Prós e contras: como foram os sete primeiros dias do governo Lula
Parlamentares e lideranças do MES/PSOL avaliam atos e posicionamentos do presidente e seus ministros
A baderna golpista que irrompeu sobre Brasília no último domingo (8) acabou por abafar as esperadas análises – da mídia e dos setores políticos – sobre as primeiras ações do novo governo federal, liderado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ainda que seja necessário que o grande público discuta (e se preocupe) com os males que o fascismo é capaz de produzir na nossa democracia, não se pode esquecer que os primeiros atos de uma nova gestão costumam ser um cartão de visita dos anos vindouros. Com a devida parcimônia, avaliações são bem-vindas.
Na semana passada, a Revista Movimento, convidou parlamentares e lideranças do MES/PSOL a fazer algumas considerações sobre o que julgaram de positivo e negativo na primeira semana, além de algumas expectativas para os próximos meses. Mario Agra, fundador do PSOL em Alagoas; o vereador Roberto Robaina, presidente do PSOL em Porto Alegre; a deputada estadual Luciana Genro, presidenta da sigla no Rio Grande do Sul; o deputado distrital Fábio Felix (PSOL-DF) e a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS) se disponibilizaram a compartilhar algumas considerações.
É consenso entre os entrevistados que todo o simbolismo que envolveu a cerimônia de posse de Lula – em especial a presença de indígenas, mulheres negras, crianças, pessoas com deficiência, professores e operários na subida da rampa do Planalto – há de ser lembrado como signo da resistência que impôs derrota política e eleitoral a Jair Bolsonaro (PL). E os primeiros dias da gestão deram sinais de como será delicado o equilíbrio deste governo de “frente amplíssima”, como diz Fernanda Melchionna:
“Na primeira semana de governo, já houve medidas importantes, como a revogação da privatização de Petrobras, Correios, Serpro, dentre outros, mas ainda não se avançou na re-estatização da Eletrobras – e isso, aparentemente, não está no radar do governo. É preciso seguir na luta. Importante também o decreto que deu 30 dias para a avaliação dos sigilos de Bolsonaro. É óbvio que queremos que todos os sigilos sejam revogados, mas essa luta precisa seguir até para que não haja anistia nenhuma. O Lula falou na posse sobre a responsabilização dos crimes do Bolsonaro, mas a gente sabe que essa é uma luta política que precisa ser feita na sociedade, no cotidiano, nos movimentos”.
Fábio Felix destaca entre os melhores atos da primeira semana a nomeação de um dos maiores intelectuais brasileiros, Sílvio Almeida, para o Ministério dos Direitos Humanos; de Sônia Guajajara, para o Ministério dos Povos Originários; e Anielle Franco, para a pasta da Igualdade Racial.
“Sílvio Almeida para o Ministério dos Direitos Humanos tem uma força simbólica grande, especialmente por ter passado por esse ministério a Damares [Alves, a ex-ministra da Mulher, Cidadania e Direitos Humanos], que é uma expressão do que há de pior no bolsonarismo no país, uma das principais vozes do ultraconservadorismo que acaba aniquilando as subjetividades, a diversidade, negando suas existências. Tem também a Marina Silva {ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima], que acaba substituindo Ricardo Salles e toda a lógica predatória ambiental do governo Bolsonaro. Então a gente volta a respirar e a poder fazer política minimamente dentro de um contexto melhor”, pondera.
Entretanto, Fábio diz que todo o simbolismo ministerial corre o risco de não se materializar em forma de pautas e políticas plenas dentro de um governo de conciliação de classes, cujos tensionamentos internos tendem a ter desdobramentos que não contemplam as bandeiras históricas da população oprimida.
“A gente sabe que todo esse simbolismo não é concreto quando não se tem, de fato, investimento e rompimento com a forma de fazer política tradicional. Quando não se tem orçamento, quando não se tem políticas públicas reais, gestos concretos. Nossa luta nesse próximo período será para que esse simbolismo se concretize e a gente possa vencer os setores da elite política e econômica brasileira que não querem o avanço nessas pautas”, projeta o deputado distrital.
Dívida pública
Para Mario Agra, os novos e simbólicos ministérios podem ser motivo de decepção no futuro. Isso porque o exíguo orçamento federal está sendo consumido pelo pagamento da dívida pública.
“O desenho que nós temos é um país com orçamento de R$ 4,1 trilhões e um pagamento do serviço da dívida próximo a R$ 2 trilhões. É quase 50% de tudo o que se arrecada. A partir daí, a gente pode ter uma dimensão do que vai ser distribuído [entre os ministérios] para as ações que foram prometidas. Até agora, nem a fala do Lula nem a fala do ministro da Fazenda apontam algo sobre isso. A única coisa que o ministro Fernando Haddad afirmou era que eles querem uma peça orçamentária em que sejam incluídos os pobres e que os ricos paguem impostos. Mas só isso é muito pouco. Ainda precisamos saber o que o governo vai fazer, o que ele vai apontar no sentido dos recursos”, salienta o dirigente.
Agra diz que é urgente a apresentação de planos para pastas como Saúde, Educação, Infraestrutura e Habitação – esta última, financiada nos últimos seis anos pelos “restos a pagar” do governo Dilma Rousseff.
“O sistema financeiro abocanha mais de 50% do que se produz no país. Quando se calcula o que é preciso fazer, o que sobre é insignificante. O resto é resto, são valores muito distantes da necessidade do povo brasileiro”, diz Agra.
