PSOL acertou ao aprovar a Federação com a REDE. A luta pela independência do PSOL segue em aberto.

PSOL acertou ao aprovar a Federação com a REDE. A luta pela independência do PSOL segue em aberto.

O Diretório Nacional do PSOL aprovou na noite dessa segunda-feira (18/04) a formação da Federação partidária com a Rede Sustentabilidade.

Estevan Campos 20 abr 2022, 21:49

O Diretório Nacional do PSOL aprovou na noite dessa segunda-feira (18/04) a formação da Federação partidária com a Rede Sustentabilidade. Já publicamos uma série de artigos debatendo nossa posição. Após a aprovação pelo Diretório Nacional, voltamos ao tema para avançarmos nos motivos que nos fazem entender como um acerto do Partido essa posição e avançar para as batalhas que julgamos fundamentais para o futuro do PSOL.

Cláusula de barreira pode colocar o PSOL na marginalidade

A cláusula de barreira (ou de desempenho) vigente foi aprovada em 2017 (EC 97/2017), sob governo Temer, impõe um aumento gradativo de desempenho eleitoral mínimo para que os Partidos mantenham plenos direitos. As exigências são crescentes, 2% dos votos para a Câmara dos Deputados em 2022 e 2,5% em 2026.

Dentre as posições contrárias à formação da Federação, existem diferentes argumentos e justificativas. Algumas organizações relativizam a importância da legalidade plena do Partido, outras, reconhecem a necessidade de lutarmos para superar a legislação antidemocrática, mas entendem que o risco para 2022 é pequeno e que o PSOL poderia se apoiar em uma nova situação política, com a possível eleição de Lula, para levar adiante uma luta democrática pela alteração da legislação.

No primeiro caso, ignoram a situação concreta da luta de classes no Brasil. É verdade que a legalidade plena do Partido não é uma regra de ouro. Poderíamos abrir mão disso em um momento de ascenso da luta de classes, com movimento de massas indo às ruas, o qual poderia ser disputado por outros meios, que colocaria a atividade parlamentar muito secundarizada. Mas sejamos sinceros, infelizmente, não é o caso do Brasil. Temos algumas lutas, parciais e fragmentadas, mas estamos longe (de novo, infelizmente) de um ascenso do movimento da classe trabalhadora.

No segundo caso, esquecem que o próprio Partido dos Trabalhadores, enquanto esteve na Presidência, tanto com Lula quanto com Dilma, nada fez para alterar as legislações anteriores. A legislação aprovada em 1996, que entraria em vigor em 2006 exigia 5% de votos para a Câmara Federal, foi barrada somente pelo STF, após ação do PCdoB, PSOL e outros partidos. Lula, então Presidente, nada fez para alterar a medida antidemocrática. Com relação à segunda alteração, a chamada “minirreforma eleitoral” patrocinada por Eduardo Cunha, em 2013, o papel do PT foi ainda pior, pois a então Presidenta Dilma sancionou a Lei que deixou o PSOL de fora dos debates eleitorais de muitas capitais em 2016, e não à toa, depois do levante de 2013 e do ascenso das greves em 2014, silenciar as vozes críticas à esquerda foi funcional para o projeto do PT. Contar com qualquer ação do PT no sentido de alteração da legislação é alimentar ilusões. 

Por que com a Rede?

Na política temos de ser concretos. Não se analisa desejos, mas a realidade. Diante da legislação, o PSOL tinha uma primeira decisão a tomar: é ou não é importante a superação da cláusula de barreira? Existem organizações que avaliam que não, acima mencionamos que se fosse outra a situação política, poderíamos colocar a legalidade plena do partido em segundo plano. É um debate que podemos aprofundar em outro texto, apontando a importância do tema na perspectiva do marxismo revolucionário. Mas essa posição é ultra minoritária no PSOL. Mesmo entre as organizações contrárias à Federação com a Rede, se reconhece a necessidade de lutarmos pela manutenção da legalidade plena do PSOL, a divergência se dá, nesses casos, é que, pelo fato de a Rede ser um partido pequeno-burguês, diverso, com setores ligados ao empresariado, o PSOL “por princípio” não deveria levar adiante a federação. Queremos voltar a esse ponto, pois é uma compreensão equivocada do marxismo.

Mas antes mesmo desse debate, é preciso ser concreto em apontar quais seriam as alternativas de federação postas para o PSOL.

Uma federação com PSTU, PCB e UP, em primeiro lugar, não está posta, não foi alternativa em nenhum momento. Mas mesmo que surgisse essa possibilidade o concreto é: essa federação conseguiria cumprir o objetivo de superar a cláusula de barreira? A resposta, evidentemente, é negativa. Então, se buscamos “federar” para este fim, essa possibilidade se exclui. Mesmo que sejam partidos parceiros em diversas lutas.

