A profecia autorrealizada do campo Semente

A profecia autorrealizada do campo Semente

O debate sobre tática eleitoral em São Paulo tem desdobramentos estratégicos nos quais o campo Semente do PSOL tem grande responsabilidade.

Israel Dutra 7 jul 2022, 19:02

Na recente matéria do jornal Brasil de Fato, um dirigente petista refutava a presença do PSOL na chapa de Fernando Haddad para o governo do estado de São Paulo utilizando o argumento de que Juliano Medeiros, o nome cogitado pela maioria do PSOL, não teria sido “testado nas urnas”.  

Não concordamos com esse tipo de debate.  Para entender o que está acontecendo nessa importante negociação, temos que sair do mundo da aparência e buscar as questões de fundo, por detrás das forças políticas e sociais que estão em debate. 

Como já definimos, Haddad e o PT precisam fechar uma chapa “ampla”, ou seja, bastante palatável ao conjunto da burguesia e do establishment paulista. Uma ala do PSOL quer ser parte da chapa do futuro governo (se possível na condição de vice) e tecer um bloco mais orgânico e permanente com o PT. A contrapartida desse bloco seria uma aliança para 2024 nas principais prefeituras do estado, com destaque para a capital paulista, onde Boulos não esconde seu desejo de disputar novamente a prefeitura.  

Dentro do PSOL, contudo, esta ala de Boulos e Juliano Medeiros, chamada PSOL Popular, não tem maioria para impor sua linha.  Seu bloco tem o mesmo peso que o Bloco da esquerda partidária, com pouco mais de 40%. A posição de liderança dentro da direção nacional e local do Partido se deve a composição de um “campo*” mais amplo, chamado “PSOL de todas as lutas”, com os setores agrupados no chamado campo “PSOL Semente”. Fiel da balança nas votações partidárias, com 15%, o chamado “Campo Semente”, não compartilha da estratégia política do PSOL Popular.  

Após a conferência eleitoral, contudo, o PSOL está dividido sobre três temas: 

– o caráter do apoio à Lula;  – a necessidade de candidaturas próprias nos principais estados do país; – a participação em governos burgueses de conciliação de classes. 

O campo Semente defendia no começo do semestre dois pontos fundamentais: a não participação nos governos e candidaturas próprias nos estados centrais (MG, RJ e SP).  

Os quadros da Resistência afirmaram diversas vezes que o PSOL deveria ter candidato ao governo de SP.  Deborah Cavalcante, uma das principais dirigentes, escreveu em artigo, em 21 de março, condições para que o PSOL pudesse compor a chapa com Haddad. Foi bastante aguda na definição de que 

“Uma repetição dos marcos da chapa nacional, com PSB de Alckmin e França e/ou com partidos do centrão, empurra o PSOL para a candidatura própria. Não é possível apresentar uma alternativa política transformadora ao lado dos ex-governadores que promoveram ataques contra o povo e o desmonte dos serviços públicos. Uma chapa com esta natureza não poderia defender o programa necessário para enfrentar a crise com um programa que responda às emergências do povo pobre.” 

Nos meses que se seguiram, contudo, o que se verificou foi a interdição do debate entre a militância do PSOL, onde as negociações foram e estão sendo feitas sob quatro paredes; não se apresentaram exigências programáticas ao PT e Haddad, não se reuniram instâncias partidárias para discutir quais seriam os nomes e eixos que o PSOL levaria para sociedade, e o campo Semente não informou qual seria sua linha para tal situação. 

No próximo sábado, em ato político, na cidade de Diadema com a presença de Lula, será anunciada a chapa de Haddad com Márcio França. Ainda que alguns dirigentes do PSOL sigam plantando na imprensa que pretendem ter a vice ou lançar candidatura ao senado, os rumores são de que França não desiste de ser o nome exclusivo da chapa e que nomes como o de Jonas Donizette, ex-prefeito de Campinas, seria o preferido para vice de Haddad. 

A militância sequer está informada por sua direção do que está em debate. 

O que aconteceu foi uma verdadeira estafa. Uma após outra reunião da executiva estadual do PSOL cancelada, a tentativa de contatos com as direções do campo semente e o adiamento das discussões.

Diante do silêncio sepulcral quanto a necessidade de debater a tática do PSOL, foi se consolidando a realidade já prevista. Haddad ao governo, França ao senado e o PSOL rendido. 

Estamos no pior dos mundos. O campo Semente se debate com suas contradições: a linha de não romper a aliança interna “PTL” a todo custo leva a uma linha de aceitação, sem volta das condições impostas pelo grupo de Boulos e Juliano. Sem preparar o debate para colocar um nome para entrar no debate – lembrando que retiramos o nome de Mariana Conti, informando oficialmente ao campo Semente que eles teriam condições de indicar um nome que se torna-se majoritário na conferência partidária – agora vai restar o argumento de que “é tarde”, ou inviável. A pergunta é, para além da metafísica, o que explica essa inação que deriva na lógica da aceitação de não ter candidatura própria? Porque o campo Semente optou, na prática, por tal definição? 

Essa questão se relaciona diretamente com as outras duas questões centrais no debate interno do PSOL. O campo PSOL Popular não apenas não esconde que quer ser parte do governo, como almeja estar (de forma pouco realista) no centro de um governo Haddad-França, indicando a vice. A discussão que foi adiada para dezembro, sobre participar ou não de governos, é atropelada, ao PSOL Popular manifestar e lutar, publicamente, para estar numa chapa “viável” com PT, no maior estado do país. A segunda questão, sobre como participar do processo eleitoral com Lula, se de forma pontual ou programática, também se coloca sobre a mesa, já que preparar-se para disputar o “plano de governo” de Haddad, é a mais nítida resposta do PSOL Popular para esse tema. 

A urgência do debate não está só na tática. Os próximos passos do PSOL terão desdobramentos estratégicos. 


TV Movimento

Balanço e perspectivas da esquerda após as eleições de 2024

A Fundação Lauro Campos e Marielle Franco debate o balanço e as perspectivas da esquerda após as eleições municipais, com a presidente da FLCMF, Luciana Genro, o professor de Filosofia da USP, Vladimir Safatle, e o professor de Relações Internacionais da UFABC, Gilberto Maringoni

O Impasse Venezuelano

Debate realizado pela Revista Movimento sobre a situação política atual da Venezuela e os desafios enfrentados para a esquerda socialista, com o Luís Bonilla-Molina, militante da IV Internacional, e Pedro Eusse, dirigente do Partido Comunista da Venezuela

Emergência Climática e as lições do Rio Grande do Sul

Assista à nova aula do canal "Crítica Marxista", uma iniciativa de formação política da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, do PSOL, em parceria com a Revista Movimento, com Michael Löwy, sociólogo e um dos formuladores do conceito de "ecossocialismo", e Roberto Robaina, vereador de Porto Alegre e fundador do PSOL.
Editorial
Israel Dutra e Roberto Robaina | 19 nov 2024

Prisão para Braga Netto e Bolsonaro! É urgente responder às provocações golpistas

As recentes revelações e prisões de bolsonaristas exigem uma reação unificada imediata contra o golpismo
Prisão para Braga Netto e Bolsonaro! É urgente responder às provocações golpistas
Edição Mensal
Capa da última edição da Revista Movimento
Revista Movimento nº 54
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional
Ler mais

Podcast Em Movimento

Colunistas

Ver todos

Parlamentares do Movimento Esquerda Socialista (PSOL)

Ver todos

Podcast Em Movimento

Capa da última edição da Revista Movimento
Nova edição da Revista Movimento debate as Vértices da Política Internacional

Autores

Pedro Micussi