Esperando Haddad?!
Tal qual a peça de Beckett, a militância do PSOL paulista vive momento de angústia. Godot é um personagem que nunca aparece, em que pese a espera dos protagonistas.
A definição das candidaturas majoritárias entrou no seu momento decisivo. Após o quadro nacional ser melhor definido, os holofotes se voltam para as articulações estaduais. Bolsonaro já perfilou seus candidatos prioritários, montando os tão necessários “palanques” que replicarão sua agitação golpista e reacionária. A chamada “terceira via” administra sua falência, com Dória sendo o máximo símbolo da sua derrocada. Por sua parte, Lula atua com a direção do PT para concretizar, em distintas velocidades, o “núcleo” de sua estratégia, a saber: hegemonizar o espaço da oposição de esquerda a Bolsonaro, colocando sob seu controle as diferentes expressões e correr à direita e ao centro, para soldar com potência seu projeto de conciliação de classes. Não é o objetivo desse artigo aprofundar ambos os movimentos, caraterísticos da essência da estratégia lulista.
Dentro desse “teatro de operações”, há São Paulo. Dentro do raio de ação de forças políticas, há o PSOL. Assim como as definições gerais vão sendo atualizadas, a campanha de São Paulo cobra resoluções em relação às chapas principais. Lula já se “acertou” em Minas, onde rifou o candidato petista ao senado para apoiar a chapa de Kalil e Alencar, do PSD. Pendentes estão o Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Rio de Janeiro, onde Lula promete “ampliar” ainda mais o leque. Seu objetivo principal agora é buscar o PSD, parte dos barões do MDB e mesmo as alas do tucanato que estejam disponíveis de imediato, coisa que a fórmula com Geraldo Alckmin assentou. Ainda assim, falta São Paulo.
O PSOL caminhou de forma acrítica para os braços do lulismo. Apesar da resistência e do combate de 44% do Partido, sua ala esquerda, a direção e lideranças com Boulos construíram um pacto nada transparente, confundindo apoio pontual com costuras programáticas nada sólidas. Uma vez mais, não é apenas um problema de apoiar Lula, pois a ala esquerda já tinha aventado a hipótese de retirar a candidatura caso estivesse colocada a hipótese de vitória do PT no primeiro turno (o que positivamente, parece estar se colocando), mas a forma subordinada que o PSOL adere ao processo.
Entretanto, uma das táticas para compensar essa diluição é justamente reforçar as candidaturas majoritárias do Partido, nos estados. Em Minas Gerais, o Partido de forma unânime caminhou nessa direção. A campanha de Lorene Figueiredo ao governo e Sara Azevedo ao Senado começa a empolgar o ativismo com um centro muito nítido contra a mineração e os grandes capitalistas. Um bom exemplo. Poderíamos citar Pedro Ruas no Rio Grande do Sul, que acumula mais de 6% em algumas pesquisas de opinião. E outros camaradas, que Brasil afora estão crescendo na disputa majoritária defendendo o programa de mudanças que o PSOL encarna.
A situação fica mais complicada quando chegamos ao limite em São Paulo. Haddad é o candidato prioritário de Lula e símbolo da aliança entre PT e Alckmin, uma renovação que combina elementos do lulismo e do chamado “tucanistão”. Bebendo em fontes teóricas que Haddad não esconde, as quais Frazer denunciou como “Neoliberalismo progressista”, mas que no nosso escopo conceitual também definimos como social-liberalismo. O PSOL ainda não se definiu, com a direção estadual cumprindo um papel nefasto de esconder das bases as negociações, mantendo nas cúpulas os debates, sem qualquer possibilidade de discussão democrática. Como o PSOL tinha votado uma tática de candidatura própria e investiu recursos e militância para essa construção, uma conferência ou espaço aberto deveria ser feito para tomar uma decisão que significa a negação de uma resolução congressual. Não será feito. Quando Boulos decidiu ser candidato a deputado federal, três posições se expressaram diante do impasse: a construída pelo grupo mais próximo de Boulos, de que o PSOL deveria apoiar Haddad; a protagonizada pelo Bloco de Esquerda e pelo MES, de candidatura própria, com o nome da vereadora mais votada de Campinas, Mariana Conti, sendo disponibilizado para cumprir- e muito bem!- tal tarefa e uma terceira, do campo político Semente, afirmando que só seria possível uma aliança com Haddad sob determinadas condições.