Fora a Federação com a Rede, restaria como alternativa a federação hegemonizada pelo PT (com PCdoB e PV). E é tendo essa única outra possibilidade em vista, na análise concreta, que defendemos que é um avanço que se tenha firmado a Federação com a Rede, pois o risco a que o PSOL está exposto é de passar a ser um “partido da ordem”, passar a ser parte de sustentação de um regime em crise. Nesse “diagnóstico”, as organizações contrárias à Federação concordam com o MES. Ora, hoje, o principal agente desse “risco” é o próprio Partido dos Trabalhadores. Em que pese sua inserção no movimento da classe, o PT é um partido da ordem, cujo projeto é ser o gestor dos negócios da burguesia, disso, não pode restar dúvida, especialmente dentro do PSOL. Estar na federação dirigida pelo PT, seria um passo adiante na integração do PSOL ao projeto petista de “reanimação da Nova República”, colocaria essa federação como parte integrante do possível governo Lula-Alckmin, e o PSOL como partícipe de um governo de caráter burguês. Esse é o ponto positivo da federação com a Rede.

Mas o caráter de classe da Rede não tira a independência do PSOL?

Essa é a principal dúvida que paira sobre parte da militância do PSOL. É compreensível que haja essa preocupação, pois o nosso Partido é um patrimônio da esquerda socialista, nos é muito caro. Conseguiu se consolidar como uma alternativa de esquerda radical no Brasil. Seria uma tragédia a situação política brasileira se não houvesse o PSOL. Da mesma forma, será uma tragédia caso o PSOL perca sua independência, especialmente frente ao que pode vir a ser o novo governo Lula-Alckmin. De nossa parte, essa segue sendo a principal batalha interna no Partido, a batalha para que a convenção eleitoral de 30 de abril seja definitiva quanto a esse tema e afirme que o PSOL não fará parte de um eventual governo Lula-Alckmin.

Mas voltando à principal dúvida da militância. Afirmar que estabelecer um bloco com um partido pequeno-burguês devido a seu caráter de classe é contra os “princípios” dos socialistas e que isso tiraria a independência de classe do PSOL, não passa de uma caricatura do marxismo. É inquestionável que a direção da Federação estará com o PSOL, hegemônico nos organismos da mesma, e esse é o ponto fundamental. O caráter de classe da Rede, nestas condições, não afeta a independência do PSOL. Aqui, vale se apoiar nas lições do maior revolucionário do século XX. Sempre guardando as ressalvas das diferentes situações históricas e políticas de cada época, vale se apoiar na essência do pensamento leninista, que em 1907, após a derrota da revolução de 1905, defendeu um bloco dos marxistas com o partido pequeno burguês da Rússia (SR). As preocupações entre os socialistas de então também pairavam sobre a manutenção da independência do POSDR, diante dessas preocupações, dizia Lenin:

“Não é certo que a necessidade de manter a pureza da posição de classe exclua todos os acordos. Pensar assim é levar até o absurdo os critérios do marxismo, convertê-los em caricatura. […]

Além do que, é indubitável que um acordo entre os social-democratas (POSDR) e os partidos democráticos revolucionários (SRs) significa a hegemonia dos social-democratas sobre a pequena burguesia. […] Não se pode falar de um cerceamento dos seus conceitos socialistas nem do seu ponto de vista de classe. […]

A firmeza de princípios do nosso Partido não se veria minimamente prejudicada: a linha segue sendo a mesma, e levaremos adiante com igual energia a luta contra o partido da burguesia e dos conciliadores liberais.” (LENIN, Obras Completas, T. 14, p. 308-310, tradução minha)

Esse é o ponto crucial, o PSOL terá a hegemonia da Federação e dependerá da disputa sobre os rumos do próprio PSOL a manutenção da nossa linha independente e anticapitalista.

A Federação ser com a Rede também influenciará positivamente na disputa sobre a relação da bancada do PSOL com o provável próximo governo. O PSOL precisa ser um polo independente, de oposição de esquerda, na próxima legislatura. Não é algo dado, mesmo que a Conferência partidária vote contra a participação no governo. 

O projeto de Boulos e Juliano Medeiros é de “governar junto”, de eleger uma bancada para “dar apoio ao próximo governo”, não será uma disputa fácil na bancada do PSOL, dada a pouca força parlamentar da esquerda partidária. Hoje, temos Glauber e as parlamentares do MES, mas a correlação de forças na bancada do PSOL para o ano que vem tende a se alterar muito, e não em favor das forças da esquerda partidária. E é exatamente para essa batalha que a Federação com a Rede é positiva. A presença da Rede na Câmara pode aumentar a margem de manobra dos parlamentares da esquerda partidária, especialmente se contar com a presença de nomes como Joênia Wapichana e Heloísa Helena. Se ambas não compartilham do nosso projeto em sua integralidade, também é verdade que tem muitas posições à esquerda do que será o novo governo (só não entende assim quem se ilude com o que será um governo Lula-Alckmin). É verdade também que Randolfe Rodrigues é parte da coordenação de campanha de Lula, mas não representa um perigo adicional ao PSOL, uma vez que a sua posição já é representada pelo bloco “PSOL Popular”.

