‘Mesmo sem mandato, continuarei sendo uma liderança’
Vivi

‘Mesmo sem mandato, continuarei sendo uma liderança’

Vivi Reis, deputada federal pelo PSOL/PA, avalia atuação e projeta futuro fora da Câmara

Tatiana Py Dutra 19 out 2022, 13:20

Foi a eleição do então deputado federal Edmilson Rodrigues à prefeitura de Belém (PA), em 2020, que conduziu sua suplente, Viviane da Costa Reis, da militância social paraense ao centro do poder Legislativo Nacional.

A fisioterapeuta formada pela Universidade do Estado do Pará (UEPA) filiou-se ao PSOL em 2011, sempre com participação ativa em movimentos sociais, estudantis, feministas, LGBTQIA+, e na defesa da proteção da Amazônia e seus povos.

Esse conjunto de pautas serviu de bagagem para a jovem parlamentar estabelecer sua atuação na Câmara dos Deputados. Em menos de dois anos, além de defender suas causas, se destacou por fazer parte da Procuradoria da Mulher e como relatora da comissão externa que acompanhou as investigações e desdobramentos das mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, e foi eleita a melhor deputada federal do Pará pelo Prêmio Congresso em Foco 2021

Candidata à reeleição, em 2 de outubro recebeu 53 mil votos, sendo a candidata mais votada do PSOL no Estado. Desafortunadamente, o apoio expressivo não lhe garantiu a permanência no Legislativo Federal. Porém, o fim do curto mandato só parece preocupá-la em um aspecto: outros nomes de oposição, como Perpétua Almeida (PC do B) e Joênia Wapichana (Rede), também defensoras das causas amazônicas, não se reelegeram. Para Vivi, isso pode representar perigo iminente à saúde da floresta e seus povos – especialmente em uma composição parlamentar que inclui agora Ricardo Salles, o ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro que lutou para destruir os recursos naturais do Brasil. 

Sobre a continuidade de suas lutas, ela não tem dúvida: o trabalho prossegue com ou sem mandato.

“Vou continuar fazendo denúncias, participando ativamente dos movimentos, me posicionando, mostrando a cara da luta das mulheres negras amazônidas. Vou continuar nas lutas sociais, na defesa dos direitos humanos. Eles se incomodam com quem se levanta, luta e se posiciona porque sabem que precisam nos silenciar para seguirem implantando esse projeto de morte e de ataque aos direitos. Nossa resposta política tem de ser a coragem daqueles que se organizam coletivamente e seguem lutando com ou sem mandato”, afirma.

A seguir, confira trechos de entrevista concedida pela deputada para a Revista Movimento, na qual avalia o mandato, projeta o futuro e adverte para ataques dos novos eleitos à região amazônica.

Revista Movimento – A bancada do PL e de outros partidos da extrema direita cresceu nas últimas eleições. A partir do ano que vem, inclusive, a Câmara contará com dois ministros que tiveram ações nocivas contra a região amazônica, como Ricardo Salles e General Pazuello. Como a senhora acha que figuras como essa vão impactar a vida dos povos dessa região?

Vivi Reis – Vejo que os ministérios foram trampolins para alguns candidatos a deputado federal e senador, que conseguiram seguir defendendo a política bolsonarista e foram eleitos. Aqui no estado do Pará, a bancada do PL cresceu, e isso é bem grave. Vamos ter além dos tradicionais bolsonaristas, mais um deputado estadual que foi eleito à Câmara, e que vai aplicar essa política de morte. Em relação à Amazônia, uma coisa que me preocupa muito é porque a maioria dos deputados federais de oposição não foi eleita. Figuras como eu própria, Bira do Pindaré, Joênia Wapichana, Perpétua, Zé Ricardo… Candidatos e candidatas que foram muito bem votados mas não foram eleitos. Essa é uma preocupação pois significa que a Amazônia vai estar em uma situação de perigo. Se tínhamos deputados federais que demarcaram posição, que se apresentavam como alternativa, que apresentavam política concreta em defesa da região, que barraram projetos que fossem danosos para os direitos dos povos amazônidas, para a questão ambiental, não teremos mais. E mesmo que o Bolsonaro perca a eleição, ainda vamos ter de lutar contra o bolsonarismo. Imagina só, Lula presidente mas com uma Câmara Federal que terá nomes como Salles, e um senado com Damares Alves, e ex-ministros que vão querer passar projetos, fazer barulho e fake news cheios de autoridade. Bolsonaro perder a eleição é só uma etapa do combate. Após a eleição, teremos de continuar lutando, participando de movimentos e buscando construir uma política com outro perfil. Lula ficará na mão de uma bancada de direita, e a sociedade civil vai ter de se posicionar dentros dos movimentos sociais, do movimento feminista, ambientalista e mostrar que não vamos aceitar um Brasil em que os fascistas querem dominar e aplicar sua política negacionista.

