O acordo PT e PSOL no RS
Roberto Robaina analisa o acordo entre os partidos no Rio Grande do Sul.
O PSOL e o PT do Rio Grande do Sul fecharam um acordo inédito. Vão disputar o governo do Estado em uma aliança eleitoral. Foi um acordo que entusiasmou a militância dos dois partidos e suas bases sociais, além de produzir esperanças em dezenas de milhares de pessoas sem partido. Este texto busca, sinteticamente, mostrar como se chegou a esse acordo por parte da direção do PSOL gaúcho, em linha com suas bases teóricas e programáticas.
Como todos sabem, nacionalmente o PSOL definiu apoiar Lula desde o primeiro turno. O MES, corrente fundadora do PSOL, entrou, desde o início do debate eleitoral, sustentando o nome de Glauber Braga e o apoio a Lula no segundo turno, afirmando, ao mesmo tempo, que duas condições poderiam orientar a necessidade de apoio desde o primeiro turno ao candidato do PT:
a) A possibilidade de a esquerda ou centro esquerda correr o risco de não ir ao segundo turno e deixar que as forças fascistas e neoliberais disputassem as duas vagas; no plano nacional, era uma possibilidade remota, mas a posição do MES estava posta enquanto tese;
b) Caso existisse a possibilidade de uma vitória de Lula no primeiro turno, a tática de apoio ao seu nome também deveria ser considerada. Neste caso, pela natureza fascista do seu oponente. Essa posição foi externada por nós e por Glauber Braga nas disputas internas do PSOL.
No plano do Estado do Rio Grande do Sul, a condição “a” da política nacional do MES era a que estava posta. O candidato de Bolsonaro Onix Lorenzoni e o candidato do PSDB, Eduardo Leite, estão na frente em todas as pesquisas, empatados com 24%. O candidato do PT, Edegar Pretto, está em terceiro lugar, com 9 pontos, e o candidato do PSOL, Pedro Ruas, em quarto lugar, com 5%. Neste caso, o apelo pela unidade era lógico e se manifestava na sociedade.
Durante muito tempo, sustentamos que o candidato do PSOL tinha mais densidade eleitoral do que o candidato do PT (porque aparecia empatado com petista nas primeiras pesquisas e tem um passado ligado ao brizolismo que ampliaria o alcance da chapa) e fazíamos a proposta de encabeçar a chapa. O PT respondia com a proposta de o PSOL ocupar a vaga de vice ou senado. O PSOL insistiu em seu pleito até o final e realizou sua convenção. Votou o nome ao governo e ao senado com chapa pura. No dia seguinte, o PT lançou seu candidato ao senado, vaga que até então estava aberta. Foi o momento da virada, porque o nome de Olívio Dutra tem força. É o político mais respeitado do Rio Grande do Sul (o que não quer dizer o mais votado, já que perdeu as eleições para o senado em 2014) e provavelmente o político do PT mais conceituado no conjunto da esquerda brasileira como um líder honesto e com posições de esquerda. Guardando as devidas proporções, é uma espécie de Mujica brasileiro (embora, felizmente, sem os anos de sofrimento nas prisões e na tortura, o que, é claro, confere a Mujica um lugar único). A relação de forças havia claramente se alterado, e o PT dava a prova de que suas condições de enfrentamento ao candidato do fascismo e ao candidato do neoliberalismo eram superiores às do PSOL. Isso já poderia ser sustentado pelo fato de o PT ter mais tempo de existência, mais inserção, mais deputados estaduais, mais deputados federais e mais tempo de TV e rádio, além do nome de Lula. Tudo isso era certo, mas, ao mesmo tempo, nada disso provava que Edegar, sem o reforço de última hora de Olívio Dutra, tivesse alguma chance de produzir um movimento de massas capaz de lutar de verdade para evitar que as duas vagas fossem do neoliberalismo e do fascismo.
O lançamento de Olívio Dutra entusiasmou a militância do PT e de amplos setores da esquerda sem partido. Com Olívio, a disputa ao senado passara a ser possível, embora difícil, mas totalmente viável e crível a derrota da candidatura neoliberal de Ana Amélia Lemos, a candidata de Eduardo Leite, e do semifascista general Mourão, o vice de Bolsonaro. O general, em especial, confere uma importância política nacional ao senado do RS. Neste caso, a candidatura do PSOL ao senado não deveria se manter. Mas faltava ainda a disputa ao governo. Olívio se somando aos fatores relativos que já mostravam a força maior do PT em relação ao PSOL na possibilidade de encabeçar a chapa, mas que não eram suficientes para fazer uma disputa real para chegar ao segundo turno, agora abria uma nova realidade. Mas ainda faltava a energia de uma força militante mais jovem. Neste caso, cabia ao PSOL se apresentar. Por isso, era uma obrigação aceitar a proposta do PT de unidade, preocupação que também era a nossa.
