Polêmica com a CST: últimas palavras
Em defesa da disputa do PSOL como parte de um projeto estratégico.
A CST, via seu periódico, “Combate Socialista” (Nº 153), afirmou equivocadamente que a posição do MES de voto crítico em Lula para derrotar Bolsonaro, após a derrota interna da Oposição de Esquerda por 58% a 42% na Conferência Eleitoral do PSOL, “ajuda a fortalecer a conciliação de classes no Brasil”. Parte determinante do conteúdo expresso pela CST em seu jornal foi respondido na coluna movimentorevista.com.br/2022/06/a-necessaria-disputa-do-psol-como-parte-de-um-projeto-estrategico-uma-polemica-com-a-cst/ (03/06/2022). Contudo, no dia 06/07/2022, a CST publicou em seu site oficial a réplica sob o título: “Em resposta ao camarada Leandro Fontes e camaradas do MES”. Logo, não poderia me calar após o chamado “pomposo” de velhos camaradas do partido. Por isso, resolvi descer algumas linhas no que considero preponderante na resposta ao artigo escrito por Rosi Messias e Denis Melo da Coordenação da CST.
Nessa tréplica, me parece uma tolice e falta de bom senso repetir argumentos que já foram manifestados no artigo anterior. Tampouco gastarei tempo e energia com elementos opinativos sem qualquer contextualização, demonstração e comparação digna de nota. Por isso, nesse novo texto vou me deter há pontos estruturais que considero de nossa diferença no tempo presente.
Disputa do PSOL ou autoconstrução como fração externa?
O PSOL não está liquidado. Embora haja contradições e equívocos grosseiros no meio do percurso, a verdade é que a luta decisiva ainda está em curso no partido, que é: a batalha para que o PSOL não ingresse num possível governo de colaboração de classes Lula-Alckmin. Para tanto, apostamos e estamos trabalhando internamente para que a posição pela adesão seja minoritária, uma vez que a Oposição de Esquerda e setores do campo Semente já se pronunciaram contrários a essa hipótese. Quer dizer, uma posição crível no contexto de um partido em disputa sob uma maioria heterogenia de 56%, que em seu interior reúne um pouco mais de 10% de organizações que se reivindicam do trotskismo e construtores da IV Internacional. Estamos convencidos que essa posição não será algo menor no desenrolar dos próximos anos de nosso partido, assim como a relevância da conquista de mandatos parlamentares socialistas e independentes, vinculados a luta de classes e que não vacilem frente a pressão de um novo governo lulopetista (a CST sabe bem a importância desse vetor vide a luta dos Radicais em 2003 e a fundação do PSOL em 2004).
Entretanto, a CST afirma que “toda a política do MES, ao dividir os 44% e não apoiar um candidato da esquerda independente, debilita a verdadeira luta por uma esquerda revolucionária no PSOL”. Ora, das correntes nacionais que compuseram a Oposição de Esquerda, que reuniu os 44% no último congresso do partido, com exceção da CST, todas mantiveram-se na posição do voto crítico a Lula para derrotar Bolsonaro. Até mesmo Glauber Braga e Milton Temer, nossos nomes para presidência da república e governo do estado do Rio de Janeiro na luta interna, tiveram a mesma posição. Portanto, é falsa a afirmação que o MES dividiu os 44%. A verdade é que a CST, ao entregar suas cadeiras em postos da direção partidária e priorizar a relação com o PSTU e o MRT sob a fórmula eleitoral do “Pólo Socialista Revolucionário”, optou por abandonar a disputa dos rumos do PSOL e passou para uma orientação de autoconstrução por fora das fileiras do partido de esquerda com maior expressão social e política que (ainda) não foi domesticado pelo PT e a burguesia. Evidente que a direção majoritária do PSOL não contribui para a manutenção da independência do partido. Entretanto, o partido não se perdeu como um todo, o resultado do último congresso comprova essa análise. Por isso, é tão necessário o fortalecimento de um campo marxista revolucionário no interior do PSOL e que os 44% do último congresso seja o ponto de partida de uma virada interna. Para tanto, essa travessia não será fácil, de tal maneira, sem arredar pé dos postos avançados do PSOL, é preciso apostar na luta de classes como fator determinante que pode construir caminhos para uma nova direção partidária. Porém, lamentavelmente, o caminho que a CST escolheu, apartado da vanguarda e da militância psolista, passa longe do fortalecimento de um campo marxista no PSOL.
Chamar voto em Lula no 1º turno para derrotar Bolsoanro é uma traição?
