavras de Prestes o PCB de “comunista só tem o nome”.
Curiosamente a cisão do PCB de 1962, que gerou a fundação do PCdoB de João Amazonas, teve como gatilho a mudança do nome do partido que abarcava simultaneamente, em nome da legalidade do PCB (dirigido por Prestes), o rebaixamento do programa e a supressão do “comunismo como objetivo estratégico partidário e o marxismo-leninismo como ideologia do proletariado” nos novos estatutos. Ora, as críticas de Prestes em 1986, em certa medida, vão na mesma direção da fração encabeçada por Amazonas, Grabois e Pedro Pomar nos anos 60. Porém, Prestes, ao romper com o PCB, fez autocrítica pública de suas posições no PCB que se balizavam na estratégia etapista da revolução brasileira (tendo como orientação na primeira etapa, a aliança dos comunistas com a burguesia nacional “progressista”) sustentada pela caracterização errônea de que o Brasil era um país semi-colonial, comandado por latifundiários e pelo imperialismo.
A cisão que se proclamava “reorganizadora do partido” (PCdoB), por sua vez, acusava Prestes de ser o líder do liquidacionismo do velho PCB, igualmente manteve a posição sobre o caráter etapista da revolução brasileira. A diferença de fundo entre o PC Brasileiro e o PC do Brasil é que o primeiro buscou uma orientação nacional-reformista, se apoiando na bandeira democrática para reivindicar sua legalidade pela via pacífica. Já o segundo, apostou na guerra de guerrilhas agrárias como caminho e tendo o campesinato como sujeito social fundamental para o triunfo da primeira etapa da revolução nacional. No entanto, o Brasil não é Cuba e o PCdoB não era o Movimento 26 de Julho de Fidel Castro e menos ainda o PCC de Mao Tse-tung. Assim sendo, o isolado foco guerrilheiro foi aniquilado no Araguaia, tendo como principal baixa Osvaldão (dirigente militar da guerrilha) que foi executado pelo Exército Brasileiro. E, consequentemente, após a reunião de balanço da derrota, os órgãos de repressão prenderam, torturaram e assassinaram parte do Comitê Central do PCdoB que havia se reunido clandestinamente no bairro da Lapa (São Paulo-SP).
Portanto, a concepção foquista (mesmo com toda coragem e abnegação de seus correligionários), isolada do movimento de massas e dos setores organizados dos trabalhadores, se comprovou na carne como um caminho equivocado para a situação no Brasil. Não é à toa que o golpe mais poderoso na Ditadura foram as massivas greves operárias no cinturão industrial no ABC no triênio de 1978-79-80. Ou seja, enquanto os PCs buscavam o campesinato e/ou a burguesia industrial “progressista” para dar cabo a sua estratégia etapista, o movimento operário acabou se forjando de modo independente como sujeito social protagonista por fora da influência “comunista” que (de um modo ou de outro) seguia em seu habitual zigue-zague entre a busca da conciliação com setores burgueses e o ultraesquerdismo deslocado da classe operária. Esse recorte histórico não explica tudo. Mas, diz muito da fraqueza do PCB e do PCdoB diante da ascensão e hegemonia do Partido dos Trabalhadores na década de 1980 (partido que reuniu reformistas e revolucionários até a traição da reforma da previdência em 2003).
Nem mesmo os efeitos do relatório Khrushchev na vanguarda revolucionária demarcaram uma mudança de natureza substantiva dos dois partidos intitulados comunistas. A rigor, o Comitê Central do PCB acusava a fração de Amazonas de seguir o culto à personalidade de Stalin. Por outro lado, o PCdoB acusava o CC do PCB de fazer o culto à personalidade de Prestes. Quer dizer, o alinhamento do PCdoB com a China e em seguida com a Albânia iria se desenvolver depois da cisão. Contudo, tal giro não foi acompanhado de uma ruptura no conteúdo estrutural do stalinismo. Já o PCB seguiu fiel a burocracia do Kremlin até o desmantelamento da URSS e a formação do PPS em 1992.
Evidentemente, os “comunistas” duramente criticados por Prestes não se encontram na mesma condição política e organizativa das décadas anteriores. Porém (voltando ao cerne da questão), diante dos equívocos históricos cometidos pelo PC Brasileiro e o PC do Brasil, que paralelamente disputavam o rótulo oficial dos herdeiros do “partido comunista fundado por Lênin” no país, fica a pergunta: é suficiente definir que uma organização partidária é detentora da estratégia revolucionária somente pelo nome que sustenta? E, afinal, qual é a relevância do nome do partido diante dos seus objetivos históricos e no tempo presente?
Essa discussão parece de pouca relevância num primeiro olhar. Entretanto, não é. Tanto é assim que, para Lênin, o nome do partido deveria ser cientificamente exato e que reúna sinteticamente condições de esclarecer seus objetivos a consciência dos trabalhadores e do povo. A verdade é que Lênin em sua definição seguia os passos de Marx e Engels no tocante da mudança de orientação política e programática da Liga do Justos, que passou a se denominar Liga dos Comunistas. E o documento público de apresentação da renovada Liga, dirigida por Marx e Engels, foi justamente o Manifesto do Partido Comunista, que a partir de sua sexta edição passou também a ser reproduzido como Manifesto Comunista.
