Tática Eleitoral: um Debate Urgente no PSOL-SC

Tática Eleitoral: um Debate Urgente no PSOL-SC

A derrota de Bolsonaro não se resume às urnas. O bolsonarismo catarinense não é o único, talvez nem seja o maior setor da direita, por isso, para além das agitações é importante compreender a fragmentação eleitoral das direitas, romper com o romantismo de unidade das “esquerdas” e apresentar uma alternativa socialista para Santa Catarina.

Márcio Vargas 14 fev 2022, 22:11

A Direita Catarinense Fragmentada

Os projetos alinhados ao neoliberalismo têm dividido suas forças para a disputa eleitoral no estado: do bolsonarismo raiz aos clãs tradicionais das direitas catarinenses, passando por pretensos outsiders e carreiristas da política. Indefinidas quanto ao alinhamento com as chapas nacionais de terceiras vias e a movimentação em torno da reeleição do atual governador. Por isso, uma série de conjecturas acerca do posicionamento das frações da burguesia seriam possíveis, mas interessa para nossa abordagem demonstrar a explícita fragmentação da direita.

Dentre os pré-candidatos definidos está o senador Jorginho Mello (PL), que pode capitalizar a proximidade com Bolsonaro para atrair seus mais fiéis seguidores, cujo desempenho negacionista na CPI da COVID e a ligação histórica com a direita empedernida, que remonta à ARENA, pode alçá-lo à condição de legítimo postulante bolsonarista ao governo estadual. Numa borda adjacente aparece o partido “Novo”, com o promotor de justiça Odair Tramontin, que ficou em 3º nas eleições de 2020 para a prefeitura de Blumenau, mas o relevante não é a bizarrice de um servidor público liberal e sim o desempenho desse partido no estado, onde elegeram 9 dos 28 vereadores no país e o único prefeito (em Joinville, município mais populoso de SC), contando com uma cadeira na ALESC e na Câmara. Jorginho e Odair são duas faces da mesma moeda, alcançando setores populares e da classe média com a farsa liberal da meritocracia, do empreendorismo e da livre concorrência, além do permanente flerte com o fascismo.

O atual governador, Carlos Moisés (ex-PSL, sem partido), coesionou sua maioria na ALESC, garantidora da sua absolvição no caso dos respiradores fantasmas, trazendo para o governo PP e MDB. Não por acaso são seus principais pretendentes à filiação, sem descartar os acenos do PSDB, com uma diferença quanto ao MDB no qual uma suposta prévia estaria marcada. Seu governo não tem nenhuma realização contundente, mas goza de uma blindagem midiática garantida com gordas verbas publicitárias, entretanto, diferentemente de 2018, não conta com o apoio bolsonarista. Também em pé de igualdade está o prefeito da capital, Gean Loureiro (ex-DEM, agora “União Brasil”), reeleito no 1º turno com quase 3 vezes mais votos do que o candidato do PSOL, que ficou em  2º lugar, cuja gestão é implacável na prestação de serviços inestimáveis a diversos setores da burguesia, como na recente tentativa de revisão do Plano Diretor para atender principalmente aos interesses das grandes construtoras. Moisés e Gean não namoraram abertamente com o negacionismo, por isso, ambos podem encarnar uma direita light, reivindicando realizações de seus governos.

Nos demais setores da direita, as indefinições são maioria e nitidamente visam barganhas na composição de chapas majoritárias. Há uma miríade de postulantes: Espiridião Amin (PP), outro senador bolsonarista e líder do clã Amin, aguarda a composição com o atual governador, no caso de desentendimento deste com o MDB, tanto para impor sua liderança, quanto para abrir espaço ao prefeito reeleito de Tubarão em candidatura própria; Raimundo Colombo (PSD), ex-governador por duas vezes, não teria dificuldades em fazer palanque para Lula, como fez para Dilma em 2014, talvez seja apenas a questão da melhor posição para retornar ao senado, ou outra posição com Gean; Antídio Lunelli (MDB), prefeito de Jaraguá do Sul reeleito com 70,66% dos votos e o 3º mais rico do Brasil entre os candidatos de 2020, recentemente revelado como investigado em um caso de pedofilia, estaria disputando as tais prévias do MDB; e, o prefeito de Balneário Camboriú (Podemos, onde está abrigado o clã Bornhausen) espera o alinhamento nacional com o União Brasil no projeto de Sérgio Moro também para compor com Gean. Em síntese, há outros pré-candidatos, figuras que apresentariam provavelmente menores condições de coesionar setores mais amplos que seus currais eleitorais, ou seu poder econômico, notadamente.

