Das sementes de Marielle Franco
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Das sementes de Marielle Franco

Luta para manter vivo legado político de Marielle reúne mulheres em sessão solene na Câmara de Osasco

Paula Veneroso 25 mar 2023, 12:00

Foto: Flickr / Mídia Ninja

Nem a tempestade que alagou ruas e avenidas de Osasco no entardecer do dia 14 de março desanimou as sessenta mulheres que estiveram na Câmara Municipal da cidade para homenagear Marielle Franco. A cerimônia aconteceu em razão da Lei nº 5.196/22, de autoria da vereadora do PSOL Juliana Curvelo, da mandata AtivOz, que instituiu em Osasco o 14 de março como Dia Marielle Franco de Enfrentamento à Violência Política contra Mulheres, Mulheres Negras, Mulheres LGBTQIA+ e Mulheres Periféricas. No entanto, mais do que simplesmente solenizar a data, esse encontro de mulheres revelou a potência das sementes de Marielle, por meio das vozes feministas que reverberaram tanto o caráter político da execução da vereadora carioca quanto o fortalecimento das lutas que a transformaram num símbolo pela democracia e pela justiça.

Longe dali, mas presentes por vídeos, a deputada federal Sâmia Bomfim e a vereadora paulistana Luana Alves enviaram mensagens de apoio – ambas participavam, em cidades diferentes, de atividades em homenagem a Marielle. Ao lado da vereadora Juliana Curvelo, que presidiu a sessão, compuseram a mesa as covereadoras da mandata AtivOz Angela Bigardi e Deise Oliveira, além da presidenta do PSOL Osasco, Solange Pall, e de Emilly Medeiros, professora e militante do PSOL. Entre as falas, duas artistas osasquenses apresentaram produções autorais sobre Marielle Franco. A escritora Vera Lucia Godoy leu uma poesia, ao passo que a cantora Carol Seixas interpretou uma canção composta há cinco anos, na ocasião do covarde assassinato. Intitulada Mulher Semente, alguns versos dizem: “Mulher de luta a bala não mata, o corpo morre, a fagulha espalha, o tiro acerta, mas não silencia a voz que rompe o que não podia (…), ela é semente que floresce a cada dia, fortalece, germina e cria”.

“Quem mandou calar a voz das ruas?” Essa foi a pergunta que abriu o momento das falas, com a professora Emilly Medeiros lembrando episódios de assédios sofridos por parlamentares como Isa Penna e das inúmeras interrupções e a que as parlamentares estão sujeitas quando ocupam a tribuna.

Amanda Capel, do coletivo feminista Juntas! Osasco, relembrou que uma das promessas de campanha de Marielle, em 2016, foi a de lutar coletivamente para garantir direitos num espaço tão machista quanto o do Estado. Ela cumpriu sua promessa, lutando pela democracia e pela garantia de direitos das minorias. Quem não cumpriu o seu dever foi o Estado, que não protegeu a vida de uma mulher preta, favelada, bissexual, feminista, mãe, intelectual, e a quinta vereadora mais votada do Rio de Janeiro nas eleições de 2016. Amanda seguiu, afirmando que o Estado não só foi incapaz de proteger sua vida como também continua sendo incapaz de apontar quem foram os mandantes do crime brutal que lhe retirou a vida. “O caráter político do assassinato de Marielle reside na criminalização do gênero, da raça, da população LGBT e de todos os ativistas que se dedicam às causas das minorias neste país, de tal forma que sua morte nos atinge de forma coletiva e individual pois representa a luta por igualdade de direitos, notadamente para grupos historicamente marginalizados. E justamente por toda essa representatividade se tornou um símbolo para multidões engajadas em defender essas pautas”, afirmou. Amanda Capel finalizou lendo um poema da ativista norte-americana Maya Angelou, intitulado “Ainda assim eu me levanto”

Você pode me riscar da História
Com mentiras lançadas ao ar.
Pode me jogar contra o chão de terra,
Mas ainda assim, como a poeira, eu vou me levantar.

No dia do assassinato da Marielle, há cinco anos, Maria Luiza Moitinho, presidente da UEO, União dos Estudantes de Osasco, contava 12 anos de idade, e, apesar de não fazer ideia da dimensão de tal brutalidade, teve certeza de que o silenciamento da voz de Marielle foi o que provocou o despertar da sua própria voz. “Foi Marielle que me iniciou na política. Eu queria fazer política pra gente da gente, para a maioria que é diariamente excluída das leis, das pautas, das câmaras, das escolas e das universidades. Mas eu não queria ter medo nem vergonha por isso, de me posicionar diante dos meus colegas, de pisar numa universidade, eu não queria ter medo de ser silenciada por admitir o que eu penso e por questionar e por pensar. Foi Marielle que me fez entender a minha participação como mulher dentro da sociedade e que me fez travar a luta no movimento estudantil e isso tem um peso enorme na minha vida. Eu fui uma das milhares de Marielles que nasceram”, concluiu.