Estamos convencidos que não. Assim sendo, em plena polarização nacional, o voto crítico numa candidatura de conciliação de classes com programa social-liberal contra uma candidatura de extrema-direita, com uma direção fascista e de estratégia golpista, não muda a natureza do PSOL. Entretanto, é preciso atualizarmos a situação concreta e a caracterização dos passos do bolsonarismo. Isto é, estamos falando de um governo que dirige uma coluna de rua mobilizada de extrema-direita, temperada na ideologia fascista e que está ávida por uma ruptura reacionária no Brasil. Mas, não só, o bolsonarismo, desesperado com a iminente derrota nas urnas passou para o contra-ataque, posicionando o Ministério da Defesa para “fiscalizar as eleições”, radicalizando seu discurso golpista que atiçou a ação de “lobos solitários” dispostos a fazer “justiça com as próprias mãos” contra a “ameaça vermelha”. Sob esse prisma é possível localizar as recentes ameaças de estupro e de morte para a deputada federal do MES/PSOL, Sâmia Bonfim, os assassinatos de Marcelo Arruda em Foz de Iguaçu, de Dom e Bruno, as bombas fecais em atos em Minas e no Rio, além da mobilização do 7 de setembro, preparada como uma espécie de “ensaio geral” do golpe. Tudo isso sem falar do negacionismo criminoso que abateu mais de 600 mil brasileiros na pandemia. Portanto, não estamos tratando de uma disputa entre setores da direita liberal que defendem a manutenção do regime democrático burguês. Pelo contrário, o bolsonarismo é de natureza fascista e, portanto, não esconde que um dos seus objetivos primários é liquidar com a esquerda e suas representações.
Por isso, diante da situação concreta, julgamos que o voto em Lula no 1º turno seja um caminho legítimo escolhido por setores de massas e a vanguarda brasileira que deseja tirar Bolsonaro do poder imediatamente. De nossa parte, batalhamos para que o PSOL tivesse candidatura própria no 1º turno, sem diminuir o compromisso de votar em Lula contra Bolsonaro no 2º turno. Essa fórmula, logicamente, dependia do resultado da luta interna do PSOL. Mas, ao mesmo tempo, nela estavam embutidas duas condições de apoio a Lula no 1º turno: 1) de a esquerda e/ou a centro-esquerda não chegar ao 2º turno; 2) caso a candidatura Lula reunisse forças para vencer no 1º turno. Os fatores objetivos, tanto da resultante do partido, quanto da hipótese de vitória no 1º turno, conduziram as águas para o apoio crítico com a ressalva de não composição do governo. Ou seja, os marxistas uniram forças com a socialdemocracia nas eleições contra uma extrema-direita, de direção fascista, que reúne 29% do eleitorado e tropa na rua disposta ao enfrentamento físico.
A CST, por sua vez, defende que deveríamos “aproveitar o primeiro turno para apresentar as pautas operárias e populares”. Se fosse apenas uma questão de “dar o voto”, poderiam ter esperado o segundo turno e, então, dar o voto crítico contra Bolsonaro, como fizemos em 2018”. Em seguida afirmam a “Frente de Esquerda e Socialista com a UP, PCB e o Pólo Socialista” como fórmula eleitoral. Quer dizer, estão defendendo de modo propagandista uma frente que não existe na prática (e não existirá) com partidos, comparados ao PSOL, marginais na influência de setores de massa. Contudo, nota-se, no mesmo texto, que não há objeção em chamar voto em Lula no 2º turno contra Bolsonaro como foi feito em 2018. Isto é, a CST que fez campanha para Lula, desde o 1º turno, com o PL do industrial José de Alencar em 2002 para derrotar os tucanos, agora agita que a aliança com Lula no 1º turno contra o bolsonarismo é um “crime político” porque a chapa não apresenta independência de classe. Evidentemente, as circunstâncias de 20 anos atrás eram outras, mas se aplicarmos o critério da CST como um princípio, era para essa organização ter apoiado a candidatura do PSTU em 2002 e não do Lula. E, por outro lado, como parte das correntes do PSOL, deveria apoiar a chapa gaúcha sem setores burgueses: com Pretto-Ruas ao governo contra o bolsonarista Onyx e o neoliberal Eduardo Leite. Entretanto, a CST, seguindo sua linha de autoconstrução como fração externa optou, a priori, apoiar as candidaturas de propaganda do PSTU no RS e, consequentemente, desertaram das fileiras que podem derrotar Mourão, o vice de Bolsonaro, protofascista co-responsável pela tragédia do povo brasileiro. Secundarizar esse objetivo, ignorando os nomes de Olívio Dutra e Roberto Robaina na raia do senado, é priorizar dogmaticamente um esquema e a autoconstrução numa bolha, uma orientação compatível de seitas sectárias que negam a realidade.
