A fraude nas Americanas tira a máscara da burguesia transnacional brasileira
O escândalo das Americanas traz uma grande oportunidade para debater o nefasto papel dos bilionários.
Em 11 de janeiro, um acontecimento de grandes proporções abalou o setor do varejo e chacoalhou a reputação de alguns dos maiores burgueses transnacionais brasileiros: Sérgio Rial, executivo das Americanas e ex-presidente do Santander Brasil, apenas alguns dias depois de assumir o principal cargo da companhia, renunciou por conta da descoberta de uma “inconsistência” bilionária nos balanços dos últimos anos.
Fundada em 1929, em Niterói, as Americanas são uma das maiores empresas do varejo brasileiro, tendo importante presença no comércio digital, mais de 3600 lojas espalhadas pelo país e cerca de 40 mil trabalhadores diretos e indiretos. Desde os anos 1980, a empresa passou a ser controlada pelos bilionários Jorge Lemann, Marcel Telles e Carlos Sicupira, controladores do fundo de investimentos 3G Capital, que detém participações em diversas empresas pelo mundo, como ABInbev (fabricante de um terço de toda a cerveja consumida no mundo), Burguer King, Heinz e Kraft, entre outras.
O trio de bilionários, que costuma ser apresentado como exemplo de sucesso empresarial, também faz suas incursões no debate público, seja diretamente ou por meio de seus porta-vozes, organizados em think tanks e ONGs financiadas pelos empresários, em favor de políticas de ajuste estrutural do Estado, privatizações e promoção de oportunidades de investimento para o capital transnacional. Recentemente, o 3G Capital envolveu-se na escandalosa privatização da Eletrobrás, assumindo 10% das ações preferenciais da companhia.
Cai a máscara da “eficiência” do 3G
Sem dúvida, o escândalo das Americanas é o maior da história recente do país. Um acontecimento que diz muito sobre como os bilionários e o capital financeiro comandam os rumos do Brasil. Em particular, o escândalo tira a máscara dos bilionários do 3G Capital, que gostam de cultivar sua imagem de “bons gestores”, nas reestruturações de empresas como Brahma, Heinz e as Lojas Americanas: na realidade, uma terapia de choque de cortes de custo, esmagamento de fornecedores e demissões de trabalhadores.
Nos últimos anos, dificuldades na fusão da Kraft-Heinz nos Estados Unidos e o alto endividamento da ABInbev, após anos de aquisições em todo o mundo, começaram a fazer ruir a fama dos bilionários. A crise das Americanas já se insinuava há anos. O varejo tem passado por uma reestruturação global com a digitalização da economia, acelerada durante a pandemia da Covid-19. O recrudescimento na concorrência, a diminuição nas margens de lucro e a alta da inflação pressionam o setor. Em 2021, Lemann, Telles e Sicupira promoveram uma reorganização das lojas físicas (Lojas Americanas) e do negócio digital (B2W), reunidos na holding Americanas S.A. O que foi apresentado como uma busca por “sinergias” e recuperação dos lucros era, como se sabe agora, uma tentativa de diluir a participação dos bilionários e sua exposição a um negócio falimentar.
O banqueiro Sérgio Rial tornou-se CEO para seguir o processo de reestruturação da empresa. Como confessou, ao tomar conhecimento das “inconsistências” em décadas de balanços da empresa, vacilou a tomar a decisão de informar o mercado tamanho o rombo, inicialmente estimado em R$ 20 bilhões e que agora já alcança inacreditáveis R$ 43 bilhões, promovido por um conjunto de atividades de maquiagem dos balanços e de calote em fornecedores. Evidentemente, deve-se questionar também a responsabilidade das tão celebradas empresas transnacionais de auditoria e controle, que por anos atestaram a sanidade dos métodos de Lemann, Telles e Sicupira, bem como da B3 (antiga Bovespa), onde as Americanas estavam listadas em seu “novo mercado”, um símbolo das empresas que supostamente adotam rígidos padrões de “governança”.
É preciso nomear e combater a burguesia transnacional, sediada no Brasil e no exterior
O golpe das Americanas ameaça o sistema financeiro, com a exposição de grandes credores da empresa, como Bradesco, Itaú e BTG, que já iniciaram uma luta para bloquear recursos da empresa e ameaçam arrancar diretamente o patrimônio do trio bilionário. Ao mesmo tempo, a crise no varejo amplia-se: nesta semana, foi a vez do presidente da rede Marisa demitir-se com a dificuldade de rolar dívidas de mais de R$ 400 milhões de uma empresa totalmente pressionada pela presença avassaladora no mercado brasileiro de lojas digitais de vestuário sediadas na China e em Cingapura. São dezenas de milhares de postos de trabalho e bilhões de reais em impostos ameaçados por tal situação.
É impossível desconhecer o caráter globalizado do capitalismo e a capacidade da burguesia transnacional para capturar valor em negócios dos mais diferentes setores em todo o mundo, colocando de joelhos os Estados nacionais para criar as melhores condições para sua acumulação. Lula está certo ao criticar Lemann, que se vende como um conselheiro de “boas práticas” de gestão empresarial e pública, com seus tentáculos já alcançando a educação (inclusive no Ministério da Educação do atual governo) e sua bancada de parlamentares eleita com o suporte de think tanks de “renovação política”. Lula também acerta ao criticar a criminosa privatização da Eletrobrás, que tem as digitais do trio do 3G Capital. No entanto, é preciso ir além do discurso e enfrentar na prática a agenda da burguesia transnacional.
Há questões concretas em jogo: como ficam as dezenas de milhares de trabalhadores das Americanas e suas famílias? A recuperação judicial da empresa já requerida excluirá da prioridade de recebimento os trabalhadores que forem demitidos depois do deferimento do pedido. Não é possível aceitar que os ávidos banqueiros do BTG, do Itaú e do Bradesco tenham prioridade. Por isso, é necessário cercar de solidariedade os trabalhadores das lojas nas manifestações organizadas pelos sindicatos de comerciários. Ao mesmo tempo, é preciso exigir o bloqueio e o confisco dos bens dos bilionários para garantir o ressarcimento de trabalhadores, de eventuais passivos fiscais e dos prejuízos de pequenos poupadores.
Por último, o escândalo das Americanas traz uma grande oportunidade para realizar um debate educativo a respeito do papel dos bilionários, num momento em que a grande imprensa e os políticos a serviço da burguesia fazem uma enorme chantagem ao redor da defesa da política de juros altos para remunerar o rentismo, ajuste fiscal e manutenção dos ataques aos direitos trabalhistas e previdenciários. Enquanto silenciam sobre a fraude de Lemann, esses mesmos agentes defendem a presença do bolsonarista Roberto Campos Neto no comando do Banco Central e sua “autonomia” da sociedade e da soberania popular, para que seja diretamente controlado pela burguesia transnacional.
Eis um bom momento para debater e lutar por um programa econômico de emergência, que coloque em primeiro plano os interesses da classe trabalhadora e das massas populares, a começar pelo aumento real do salário mínimo e dos benefícios do Bolsa Família, promessas de campanha até agora não cumpridas.