A esse respeito, Fernanda Melchionna destaca a campanha que a Auditoria Cidadã da Dívida (ACD) vem realizando. Em 3 de janeiro, a organização fez chegar às mãos de Lula uma carta aberta pedindo que não se privilegie o pagamento de juros para os banqueiros e, sim, o pagamento da dívida social. Dado o comprometimento da chapa Lula/Alckmin com a burguesia, mudar essa realidade exigirá pressão parlamentar e popular..
“A dívida pública consome R$ 2 trilhões do orçamento e tem se configurado, ao longo dos anos no Brasil, como o verdadeiro bolsa-banqueiro. A gente precisa parar essa sangria. E essa luta precisa ser feita pelos movimentos sociais e, claro, por um partido independente, por um partido de classe, por um partido anticapitalista como o PSOL”, afirma a deputada.
‘Frente amplíssima’
A vitória de Lula ante Bolsonaro dependeu de muita força popular, da união da esquerda contra a extrema direita, mas também da adesão de amplos setores burgueses – cujos interesses são representados por uma dezena de partidos tradicionais, como MDB, PSD e União Brasil. É a tal da frente ampla,que para cada Silvio Almeida exige dois ministérios estratégicos. Assim temos Jader Barbalho Filho (Cidades), Renan Calheiros Filho (Transportes), ambos do MDB, e Carlos Fávaro (PSD) na Agricultura.
Para garantir apoio no Congresso, caberá a Lula e sua cúpula arranjar para que o interesse desses partidos apoiadores e suas bases burguesas sejam satisfeitos pelas ações do governo. Talvez por isso, a resistência em exonerar o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro (PTB), que minimizou os riscos trazidos pelos habitantes de acampamentos bolsonaristas; e a ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil), por supostas ligações com milicianos do Rio de Janeiro.
“Destacaria duas sinalizações bem emblemáticas na primeira semana do governo. A primeira, a de que o governo não vai rever a Reforma da Previdência, pela fala do Rui Costa (PT), que é o ministro da Casa Civil. A Reforma da Previdência de Bolsonaro foi um arrasa-quarteirão no direito à aposentadoria dos trabalhadores, excluiu milhões de mulheres e homens da previdência social e rebaixou globalmente a aposentadoria. Quando o ministro da Previdência [Carlos Lupi, PDT] fala em rever pontos da reforma e é desautorizado pelo Rui Costa, que é braço direito do Lula, vê-se que não há disposição de revogar uma medida tão brutal. Outra sinalização negativa foi do Ministro do Trabalho [Luiz Marinho, PT] falando que não vai ter CLT para os [motoristas de] aplicativo. É uma luta do único setor que fez greve durante a pandemia para ter direitos. É um setor superexplorado, um dos que mais emprega hoje, sem conceder direitos trabalhistas. É uma sinalização negativa [do governo] no sentido de manter essa unidade nacional, que é uma união das forças políticas da burguesia, que exclui o fascismo, mas que quer manter uma agenda econômica antipovo, que retroalimenta uma crise econômica profunda para a maioria da população”, reclama Fernanda.
“[Negando a revisão da reforma], o governo rapidamente tranquilizou o tal mercado, isto é, os donos de banco e fundos de investimentos que administram, sobretudo, as grandes fortunas, de que a reforma da previdência de Bolsonaro não está em questão. Nosso esforço de organização dos trabalhadores não pode esquecer a necessidade de revogação desta política neoliberal”, complementa Roberto Robaina.
“Existe dentro desse governo de conciliação de classes, pessoas claramente identificadas com o que há de mais atrasado na política brasileira. Você tem o ministro da Defesa já buscando uma mediação de anistia para os crimes cometidos pelo bolsonarismo nos últimos quatro anos. Acho importantíssimo o combate à expressão e a voz desse ministro. Que a gente possa cobrar que ações concretas de punição sejam um fato. Essa tem de ser uma das nossas principais bandeiras: que haja justiça de transição”, acrescenta Fábio Felix.
Um balanço
Para Luciana Genro, é positivo que após quatro anos de destruição, o Brasil possa contar com um governo que tem compromissos básicos com os direitos humanos, as liberdades democráticas e que assumiu compromissos de campanha extremamente importantes..
“Alguns deles começaram a dar sinais de que serão cumpridos: o Bolsa Família, a revisão dos sigilos e o compromisso de frear as privatizações. Entretanto, são medidas ainda tímidas em relação aos enormes estragos causados pelo governo Bolsonaro no país e aos interesses da classe trabalhadora. Então, por exemplo, a notícia de que não teremos a revisão da reforma trabalhista e da reforma da previdência vai na contramão ao enfrentamento ao legado dos governos Temer e do próprio Bolsonaro. Além disso, nós precisamos ter, realmente, uma afirmação clara de que não haverá anistia dos crimes cometidos por Bolsonaro durante seu governo, tanto por ele, quanto por sua família quanto por seus asseclas. Então, ao meu ver, o governo Lula, que é um governo de coalizão com a burguesia, um governo que traz para o seio do poder um conjunto de forças políticas que não respondem necessariamente aos interesses da classe trabalhadora, vai ser um governo que precisará de muita pressão externa para realmente cumprir seus compromissos no que diz respeito a melhorar a vida da classe trabalhadora”, afirma a presidenta do PSOL gaúcho.
Para Luciana, o desafio do PSOL nos próximos quatro anos é ser parte da mobilização do no movimento de mulheres, trabalhadores, camponeses, negros, LGBTQIA+, pessoas com deficiência, jovens, para tensionar ao máximo a situação política e impedir o crescimento da extrema direita, que vai continuar tentando se afirmar como alternativa.
“Todos aqueles que subiram a rampa com Lula, não podem apenas ser símbolos numa posse solene. Precisam ter seus direitos efetivamente reconhecidos e isso nós ainda estamos por ver”, resume a deputada.