Marcelo Freixo: o Lula que não deu certo
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Marcelo Freixo: o Lula que não deu certo

Entre o limbo, Daniela do Waguinho e o PT

Leandro Fontes 5 jan 2023, 10:14

O grande Leandro Konder, intelectual comunista e fundador do PSOL, escreveu em sua coluna na Tribuna da Imprensa (28 e 29 de abril de 1990) uma deliciosa crônica intitulada: “Otávio Brandão, o Lênin que não deu certo”. Nela, Konder descreve de modo bem-humorado, mas, ao mesmo tempo, respeitoso, a trajetória singular e os traços pitorescos de Otávio Brandão, um dos principais dirigentes e intelectuais da primeira geração de construtores do PCB. Mas o caso é que Brandão não foi um fenômeno isolado na busca de ser o “Lênin brasileiro”, conforme Konder descreveu em sua coluna:

“No século XIX aparecem muitos loucos que, fascinados pela personalidade do imperador dos franceses, tinham a mania de ser Napoleão Bonaparte: imitavam seus gestos, sua postura, e andavam com a mão sobre o estômago, como se também sofressem de úlcera. No século XX, o modelo mudou. Sob o impacto da “Revolução de Outubro”, ocorrida na Rússia em 1917, numerosos ativistas revolucionários, em vários países, fortemente impressionados pela vigorosa personalidade do líder russo, começaram a dar sinais que estavam atacados pela mania de ser Lênin”.

Otávio Brandão, conforme relata Konder, foi personagem “interessante” desse fenômeno e, embora, sua dedicação integral à luta dos explorados e oprimidos, à organização dos trabalhadores e à revolução, não teve êxito em sua busca “de se tornar um herói” do povo brasileiro. Contudo, Brandão influenciou parte da primeira geração dos comunistas brasileiros (com exceção dos filiados à Oposição de Esquerda dirigida por Trotsky). Não é à toa que o documento programático aprovado pelo PCB em seu segundo congresso (1926), cheio de erros de análise e caracterização, foi baseado no livro “Agrarismo e Industrialismo” de Brandão, que dava como eixo o caráter agrário e anti-imperialista da revolução brasileira, contendo, como primeira etapa, uma fase democrático-burguesa. Essa posição, por vias tortas, acabava se encontrando com a orientação etapista de Moscou da frente popular, que levou o PCB adotar uma linha de buscar setores “anti-imperialistas” da pequeno-burguesia e da burguesia industrial nacional, tendo os Tenentes e Luiz Carlos Prestes na cabeça como o símbolo dessa aliança. Essa fórmula levou a criação da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e, como consequência, a derrota da esquerda com a aventura da “Intentona Comunista”, de 1935, que levou Olga Benário para a câmara de gás nazista, a prisão de Prestes e a repressão voraz do Estado Novo getulista às organizações independentes do movimento operário.  

Evidentemente, Brandão não pode ser responsabilizado por todos os erros do PCB, ainda mais quando este partido passou a ser dirigido por Prestes. Porém, está certo de que o personagem Brandão, que escreveu sua autobiografia no livro “Combates e batalhas” e que “aderiu entusiasticamente a dialética sem tê-la entendido”, ficou há quilômetros luz do Lênin original e, além disso, acumulou traços caricaturais em seu perfil, no qual condenava “piadas, o Carnaval, o futebol, o álcool, a macumba, o espiritismo, os excessos sexuais…”. Por isso e pelo seu conjunto, Konder classificou Brandão como o “Lênin que não deu certo”.

Influenciado pela brilhante crônica de Leandro Konder e pelo método utilizado por ele, resolvi escrever sob o mesmo gabarito algumas linhas sobre o fim melancólico de Freixo, que tentou ser uma espécie de Lula, sem a capacidade, autoridade e influência do maior líder popular brasileiro.     

Freixo ingressou no PSOL após as denúncias do “Mensalão”. Logo em seguida, foi eleito deputado estadual, tendo como pauta central a defesa dos direitos humanos e ganhou notoriedade nacional com a CPI das milícias. Com Freixo em ascensão, o PSOL ganhou ferramentas para se desenvolver e com a sigla, Freixo teve suporte político para dar um salto enquanto líder da esquerda do Rio de Janeiro. Porém, as pressões eleitorais e a ausência de uma consciência marxista conduziram Freixo a uma posição contrária ao seu histórico.

Na última reunião que participou no PSOL/RJ, um Diretório Estadual com a presença de parlamentares convidados, Freixo defendeu abertamente que o partido deveria seguir os passos de Lula e impulsionar uma “frente ampla” no Rio de Janeiro, com ele, Freixo, na cabeça, buscando aliados fora do arco de alianças tradicional do PSOL. Isto é, uma composição com partidos da burguesia que reunisse, inclusive, Eduardo Paes, Rodrigo e Cesar Maia para derrotar Claudio Castro.  