Nos últimos dois meses, o Partido esteve atravessado pelas três posições, ainda que com algumas diferentes gradações: os que apoiam Haddad incondicionalmente atuaram para ter o mínimo de debate possível, utilizando o método de “fato consumado”, fazendo exigências genéricas ao PT, tão tímidas como foram suas críticas à indicação de Alckmin como vice. Da parte do Bloco de Esquerda, a pré-campanha de Mariana realizou atividades e discussões nos diretórios, viajando o estado inteiro, encampando propostas e construindo referências e um programa. O campo Semente emite sinais contraditórios, ainda que sua posição seja a mais importante: numericamente é o fiel da balança.
Vejamos de perto o que afirma o Semente. Formado pelas correntes ligadas à tradição trotskista, o campo Semente é composto pela Resistência, Insurgência e Subverta. Tem afirmado que o PSOL não deve integrar o futuro governo Lula, ainda que na conferência nacional eleitoral não tenham adotado uma resolução definitiva a respeito do assunto, que será examinado num fórum mais restrito- o Diretório Nacional- em dezembro. Sobre as candidaturas próprias, o Semente tem adotado posições diversas: apoiou em Minas Gerais), se dividiu no Rio de Janeiro, onde uma parte, a corrente Resistência votou a favor de candidatura própria. Em São Paulo, como dito, colocaram condicionantes.
Em quais condições o campo político “Semente” aceitaria uma composição com Haddad? Essa questão é central, pois os votos do campo político “Semente” definirão a tática eleitoral do PSOL em São Paulo. Para o “Semente”, duas questões seriam centrais: a não participação de França e seu grupo na chapa de Haddad e a indicação de um nome do PSOL para o Senado, além de avaliar qual o peso que Alckmin teria na campanha.
O tempo político está se esgotando. O PT já fixou junto ao PSB o prazo para fechar as chapas estaduais: dia 15 de junho. Até lá, tal qual a peça de Beckett, o PSOL segue esperando Haddad.
O que fará o PSOL e o campo político Semente? Até aqui, as indicações são que o PSOL não tem assegurado seu lugar na chapa e de que o PT não medirá esforços para atrair França, oferecendo ao PSB o Senado e a cadeira de vice. A chapa petista já conta com o Solidariedade, de Paulinho da Força, e se cogita até o PSD de Kassab e Ramuth. Diante de tais condições, o PSOL deve concretizar o debate político para assegurar que a decisão seja tomada de forma democrática, marcando debates pela rede e junto aos diretórios municipais. E marcar a data da conferência eleitoral estadual.
Ao Semente, fica a responsabilidade de manter suas posições e indicar a votação dentro do PSOL a partir de seus compromissos anteriores, preservando o PSOL e colocando a campanha em marcha, deixando para trás os prejuízos da defasagem quanto ao lançamento de uma candidatura.
O PSOL marchar com Haddad no primeiro turno, numa coalizão com PSB e parte dos ex-tucanos de Alckmin, é um passo para adaptação e entrada em um futuro governo paulista. Seria uma mudança na natureza do PSOL SP.
Da nossa parte, já deixamos nítido que não seremos intransigentes quanto ao nome: quem puder unificar uma maioria terá nosso apoio. Da parte do Semente, se espera uma definição, na toada dos prazos colocados.
Uma candidatura própria em São Paulo é um imperativo para o projeto do PSOL enquanto alternativa independente.
O desfecho da estupenda peça de Beckett é uma alerta para todos os militantes do PSOL. Qual consciência de si mesmo ganhará o PSOL?