A breve contextualização desses personagens é relevante pelo peso eleitoral que têm. Recentemente, a direita tradicional (MDB, PP, PSD, PL e PSDB) elegeu 2.166 vereadores (78% das cadeiras), bem como 249 dos 295 prefeitos catarinenses (84%). No pleito anterior, são possíveis inferências possíveis relacionados ao desempenho de Bolsonaro no estado, na ALESC esses mesmos partidos elegeram 23 dos 40 parlamentares, além de 6 do PSL, numa casa com 4 petistas, 1 pedetista e 1 apadrinhado dos Bornhausen que está no PSB, sem esquecer que a bancada federal conta com 1 deputado petista dentre 16. Em outras palavras, enquanto fenômeno eleitoral, o bolsonarismo em SC aconteceu também pela dimensão ocupada previamente pela direita catarinense, uma longa história na qual a adaptação e os acordos do petismo têm relevância. Logo, é um reducionismo a consigna de “derrotar Bolsonaro nas urnas”, pois as direitas catarinenses estão além do “mito”, um sócio relevante para um momento histórico determinado.

Enquanto isso, na “Esquerda”

A unidade das “esquerdas” catarinenses, no formato da fracassada “Frente Democrática por Floripa”, tem sido operada com pouquíssima transparência, inclusive levantando dúvidas sobre a existência de um prévio acordo para a melhor acomodação de personalidades que convivem há décadas no condomínio petista, dispersas no PSOL, no PSB e outros partidos. Para isso, é importante refletir sobre os equívocos táticos do adesismo, para tentarmos entender a obstinação do setor precariamente majoritário no PSOL-SC em blindar o debate de tática eleitoral.

O apelo à unidade para derrotar Bolsonaro está no centro da retórica, mas não passa de exercício de oratória. Nesse sentido, não apoiar o PT significaria ser antipetista, assim como disputar a consciência das massas seria se proclamar mais lulista que Lula, mesmo que para o próprio interesse apenas o melhor palanque em Santa Catarina. Significa, por exemplo, desconsiderar que o líder da bancada do PT na ALESC, Fabiano da Luz, definiu a absolvição do governador, no processo de impeachment dos respiradores fantasmas e, mais recentemente, votou na CCJ a favor do Projeto de Lei nº 317.8/2021, do bolsonarista Felipe Estevão, que proíbe o passaporte de vacinação. Ou seja, o petismo catarinense não está tão preocupado com o negacionismo, por extensão, o bolsonarismo lhe é um mal necessário para algum antagonismo.

Nem mesmo a frágil maioria no PSOL-SC é capaz de conciliar seus interesses com o lulismo local. O caminho de Dário Berger (senador do MDB) em direção ao PSB, assim como a anunciada filiação ao mesmo partido por Jorge Boeira (ex-deputado federal pelo PP), podem inviabilizar Décio Lima (PT) na cabeça de chapa, consequentemente, também podem colocar em xeque o desejo do vereador Afrânio Boppré (PSOL) de se tornar o “Senador do Lula”. Novamente é sobre o melhor palanque: o PT catarinense não goza do mesmo prestígio da amizade histórica de Décio e Lula. Nas eleições de 2020 o PT-SC reduziu as bancadas municipais de 204 para 152 vereadores, e não disputou a vitória, nem de perto, em nenhuma das 10 maiores cidades do estado, dirigindo hoje apenas 11 pequenos municípios dos 295 no estado. Na ALESC sua bancada não serve sequer de consciência crítica ao governo, sendo a expressão do PT-SC reduzida à burocracia sindical e aparatos similares, portanto, não seria suficiente uma “onda Lula” para levar Décio ao 2º turno, mas uma tsunami.

Exige um certo exercício de imaginação tentar compreender o real motivo pelo qual o campo “PSOL de Todas as Lutas” (PTL), especialmente as correntes Primavera Socialista e Resistência, perseguem a construção de uma frente em torno de Décio Lima, no mesmo formato fracassado da eleição municipal na capital. Para que não fiquemos em divagações é relevante ponderar que esse setor não compreende, mas a relativa liderança eleitoral do PSOL na esquerda de Floripa também reside nos erros históricos do PT daqui, tanto na tática eleitoral de submissão aos setores locais da burguesia, quanto no descolamento das pautas da classe trabalhadora para contribuir na governabilidade dos governos Lula e Dilma. 