Contar com algumas parlamentares com independência frente ao possível governo Lula-Alckmin, aumenta a nossa margem de manobra, dá mais condições para a independência frente ao possível novo governo, não menos. 

A luta pelos rumos do PSOL segue em aberto, preparar a militância para as próximas e mais importantes batalhas

Como já afirmamos em uma série de publicações, compartilhamos com as organizações da esquerda do PSOL a mesma avaliação: o PSOL está sob forte risco de adaptação, risco representado concretamente pela relação que o PSOL estabelecerá com o possível próximo governo Lula-Alckmin, um governo de caráter burguês. Não pode restar dúvida de que esse é o projeto de parte da direção majoritária do PSOL, representada pelo bloco “PSOL Popular” (Primavera e Revolução Solidária). Não é a posição do bloco “PSOL Semente” (Resistência, Insurgência e Subverta), embora, contraditoriamente, esse bloco venha dando sustentação à direção do PSOL Popular.

São três batalhas fundamentais para a disputa do Partido.

As duas primeiras já têm data marcada, no dia 30 de abril, na Conferência Eleitoral.

Em primeiro lugar, a disputa pela candidatura própria do PSOL, tema fundamental para a defesa de um programa que aponte para o futuro, colocando como tarefa “número zero” para os socialistas a necessidade de derrotar Bolsonaro, mas apontando que não basta, para derrotar a extrema direita, a derrota eleitoral. É necessário um programa que toque nos privilégios da elite brasileira, algo, que certamente não será defendido pela candidatura Lula-Alckmin. Esperar um programa anticapitalista da candidatura de Lula, a esta altura dos acontecimentos, é muito além de alimentar ilusões. É uma batalha mais difícil, pois a posição do campo Semente neste tema está muito consolidada.

Para além do debate sobre candidatura própria, a Conferência votará um tema ainda mais importante: a possibilidade de o PSOL ser parte do próximo governo. Nesse tema, o bloco Semente, somado às organizações do Bloco de Esquerda, podem constituir maioria. É o momento de coesionar as organizações para aprovarmos uma resolução que seja definitiva quanto a esse tema, que afirme que o PSOL não participará de um eventual governo Lula-Alckmin.

A terceira batalha se dará em São Paulo. No principal estado do País, Boulos retirou sua candidatura ao governo do estado, numa movimentação que sinaliza sua disposição de integração ao projeto petista, integração que teria como contrapartida o apoio do PT a Boulos na eleição de 2024 na capital. Derrotar a política de adesão à candidatura de Haddad é fundamental para quem defende a independência do Partido, pois parte do “acordo” de Boulos e Juliano Medeiros com o PT, para a retirada da candidatura, é “entregar” o apoio do PSOL a Haddad, que ainda tenta o apoio de Márcio França, mas já tem o Solidariedade e o apoio, ainda que informal e dividido, de ninguém menos que Geraldo Alckmin. 

A esquerda do Partido precisa concentrar todos os esforços para essa batalha. Pois neste tema é possível vencermos. O fiel da balança será, novamente, o “PSOL Semente”, que ainda não fechou posição sobre o tema. Aqui, vale dois registros para o debate com os companheiros:  primeiro, se no cenário nacional Bolsonaro pode justificar um apoio ao PT no primeiro turno, não cabe nenhum paralelo para o cenário estadual, onde o desafio é derrotar os quase 30 anos de PSDB à frente do governo. Não é possível falar em “derrotar o tucanato” com o apoio do três vezes governador Geraldo Alckmin; em segundo lugar, já é veiculado na mídia, a negociação do “PSOL Popular” pela indicação de Juliano Medeiros para a chapa de Haddad “ou como vice ou para o Senado” conforme noticiado, ocupar o cargo de vice vai contra o princípio de não compor o governo, além do fato de a articulação ocorrer completamente por fora das instâncias partidárias (como foi a da retirada de Boulos). Uma afronta à militância partidária.

Essas são as batalhas fundamentais, para as quais todas as organizações do PSOL que vem da tradição do marxismo revolucionário devem dedicar todos seus esforços. Essas batalhas podem definir o futuro do PSOL. Ainda há luta, e o mais importante, é possível vencermos!


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