Acontece que, após a derrota da Comuna de Paris e da dissolução da Associação Internacional dos Trabalhadores, os marxistas passaram a se denominar Social-Democratas. Nome que Marx e Engels não gostavam. Contudo, foi fortemente difundido devido ao peso do Partido Social-Democrata Alemão na Segunda Internacional. Entretanto, Lênin, desde abril de 1917, defendendo a mudança do nome do Partido Operário Social-Democrata Russo (fração Bolchevique), afirmava que essa denominação era cientificamente incorreta, como, Marx demonstrou na “Crítica do Programa de Gotha” (1875) polemizando programaticamente com os dirigentes do Partido Operário Social-Democrata que unificaram-se com o Partido Popular Alemão de Ferdinand Lassalle, constituído majoritariamente por elementos democráticos da pequena burguesia. De tal modo, Marx insistia que o programa votado na fusão entre as duas organizações, que gerou o Partido Operário Alemão, que em 1890 viria se denominar Partido Social-Democrata Alemão, era rebaixado. Portanto, ainda segundo Marx, o retorno dos eixos programáticos expostos no Manifesto Comunista era uma necessidade estratégica para a sobrevivência do partido alemão nos marcos anticapitalistas e do internacionalismo proletário.
Como se sabe, as ideias de Lasselle foram superadas. Mas, os partidos sociais-democratas e a Segunda Internacional não passaram pela prova de fogo da Primeira Guerra Mundial, mesmo contendo em suas direções toda uma ala educada no marxismo. Sob os efeitos dessa traição e, sobretudo, do processo revolucionário russo, Lênin conclui que era preciso abandonar o nome “Social-Democrata” para adotar a denominação “Comunista”. Assim sendo, em março de 1918, o Partido Operário Social-Democrata Russo (fração Bolchevique) mudou o nome para Partido Comunista da Rússia (Bolchevique). Nota-se que o antigo nome da fração “bolchevique” é agregado entre parênteses a nova denominação oficial e pública do partido. A razão para essa demarcação se justifica pela legitimidade e prestígio que o bolchevismo alcançou em solo russo e em parte do mundo. Logo é compreensível que o 7º congresso do Partido Comunista Russo (Bolchevique) tenha sido o primeiro de fato com o novo nome da organização de Lênin (em vida), uma vez que os seis congressos anteriores os bolcheviques constituídos como fração ainda utilizavam o nome social-democrata.
Tudo poderia estar resolvido segundo a orientação de Lênin para a denominação do partido marxista revolucionário. Porém, a burocracia stalinista se apoderou do rótulo “comunista” para liquidar com a continuidade da tradição bolchevique-leninista e o programa da revolução internacional. Por isso, não se pode confundir a casca com o miolo ou a aparência com a essência. Todavia, Trotsky encabeçou uma luta de vida ou morte pelo fio de continuidade do bolchevismo autêntico. Conforme expus na coluna Os primeiros passos do trotskismo no Brasil | Revista Movimento (movimentorevista.com.br), a Oposição de Esquerda foi uma necessidade empírica na luta de frações pelo comando do Partido Comunista da Rússia e da III Internacional. Uma vez perdida a disputa no partido russo e, consequentemente, com a omissão traidora da III Internacional (sob comando de Stalin) a ascensão de Hitler e do Partido Nazismo, Trotsky não vacilou em propor partidos revolucionários separados do stalinismo e a fundação da IV Internacional.
Mas, como denominar esses partidos novos partidos? Trotsky irá defender:
“É uma velha experiência histórica que, aquele que não considera oportuno ostentar abertamente seu nome político, não possui a coragem necessária para defender abertamente as suas ideias, já que o nome não é algo acidental, mas sim a condensação das ideias. Por isso Marx e Engels se chamavam de comunistas e nunca gostaram do nome social-democratas. Por isso Lênin abandonou a camisa suja da socialdemocracia e adotou o nome Partido Comunista para sua organização, por ser mais intransigente e militante. Agora, novamente temos que jogar fora os nomes que foram prostituídos e escolher um novo. Não temos que buscá-lo adaptando-nos aos preconceitos das massas, e sim, pelo contrário, temos que nos opor a estes preconceitos com um nome adaptado às novas tarefas históricas”.
Portanto, o nome do partido deve ter coerência com seus objetivos históricos e demarcar sua identidade no tempo e no espaço de sua atuação empírica. De tal forma, um partido composto por marxistas revolucionários adotar uma denominação que caducou perante a consciência das massas é um erro. O conceito de socialismo com liberdade, por exemplo, é na essência um diferencial das experiências autoritárias do stalinismo e, ao mesmo tempo, afirmava a estratégia socialista numa etapa da luta de classes no Brasil que o PT havia passado de mala e cuia para o campo dos capitalistas. Por isso, o PSOL não se chamou “Partido Comunismo e Liberdade – PCOL ou PCL” e quase se chamou Partido Socialista – PS. Mas, sabiamente o Encontro Nacional do Movimento Por um Novo Partido (2004) optou por Partido Socialismo e Liberdade, nome que foi assimilado pela vanguarda e que preserva simpatia em setores avançados do movimento de massas.
P.S. Defendi “Partido Socialista” como denominação do novo partido em 2004. Felizmente o nome “PSOL” prevaleceu.
Fotografia de Thaís Coutinho: placa da rua em São Petersburgo que abriu a sede do partido bolchevique em 1917.
Referências:
Konder, Leandro. A história das idéias socialistas no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2003.
SANTANA, Marco Aurélio. Homens partidos: comunistas e sindicatos no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2001.
MARX, Karl. Crítica do programa de Gotha. São Paulo: Boitempo, 2012.
Sétimo Congresso Extraordinário do PCR(b) (marxists.org)
Um nome revolucionário para um grupo de juventude revolucionário (marxists.org)