A verdade dos fatos na divisão
Os companheiros da CST sustentam que a posição do MES pela ruptura definitiva em 2002 “para apoiar os governos reformistas burgueses de Chaves” e governos burgueses do Syriza e Podemos. Para isso utilizam uma passagem do livro de Pedro Fuentes (Setenta anos de lutas e revoluções na América Latina, P. Fuentes, Página 141) para contextualizar sua crítica. Mas, “astutamente” não mencionaram a página 150 da mesma obra que aborda de modo contundente os limites do chavismo. De todo modo, a trajetória do MES comprova que a CST está errada. A começar pela incongruência: se a orientação era simplesmente por “apoios a governos reformistas burgueses” porque o MES foi parte destacada da vanguarda que rompeu com o PT em 2003, que dirigia um governo “reformista burguês”? E, consequentemente, se separou do dirigente espanhol Aníbal Ramos, na qual nutrimos uma parceria até este declarar apoio ao governo Lula?
A verdade é que a divisão se deu por diferenças de fundo teórico-político que foram documentadas e que na coluna anterior (03/06/2022) havia destacado sumariamente algumas que julgava importantes para o debate. Assim sendo, a ruptura se deu por conta da atualização de parte das teses utilizadas por nossa corrente histórica mais de uma década após o falecimento de Nahuel Moreno. Essa nova elaboração pretendia responder e armar a organização para o início do século XXI e que abarcava novos processos. Para tanto foi necessário revisão crítica de algumas categorias e elaborações, como:
1) A caracterização de que há uma situação revolucionária mundial na qual ocorrem revoluções ainda que não se tome o poder;
2) A definição de que todas as direções que não são revolucionárias fazem parte de uma frente contra-revolucionária mundial, que explica porque as revoluções são freadas e/ou traídas;
3) A transformação da dinâmica de fevereiro a outubro da revolução russa em um modelo, considerando que todo o movimento insurrecional ou semi-insurrecional é uma revolução de fevereiro que pode abrir o processo de outubro;
4) A orientação de construção da Internacional ao redor do desenvolvimento de um partido que tenha êxitos na luta de classes;
5) A construção do Partido a partir do acúmulo proveniente essencialmente da denúncia das direções e da agitação;
6) Um regime de partido politicamente homogêneo como uma fração.
A revisão crítica desses pontos, somado com novas elaborações, foi chave para o MES caracterizar o período histórico e dar um salto em sua construção, resgatando as consignadas democráticas e de frente única antiimperialista (extraída das Teses do Oriente – parte das resoluções do terceiro congresso da III Internacional dirigida por Lênin), aplicadas por Moreno nos anos 1950-1970, como parte da nova elaboração, assim como a definição da construção de partidos com base no reagrupamento de correntes marxistas e forças socialistas. Essa elaboração foi chave para a fundação do PSOL e para diferenciarmos as três direções do chamado “progressismo” na América Latina. Quer dizer, não colocamos no mesmo saco: Chávez, Lula e o castrismo cubano. Mas, é preciso dizer, Chávez foi de longe (até um determinado patamar) o líder da esquerda latino-americana que mais se chocou com o imperialismo, sua vitória eleitoral em 1998 foi produto direto de um movimento revolucionário que teve início no Caracaço (1989), Chávez venceu um golpe de estado em 2002 e voltou ao Palácio Miraflores no braço do povo venezuelano. Portanto, não estamos tratando de algo comum na história da luta de classes na América Latina. Pelo contrário, nossa leitura é que governos “progressistas” da Bolívia, Equador e, principalmente, da Venezuela eram parte de um fenômeno novo que julgamos ser insuficiente a armação de “Trotsky do bonapartismo sui generis. Tampouco foram governos kerenskistas como os de Allende e Torres, que estavam mais suspensos entre a mobilização e a direita e por isso tinham uma vida curta; tomaram medidas progressivas como eles, mas viveram situações prolongadas no poder” (FUENTES, 2021).
Não é objetivo dessa coluna entrar no detalhe da elaboração de um período que já passou. Porém, quem desejar conhecer e aprofundar esse tema, recomendo a leitura do livro de Pedro Fuentes. Todavia, vale aqui ressaltar que a elaboração do MES, utilizando a orientação de Frente Única Antiimperialista, definiu a Venezuela, no auge da radicalização de Chávez, como um país independente, levando em conta o fato que este havia deixado de ser um país semicolonial do imperialismo. Assim sendo, tratava-se de um processo de rupturas políticas que necessitavam ser aprofundadas. Essa elaboração permitiu nos diferenciamos de duas posições erradas frente ao chamado “progressismo”: uma era o apoio acrítico, adesista e diluidor ao processo bolivariano e sua direção; o outro, que se restringia ao enquadramento que tudo aquilo (Venezuela, Bolívia e Equador) não passava de governos burgueses. Nossa política, por outro lado, permitiu a organização crítica e independente da direção chavista, sendo parte do movimento bolivariano e, ao mesmo tempo, nos orientou para estarmos junto com Chávez em pautas radicais de esquerda, como à cassação da concessão da golpista RCTV (uma espécie de Globo venezuelana). Lamentavelmente, setores que se reivindicam da escola morenista, como é o caso do PSTU-LIT (que a militância da CST está apreendendo a conviver mais de perto), acabaram defendendo paradoxalmente a RCTV contra Chávez.