Podemos indicar, pelo menos, três hipóteses para esse esforço do PTL: 1. Fé na tsunami lulista, para emplacar Afrânio como senador, com Alckmin, Dário e tudo mais, talvez, com um aceno para nova composição nas próximas eleições municipais; 2. Erro de análise reiterado, o mesmo que restringiu o PSOL-SC à capital, para que não fuja do controle a ascensão de novas lideranças que podem assumir uma cadeira na ALESC, como Marquito (o Vereamor) ou a candidatura coletiva do Movimento do Bem Viver; e, 3. Oportunismo. A por ora maioria no PSOL-SC pode tentar se arvorar como administradora do fundo eleitoral, sendo benevolente e colaborando com as candidaturas mais competitivas para garantir seus espaços em um possível mandato na ALESC.

Nem mesmo do ponto de vista pragmático é uma opção inteligente servir de mero apêndice do petismo catarinense. Neste século, o melhor desempenho de uma candidatura petista a governador ocorreu em 2002, quando José Fritsch alcançou 27,33% dos votos válidos (3º lugar), enquanto Lula obteve 56,6% no 1º turno. Por isso, é inquietante para a militância ativa do PSOL considerar a via que tenta ser imposta para as eleições deste ano. Enquanto o setor liquidacionista viabiliza nacionalmente um apoio acrítico à candidatura de Lula, em Santa Catarina sequer o petismo consegue assumir o protagonismo no arranjo proposto localmente, no qual a maioria formal no PSOL-SC aceita a condição de sócio minoritário do petismo, quaisquer que sejam a correlação de forças na classe e a repercussão no desempenho da chapa proporcional.

Construir uma Alternativa Socialista

Um longo caminho precisa ser percorrido, pois mesmo em setores à esquerda no PSOL-SC há uma marcação de passo, como se esperassem que a conferência eleitoral tivesse um desfecho diferente do que foi o tapetão de Chapecó no 7º Congresso. Mais uma vez é um equívoco, talvez uma crença na justiça divina. Por isso, é fundamental impormos outro ritmo, no qual a conta das garrafas não prevaleça, os debates de programa não sejam meramente formais, a política de alianças não seja genérica e explicite quais são nossos verdadeiros aliados, culminando na candidatura própria do PSOL.

A despeito de todas as traquinagens em curso pelo PTL, não é momento para vacilação. É necessário colocarmos em marcha, mesmo que à revelia da direção formal, os debates para impulsionarmos uma candidatura própria do PSOL, na qual nosso arco de alianças esteja localizado no PCB, UP, PCLCP, IC e outras organizações que efetivamente estiveram nas ruas para derrotar Bolsonaro. As movimentações em outros estados também indicam tendências para rompermos o bloqueio de debate tático e de programa, como a apresentação da pré-candidatura a governador de Milton Temer (RJ) como alternativa aos psolistas apaixonados por Marcelo Freixo, mesmo com Armínio Fraga. Ou seja, nada está decidido, ainda há espaço para apresentarmos um PSOL independente e anticapitalista.  

Para a materialização desta candidatura própria, também é necessário localizarmos as lideranças do PSOL em condições de realizar um debate de protagonismo para o partido. Por isso, é relevante reivindicar o acúmulo da tese do MES-SC à etapa estadual do 7º Congresso do PSOL:

“Precisamos estar cientes do nosso peso para eleição de 2022, somos um aguerrido, mas ainda um pequeno partido em SC. Por isso, é fundamental fazermos da disputa eleitoral uma momento de ecoar as lutas nas quais estamos envolvidos, utilizando das eleições para a disputa de consciência de setores da classe trabalhadora com baixa organicidade, tendo cara própria: das mulheres, dos indígenas, da negritude, das LGBTs e da juventude. Nesse sentido, defendemos candidatura própria do PSOL para governadora, vice-governadora e senadora, com proporcionais alcançando as diferentes regiões do estado, numa verdadeira campanha militante.”

A caracterização das pré-candidaturas das direitas e o arranjo adesista tentado pelo PTL convergem na manutenção do status quo, com os mesmos atores decadentes, deixando evidentes a necessidade da apresentação de candidatura própria do PSOL e uma chapa majoritária feminista. Por isso, se ponderarmos a regionalização, o peso social e a projeção pública acumulada, a indicação das companheiras Geórgia Faust, Jane Campos e Tânia Ramos para representar o PSOL como pré-candidatas a governadora, a vice-governadora e a senadora, não exige esforço. Há reconhecimento da representatividade e da potência desta chapa pela base do partido, unificando os setores dispostos a construir candidatura própria, permitindo acumular na elaboração programática.

Em vez do apagamento do PSOL-SC, com a errática premissa da unidade com qualquer setor dito de esquerda, podemos impulsionar uma campanha com apelo de massas, das mulheres, da negritude, das indígenas, das juventudes, das LGBTI+, da classe trabalhadora. Definir um caminho diferente do liquidacionismo é possível e é urgente.


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