Inação do Estado piora situação de desabrigados pelas chuvas em Alagoas
Governo decretou situação de emergência em mais da metade de seus 102 municípios
Pelo menos seis pessoas morreram e uma pessoa está desaparecida em função das cheias provocadas pelas chuvas que atingem Alagoas desde o último final de semana. Segundo a Defesa Civil, passam de 12 mil o número de desabrigados, e os desalojados chegam a 54 mil. Na manhã de quarta-feira (6), moradores de Maceió que foram acolhidos em abrigos de campanha organizados pela prefeitura fizeram um protesto para denunciar que os locais não têm insumos básicos, como água, colchão e comida. Conforme Josival Oliveira, do Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST), o sustento das famílias desabrigadas vem de doações realizadas por inúmeras entidades, movimentos sociais, empresários, igrejas etc.
“Tanto a prefeitura da capital quanto o governo do Estado estão sem conseguir executar um plano ágil para dar suporte às pessoas. Suas ações são lentas. Houve protesto na capital das famílias desabrigadas cobrando ações dos governos. Eles continuam esperando o aluguel social e o cadastramento para receberem o auxílio chuva do governo do Estado”, diz.Seis municípios do interior e parte da Capital estão sem luz, e 44 cidades ficaram sem fornecimento de água tratada. O governo do Estado já decretou situação de emergência em 56 de seus 102 municípios.“
Nas cidades do interior que foram atingidas pelas chuvas a situação é grave, também. Famílias desabrigadas estão em igrejas, escolas… Nas áreas rurais, as estradas foram destruídas pelas águas. Comunidades rurais estão ilhadas e isoladas sem poder sair e nem entrar. As prefeituras estão fazendo ações de assistência, distribuindo comida, levando para abrigos, mas não há ainda uma ação concreta que destine essas famílias para uma situação de segurança e bem-estar”, relata Oliveira.
Uma situação ‘previsível e evitável’
Na avaliação de Mário Agra — fundador do PSOL em Alagoas e pré-candidato da sigla ao Senado — toda essa situação era previsível e evitável.“Esse problema das enchentes em Alagoas é uma coisa que vem se repetindo em vários momentos. A primeira cheia que a gente tem conhecimento foi em 1914. Em 1949, morreram várias pessoas. Em 1969, em apenas uma cidade morreram 1,2 mil. Em 1989, de novo, houve uma outra grande cheia em Alagoas. Depois em 2000. Em seguida, 2010 e agora, esse momento. Fiz questão de citar esses anos todos porque é perfeitamente previsível. Isso é um ciclo de chuvas da região nordeste que atinge parte considerável de Alagoas e parte de Pernambuco. Talvez essa seja a cheia que fez menos mortes, mas que fez mais estragos. Por que isso vem acontecendo? Por falta de política de proteção aos rios”, esclarece Agra.
O mapa das bacias hidrográficas e regiões hidrográficas do estado de Alagoas indica a existência de 29 rios perenes e 23 temporários. Segundo Agra, a ocupação urbana e a exploração desordenada causaram assoreamento (acumulação de diferentes materiais nos leitos como, por exemplo, areia) nos rios, que ficaram mais rasos, o que facilita o transbordamento.“Por falta de uma política de recuperação dos leitos dos rios, seu aprofundamento por dragagem, recuperação das matas ciliares, vêm acontecendo alagamentos monumentais. Eles causaram poucas mortes dessa vez, é verdade, mas, em compensação, o número de desalojados é muito grande. Tem muita gente que saiu provisoriamente, mas há quem não pode voltar, porque teve a casa destruída”, relata, acrescentando que o governo Bolsonaro não fez investimento nenhum nessas áreas.
Conforme Agra, a grande maioria dos moradores das regiões ribeirinhas é pobre. Mas a inação do Estado quanto a situação de rios e lagoas é tamanha, que atinge cada vez mais o centro das áreas urbanas.“E a gente nem pode afirmar que houve um volume de água maior, o espaço para a água correr é menor”, comenta.O poder público também falha no controle das áreas de risco, na avaliação de Agra.“Já houve uma quantidade considerável de programas de construção de casas populares. Mesmo assim, como não há acompanhamento dessas áreas, quando a gente se dá conta estão ocupadas de novo”, diz.
Barragens aumentam risco de catástrofes
Outra ameaça a população alagoana diz respeito às barragens em situação de risco. Segundo estudo da Agência Nacional de Águas (ANA) apresentado em 2018, 21 barragens alagoanas correm risco de rompimento. Dessas, seis apresentam risco alto de colapso: Prado, São Francisco, Gulandim, Piauí, Bosque IV e Canoas. No ano passado, a prefeitura de Canapi, no Sertão de Alagoas, emitiu alerta para que as pessoas que moram próximas à barragem de Forquilha, na divisa com Pernambuco, deixassem suas casas pelo risco de rompimento dos paredões, em função das chuvas.“Se isso acontecer, será uma catástrofe maior ainda. Há muitas barragens em situação de risco e não se vê movimentação para evitar que aconteça”, finaliza Agra.