É preciso romper com o dogmatismo de tipo “eclesiástico” e ter ousadia para novas elaborações como ensinaram os maestros do marxismo revolucionário
A base para um militante de esquerda seguir atuando sem desvios, principalmente em tempos difíceis, é a formação marxista. No entanto, o marxismo não é um dogma. Pelo contrário, é uma ciência aberta, mas, também, um movimento que detém o programa e o método para emancipação da classe trabalhadora. Portanto, o marxismo não foi superado por outra “doutrina”, não é à toa que Lênin, Rosa e Trotsky se reivindicavam fervorosamente como discípulos de Marx e Engels. O que não os impediu, evidentemente, de, sob as bases do marxismo, elaborarem para a ação em seu tempo e espaço. Por isso, para Lênin, a ditadura do proletariado defendida por Marx era insuficiente para se enquadrar na Rússia, de tal forma, foi preciso uma nova elaboração que se encaixasse no contexto russo, que foi: a ditadura democrática do proletariado e do campesinato. Essa elaboração não foi fruto do nada e para ela ser implementada, foi preciso uma composição do partido bolchevique com os SRs de esquerda. Mas, qual era a natureza dos SRs de esquerda? Era justamente um partido pequeno-burguês radicalizado que primava sua atuação e programa político para os camponeses. Quer dizer, a revolução russa, pelas particularidades de um país atrasado, teve forma que não foi prevista pelos fundadores do socialismo científico.
Trotsky, na mesma direção, em “90 anos do Manifesto Comunista” (1937) descreve sem rodeios que o Manifesto, embora sua genialidade, requer correções e complementos. Mais do que isso, Trotsky crítica e busca corrigir pontos textuais do trabalho de Marx e Engels e conclui que sob as condições da época imperialista, o Manifesto, deve ser complementado pelos documentos dos quatro primeiros congressos da III Internacional, pela literatura bolchevique e pelas teses conferências do movimento pela IV Internacional.
Nahuel Moreno, por sua vez, contribuiu com aportes teóricos importantes. Entretanto, em relação a obra de Lênin e Trotsky, os aportes de Moreno não traduzem relevo superior, tampouco Moreno teve tal busca. Pelo contrário, Moreno orientou intervenção defendendo o “trotskismo ortodoxo” e, como um marxista dinâmico, elaborou e formulou à luz da dinâmica da luta de classes do seu tempo e se destacou na construção de organizações de combate e inseridas no movimento operário na América Latina. Entretanto, Moreno, que fundou uma corrente internacional sendo parte constitutiva do movimento trotskista, escreveu “A atualização do Programa de Transição”, entendo que era preciso ajustar o programa trotskista à luz dos efeitos concretos do pós-guerra que evidentemente Trotsky não presenciou.
Portanto, é preciso elaborar tendo em conta as bases e os princípios do marxismo. Porém, ainda não é o suficiente. Para além de elaborar sobre novas etapas e períodos históricos, é preciso intervir em processos reais, disputar a influência de massas e, paralelamente, seguir avançando numa vanguarda disposta a empurrar a revolução para frente. Por isso, os revolucionários, trotskistas em especial, não podem se isolar. Nesse ponto Moreno foi um dos principais dirigentes trotskistas que lutou incansavelmente contra a marginalização. Mas, como romper a marginalização? Apostando no movimento operário e em processos revolucionários, mesmo com direções pequeno-burguesas não-marxistas como foi o caso da Nicarágua. Contudo, igualmente, buscando confluência à luz de processos reais e ao redor do programa. Fala-se muito das divisões, mas Moreno foi parte atuante em reunificações (com o SU dirigido por Mandel) e tentativas de fusões, como foi o caso com o lambertismo. Portanto, fechando esse texto de debate com os camaradas da CST, Moreno não construiu uma igreja, tampouco Trotsky e Lênin. Já basta um pastor sem igreja pregando o obscurantismo no partido. Apenas registro que o MES não se guia por dogmas, mas busca aplicar aquilo que os maestros do marxismo revolucionário ensinaram, inclusive na crítica e na necessidade de novas elaborações impostas pela vida. Assim sendo, de minha parte, paro por aqui, as tarefas não me permitiram responder à quente o artigo de Rosi Messias e Denis Melo, e, minha cabeça irá girar 100% nas próximas semanas para a derrota de Bolsonaro no 1º turno das eleições e no triunfo eleitoral de candidaturas vinculadas ao marxismo e a luta de classes. Espero rever a CST em breve na mesma trincheira do partido, defendendo um PSOL independente e anticapitalista.
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