Acontece que Freixo não teve força para impor a estratégia de Lula no PSOL/RJ. Tampouco, Freixo entendeu que a uma coisa era a disputa nacional contra Bolsonaro e outra era a disputa local com um aliado do bolsonarismo que tinha entre seus apoiadores gente graúda do PT, como André Ceciliano. Porém, Freixo julgou que sua força pública era superior às superestruturas de poder, aos partidos e à militância. E, num movimento oportunista, filiou-se ao PSB, partido comandado por Molon (antigo desafeto), na busca de uma legenda mais palatável para sua política de “frente ampla” e que pudesse arrastar o desgastado PT fluminense, o PSOL, o PCdoB e partidos da direita liberal junto com figuras administrativas do primeiro escalão da burguesia, como os elaboradores do Plano Real,  Armínio Fraga e André Lara Resende, Raul Jungmann (ex-governo Michel Temer) e Renato Pereira, marqueteiro de Cabral e Pezão. 

Entretanto, Lula atraiu por sua força amplos setores das esquerdas e da burguesia para derrotar Bolsonaro. E só por isso, com Lula e sua frente democrática, foi possível derrotar Bolsonaro nas urnas. Freixo, por sua vez, tentou implementar a mesma estratégia, sem sucesso. Mais do que isso, Freixo se desidratou velozmente enquanto líder político. E não era para menos: sua campanha para o governo do Estado não empolgou, a chapa que tentou ressuscitar César Maia e os tucanos não teve adesão de Paes, e foi abertamente boicotada por setores do PT, que também se dividiram entre as campanhas de Rodrigo Neves e Castro.

Além disso, todo um setor crítico e militante ficou órfão de uma candidatura com expressão eleitoral e com o perfil combativo psolista. A campanha ficou longe do histórico que levou Freixo a ser retratado no filme “Tropa de Elite II”. O que ficou de registro histórico foi a burra negação de bandeiras programáticas defendidas por ele anteriormente. Logo, desagradava aliados políticos e a eleitores fiéis, e não convencia aos indecisos e aos conservadores.

Portanto, o Freixo em “metamorfose”, que saiu do PSOL para construir um projeto adaptado à ordem burguesa sob o gabarito da estratégia de Lula, foi um fiasco. A prova cabal é que, após as eleições, Freixo lutou para ser ministro do governo Lula. Mas não teve força suficiente para se impor na partilha dos ministérios e acabou subordinado a Daniela do Waguinho, nomeada para comandar o Ministério do Turismo na cota do União Brasil. Agora Freixo, como presidente da Embratur, está tendo de se explicar por ter aceitado ser parte da equipe dirigida por uma política profissional da Baixada Fluminense que conserva relações orgânicas com a milícia, em particular com um ex-policial militar citado no relatório da CPI de Freixo, Juracy Prudêncio (o Jura), conforme foi publicado na Folha de S. Paulo e em O Globo.      

Quer dizer, Freixo teve que aceitar o posto para não ir para o limbo. Lugar que já se encontrava no PSB, visto que seu nome não reunia o mesmo peso como os de Flávio Dino, Márcio França e Alckmin. De tal forma, não é surpreendente ler pela imprensa que Freixo se desfiliou do PSB para se filiar ao PT, partido no qual iniciou sua militância. Entretanto, está nítido que ele não encontrará vida fácil em seu “novo” abrigo – já que, oposto de Lula (que muda de estratégia, mas não muda de partido), Freixo demonstrou que não é um “homem de partido”. E o PT, principalmente o de Quaquá, não é a legenda oca de Molon.    

Freixo, portanto, na ânsia de ser um “novo Lula” acabou sendo mais realista que o Rei e tropeçou nas próprias pernas, mas sem um partido e relação orgânica com setores organizados da classe trabalhadora. De tal forma, ao “pular o alambrado” e abandonar suas posições de esquerda que construíram seu perfil, mudou sua natureza e colocou uma pá de cal em seu nome como líder político. Paralelamente, o PSOL, embora tendo disputas táticas e estratégicas, seguiu sem Freixo e se fortaleceu, mantendo sua independência. Por isso, com referência a Leandro Konder – que se estivesse vivo certamente iria apoiar o nome de Milton Temer para candidato ao governo na Conferência Eleitoral do PSOL/RJ – com licença ao mestre, “Marcelo: o Lula que não deu certo”.


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Pedro Micussi