Bolsonaro promoveu garimpo e negligenciou fome dos yanomami
Mortes por desnutrição aumentaram 331% nos últimos quatro anos
Dados obtidos pela BBC News Brasil por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) revelaram novas informações sobre a tragédia yanomami no norte do país. Conforme registros do Ministério da Saúde, durante o governo Jair Bolsonaro (2019-2022) pelo menos 177 indígenas morreram de desnutrição (os dados do ano passado ainda estão sendo contabilizados). É um aumento da ordem de 331% em relação aos quatro anos anteriores, quando houve 41 óbitos pela mesma causa.
O governo federal decretou estado de emergência por conta da desassistência aos yanomami. A medida veio no rastro da repercussão internacional de imagens de indígenas, adultos e crianças, enfraquecidos pela fome. No final de janeiro, cerca de 200 pessoas foram transferidas para hospitais de Boa Vista (RO) para tratamento especializado, e mais de 700 foram para a Casa de Saúde Indígena (Casai), entre pacientes em tratamento e seus acompanhantes.
A fome entre os yanomami é atribuído, em parte, ao crescimento do garimpo ilegal em seu território – que compreende uma área de 9,6 milhões de hectares em Roraima e no Amazonas, abrigando 28 mil indígenas. Rica em metais preciosos e outros minérios, o território foi invadido e desmatado. Só no período Bolsonaro, foram desmatados 47 quilômetros quadrados das terras indígenas, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Isso representa uma destruição 222% maior do que a dos quatro anos anteriores.
Esse avanço prejudicou as principais fontes de alimento dos yanomami, que vivem, basicamente, da caça e da pesca. Com a contaminação dos cursos d’água pelo mercúrio usado no garimpo do ouro, peixes e outros animais acabam sendo intoxicados e mortos. Os que sobrevivem, fogem.
Em visita à região de Surucucu, na semana passada, a equipe de reportagem da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) encontrou indígenas pedindo água limpa.
“Muita água suja. Nós ‘toma’ e barriga dói”, reclamou Ivo Yanomami, tuxaua, líder da comunidade de Xirimifik.
Toda essa escassez faz com que o trabalho de caça e busca de provisões seja mais longo e difícil e, mesmo assim, insuficiente para nutrir a comunidade.
Crianças e idosos morrem mais
Mais vulneráveis à escassez de alimento, crianças e idosos são maioria entre os mortos por desnutrição. Dos 41 óbitos já contabilizados em 2022, 25 foram entre pessoas acima de 60 anos e 11 entre crianças de até nove anos de idade.
A falta de alimento compromete a capacidade do organismo em manter suas funções básicas. Se depois de queimar as reservas de gordura e músculos o corpo não receber sais minerais, pode apresentar falhas renais e hepáticas, além de apresentar uma queda na imunidade que favorece quadros graves de infecções.
Fator Bolsonaro
Desde o fim de janeiro, o governo federal promove uma operação de retirada de cerca de 20 mil garimpeiros da área yanomami. Maquinários e ferramentas para extração de minérios foram apreendidas ou destruídas – ações que foram proibidas a fiscais do Ibama durante o governo Bolsonaro. Nos quatro últimos anos, as políticas de assistência em saúde aos indígenas também foram abandonadas, e mesmo com ciência da crise em que viviam os yanomami, nenhuma ajuda foi enviada. Para organizações como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a negligência como política de Estado configura crime de genocidio.
Quando as imagens da fome e miséria no território yanomami ganharam o mundo, Jair Bolsonaro foi às redes sociais e afirmou que “nunca um governo dispensou tanta atenção e meios aos indígenas” como no dele; acrescentou que a desnutrição é um problema antigo entre indígenas e publicou a foto de uma criança desnutrida que constou do relatório de uma CPI que investigou o tema em 2008. Dito isso, nunca mais retomou o assunto.