Revista Movimento – A senhora é relatora da comissão externa da Câmara que acompanhou a investigação de Bruno Pereira e Dom Philips, e as ameaças aos povos originários sempre foi uma pauta que a senhora defendeu. Como está a situação no Vale do Javari hoje?

Vivi Reis –  É uma situação que não começou nesse governo, mas, a partir de Bolsonaro, as pessoas que atacam ambientalistas e defensores dos direitos humanos se sentiram fortalecidas a fazer isso de forma mais incisiva e violenta. Mas além da ameaça e do ataque direto à vida, há formas indiretas de prejudicá-los. Recentemente, saiu uma reportagem sobre as mulheres mundurukus que estão sendo contaminadas pelo mercúrio do garimpo ilegal. Essa também é uma forma de atacar a vida, atacando o meio ambiente com desmatamento – que no governo Bolsonaro cresceu 73% -, e com o garimpo ilegal. Essas práticas atingem diretamente a cultura, os territórios e os povos tradicionais. As mulheres mundurukus estão sentindo em sua pele, em sua saúde, a contaminação pelo mercúrio, e estudos apontam que as lactantes podem passar a contaminação para os seus filhos. Isso também é uma forma de exterminar a vida de povos que têm cultura riquíssima e que defendem a Amazônia. A isso se soma a ataques diretos à vida de lideranças, indígenas, ribeirinhos e povos periféricos.

Revista Movimento – Recentemente, a ex-ministra e senadora eleita Damares Alves fez declarações bárbaras sobre exploração sexual infantil no Pará, em especial da Ilha do Marajó…

Vivi Reis – A gente já sabe que essas informações que Damares diz que tem, na verdade não existem. Já saíram informações de que se trata de fake news. Se fosse verdade, ela teria de provar o que falou e prestar conta de suas responsabilidades já que, como ministra, como ela vai tomar conhecimento de uma situação tão grave e não fazer nada? Ela então é conivente com esses crimes? Então, de qualquer forma ela está errada. Damares está mais uma vez querendo apontar o Pará, para a região do Marajó, como alvo porque tentou ser candidata ao Senado por aqui e, como viu que não ia conseguir, se candidatou pelo Distrito Federal. É um absurdo essa mulher ter sido eleita, porque sua prática, relacionada com a política do Bolsonaro, é um desserviço para a luta das mulheres. Ao invés de avançarmos na defesa de direitos, retrocedemos, porque ela ameaça a vida das mulheres e a vida das crianças. Nossa posição é a de denunciar essas falas e atitudes da Damares e entender que a gente vai ter um trabalho muito grande com essa mulher no Senado, porque ela vai querer fazer política baseada em fake news, mexendo com o sentimento, com a religiosidade das pessoas. 

Revista Movimento – Mesmo após as eleições de 2 de outubro, a senhora seguiu sofrendo violência política, com ameaças e xingamentos nas redes sociais. A senhora esperava isso?