A negociação envolveu a vaga de primeiro suplente ao senado na chapa de Olívio, com mandato coletivo e rodízio, e o lugar de vice-governador. O programa incorporou as principais bandeiras** do PSOL, e a aliança não incluiu nenhum partido burguês.
Foi um acordo inédito como são inéditas as condições do RS, embora um dos critérios que nos guiaram na construção das hipóteses para defender o apoio ao PT já no primeiro turno no plano nacional (item “a” acima) tenha sido claramente estabelecido. Enquanto em SP e RJ, o PSOL apoia sem presença na chapa, cujos lugares são ocupados pelo PT, PSDB e PSB, no RS não há partidos burgueses na aliança, e o PSOL tem as vagas de vice e primeira suplência do senado. Foi o melhor acordo regional entre PT/PSOL para o PSOL.
Mas o caso gaúcho tem, além disso, especificidades que reforçam esse caminho, que não apenas indica a necessidade do voto no PT já no primeiro turno, mas a possibilidade de uma aliança, não somente de um apoio para derrotar os neoliberais e os fascistas. Foi o que fizemos.
No plano nacional, a aliança de Lula é com o PSB, partido que recebeu um dos principais chefes da burguesia brasileira, Geraldo Alckmin. Lula tem um projeto de reconstrução da Nova República, e isso não se realiza sem uma ampla coalizão com um programa liberal. No RS, nenhum setor burguês está em aliança com o PT. Os setores ligados a Alckmin, por exemplo, são representados pelo candidato Eduardo Leite. Por isso que o PSB não fechou com o PT no Estado. Esse partido era base do governo Leite, e seu projeto é seguir sendo. Edegar Pretto, o candidato do PT, é a principal referência parlamentar do MST no RS, movimento que já não tem nem a força, muito menos a radicalidade do passado, mas que carrega as lutas do campo, do pequeno proprietário, da agricultura familiar, inserido, sobretudo, no interior, onde justamente o bolsonarismo é mais forte. Um interior dominado pelo latifúndio. Assim, o PSOL pode decidir rapidamente fechar a aliança e se comprometer nessa luta, ajudando com sua força e energia militantes uma chapa de Edegar-Ruas (com participação efetiva na campanha e no tempo de TV e rádio, pelo menos de acordo com o tempo que teria o próprio PSOL lançando candidatura própria), além de ser parte ativa da campanha de Olívio tendo o primeiro suplente.
A vitória de uma chapa assim para o governo, nas condições do Rio Grande do Sul, será possível somente se houver uma imensa mobilização social. Sabe-se que isso ocorreu na Colômbia e no Chile. O Brasil não tem essa situação. Para a vitória de Lula, uma mobilização social tão poderosa não é pré-requisito. É lógico que é muito importante, mas Lula pode ganhar a partir do acordo nacional que está costurando e com votos, numa ação de massas mais passiva, com menos peso da rua. Essa tem sido a política de Lula. Mas as mobilizações de massas e até as revoluções avançam muitas vezes com o chicote da contrarrevolução. E o bolsonarismo tem esse projeto. Lula também sabe disso. Por isso, esteve preocupado nacionalmente em atrair o PSOL e unir setores mais à esquerda, ainda que seu eixo seja a costura com as cúpulas das principais instituições. Mas o bolsonarismo vai atuar. Setores de massas estarão dispostos a responder. A eleição do RS será um lugar muito importante nessa disputa. Pode ser uma campanha de mobilização. Essa será nossa política. A unidade eleitoral será determinante. A aliança serve para isso. Era isso ou uma chapa de propaganda. Quando podemos mobilizar de verdade, limitar-se à propaganda é para quem aceita ser apenas testemunha. Não é o nosso caso.
*A chapa será composta por PT, PSOL, PCdoB, Rede e PV
**A direção do PT-RS decidiu incorporar os três
pontos programáticos apresentados pelo PSOL ao Plano de Governo da Federação Brasil
Esperança em âmbito estadual, que são: a revisão da adesão do estado ao Regime de
Recuperação Fiscal; o fim das isenções fiscais às grandes empresas e reformas agrária e urbana sob controle das organizações dos trabalhadores. Os pontos constam na nota publicada pelo PSOL em seu site.
Acordos
Acordo em SP – Governo PT, vice Rede ou PSB, Senado PSB
Acordo no Rio – Governo PSB, vice PSDB, Senado PT e PSB (sendo questionado)
Acordo RS – Edegar Pretto (PT) governador, Pedro Ruas (PSOL) vice, Olívio Dutra (PT) senador, Roberto Robaina (PSOL) primeiro suplente em mandato coletivo no Senado.