Vivi Reis – Eu achava que se não fosse reeleita, teria algum sossego. Mas o que a gente vê são contínuos ataques e que mesmo eu não tendo conseguido a vitória. A base bolsonarista continua atacando, falando coisas pejorativas, debochando, dizendo “fica caladinha, porque você já perdeu o mandato”. Como se eu não tivesse direito de poder me posicionar politicamente, como se a sociedade civil não tivesse direito de se engajar em lutas organizadas, em fazer denúncias. Vou continuar fazendo denúncias, participando ativamente dos movimentos, me posicionando, mostrando a cara da luta das mulheres negras amazônidas. Vou continuar nas lutas sociais, na defesa dos direitos humanos. Eles se incomodam com quem se levanta, luta e se posiciona porque sabem que precisam nos silenciar para seguirem implantando esse projeto de morte e de ataque aos direitos. Nossa resposta política tem de ser a coragem daqueles que se organizam coletivamente e seguem lutando com ou sem mandato. Tenho muita segurança de entender que eu, Vivi, enquanto parlamentar, faço um trabalho muito importante para nosso país e para a defesa da Amazônia. Mas a partir de fevereiro, e mesmo sem ter mandato, continuarei sendo uma liderança, uma lutadora, uma defensora da Amazônia e de seus povos. E nossa luta não vai ser apagada, porque não somos aqueles que vivem apenas em função da política institucional. Não sou filha de políticos, não sou de família tradicional, nunca vivi disso. Fui forjada e construída nas lutas sociais e esse é o caminho que a gente tem de seguir. As lutas aqui fora vão continuar e vão servir para pressionar e construir condições de derrotar essa política bolsonarista e essa política que tenta exterminar a Amazônia e seus povos.

Revista Movimento – Como a senhora avalia sua atuação nesses quase dois anos de mandato?

Vivi Reis – Esse mandato demarcou muito bem a cara e a posição política de uma mulher negra, LGBT, da Amazônia e da periferia. Já é um diferencial numa bancada e em um conjunto de parlamentares formado em sua maioria de homens brancos que pertencem às elites econômicas. A gente se demarcou pela identidade, pela posição política e pela importância de termos pautados como prioridade a defesa da Amazônia e de seus povos, dos direitos humanos, da educação pública. Nosso mandato foi o que mais colocou recursos para as universidades públicas do Pará, através de emendas, enquanto Bolsonaro cortava verbas. Trabalhamos em defesa da lei de cotas no nosso país, além de políticas de permanência estudantil para que estudantes negros e negras, periféricos, indigenas quilombolas pudessem entrar na universidade com condições de concluí-la. Assim,  produzindo conhecimento que fosse benéfico para suas comunidades e para a sociedade como um todo, e para a própria universidade poder se transformar e associar o saber popular e o saber científico para que caminhem juntos. Combatemos o negacionismo e defendemos a ciência, a tecnologia e o conhecimento. Além disso, tivemos grande destaque na defesa das políticas para mulheres. Sou da Procuradoria da Mulher, estive na defesa de projetos para a ampliação das delegacias especializadas nos municípios, defendemos o direito das mulheres lésbicas, bissexuais, travestis. Defendemos lutas que, até então, no âmbito da política paraense estavam invisíveis. 

Revista Movimento – Por quê?

Vivi Reis – Os deputados que historicamente ocupavam essas cadeiras não tinham posições firmes sobre esses temas, como a defesa dos LGBTs, dos Direitos Humanos, da Amazônia. Ao contrário. É uma bancada que tem muitos ruralistas, pessoas de famílias tradicionais da política ou ligados a grandes empresas do Pará. Então, foi um diferencial muito grande ter esse mandato, que traz não apenas a identidade de uma deputada jovem, negra, LGBT, da Amazônia, da periferia, mas também pela política defendida pela vida, pelos nossos direitos. Isso expressa muito bem o que é preciso na política institucional, que é ecoar a luta dos movimentos sociais em defesa do nosso direito de poder ter saneamento, saúde, educação de qualidade. Acho que esse mandato construiu e escreveu uma história muito linda. Vou fazer dois anos de mandato e, nesse período, não me arrependo de nada. Acho que fizemos o melhor possível. Fui relatora da comissão do caso do Bruno e do Dom, trabalhei em defesa dos povos indígenas, pela liberdade de os jornalistas poderem falar a verdade e combater as fake news. É uma história muito importante e temos ainda muita história para escrever. A gente vai dar um intervalo da política institucional mas vai seguir lutando com muita força para construir o Brasil que queremos, e garantir que ele também  tenha a cara das mulheres negras amazônidas.


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