Líder do Programa Cidadão Digital, de letramento digital para crianças e jovens de 13 a 17 anos, e embaixadora do Dia da Internet Segura, Kristhel Masterson tem apenas 19 anos, mas uma fala potente ao defender que mais jovens mulheres participem e tentem ativamente mudar o que acreditam estar errado no Brasil. Ela pontuou a estreita relação entre a violência digital contra mulheres e a violência política de gênero, resgatando fatos ocorridos após o assassinato de Marielle: “Logo após o crime, em 2018, houve ataques às páginas do PSOL, que apagaram as mensagens de solidariedade e comoção, além da proliferação de fake news desqualificando Marielle, associando a sua imagem a facções criminosas e traficantes. E tudo isso teve o claro objetivo de desconstruir e questionar a imagem das mulheres que estão na política”, afirmou a estudante.

A fala de Angela Bigardi, coordenadora do cursinho Dandara dos Palmares, da Rede Emancipa, contemplou o motivo desse movimento nacional de educação popular ter adotado em sua bandeira a imagem de Marielle Franco e o slogan “nossa arma é a educação”. Tal símbolo representa as lutas da educação popular para emancipar os jovens periféricos, resgatando o seu direito de ingresso na universidade pública. “A Marielle lutava muito pelos direitos humanos e a educação é uma das vias mais positivas para que os jovens periféricos conquistem os lugares que desejarem ocupar na sociedade”, sinalizou.

Ivana Almeida da Silva, nutricionista formada aos 48 anos de idade e ex-agente comunitária de saúde em Osasco, é uma militante do Sistema Único de Saúde, pela promoção da vida, como fez questão de frisar. Afirmou que Marielle pulsa na veia de toda mulher que luta, e lembrou que a violência política não acomete apenas as mulheres que estão no parlamento, mas também atinge todas aquelas que questionam no exercício da cidadania. “Além de serem as responsáveis por manter mais da metade dos lares brasileiros, as mulheres ainda são obrigadas a sozinhas cuidarem dos mais velhos e dos mais novos”, frisou. Sua fala lembrou, ainda, de Margarida Alves, primeira mulher a presidir um sindicato de trabalhadores rurais no Brasil, que, de tanto questionar, foi assassinada a mando de latifundiários. “Eles pensaram que tinham acabado com ela, mas Margarida floresceu de uma forma tão intensa que a cada quatro anos acontece uma marcha de Margarida Alves em Brasília para as mulheres questionarem coletivamente. A morte de Marielle não foi em vão porque, agora, além de margaridas, marcham meninas de todas as idades, negras, indígenas, lgbts, que alimentam o esperançar”, concluiu.

“O dia que nos arrancaram Marielle foi o dia em que eu a conheci. A sua morte me atravessou de forma tão dolorosa justamente porque eu me vi em Marielle”, iniciou Rose Soares, do Movimento Pretas, codeputada estadual (SP) pelo mandato de Monica Seixas. Professora de educação infantil e ex-conselheira tutelar, Rose lembrou do apagamento por que passam as mulheres pretas e dos motivos pelos quais ingressou na política. “Minha mãe teve seus sonhos limitados, mas, graças a Marielle, eu pude sonhar além, com um lugar de destaque e decisão”, revelou. Lembrou, com propriedade, que a altivez, a consciência de si, a ousadia, a coragem, o dinamismo e a inteligência da Marielle incomodavam demais, e “talvez nem ela soubesse algo que seus inimigos certamente sabiam: o local em que poderia chegar caso continuasse a usar aquele microfone com aquela potência, domínio e autoridade, sabendo quem ela era e o quanto ela significava para os que a elegeram”. Rose atentou para o aumento dos casos de feminicídio no Brasil, apontando que as parlamentares mulheres não param de receber ameaças de morte. “Por isso, a nossa presença nesses espaços de política é para lutar por igualdade, por justiça, mas também, e principalmente, por uma política que deixe de ser de morte para os nossos”.

Pouco antes do fim da sessão, Juliana Curvelo entregou nas mãos de cada uma das mulheres presentes no plenário um diploma de reconhecimento pela luta incansável contra a violência política de gênero. Finalizando o evento, a vereadora tomou o microfone e, em sua fala, contou que o assassinato de Marielle foi responsável tanto por seu ingresso no PSOL quanto por aproximá-la ainda mais da luta das mulheres. “Eu sou uma semente da Marielle, é inegável”, afirmou. Retomou a carta-compromisso que assinou, quando candidata, relacionada à agenda Marielle, prevendo ações feministas, antirracistas, anti-lgbtfóbicas, todas inspiradas no legado dela, e revelou que o Projeto de Lei instituindo o Dia Marielle em Osasco é uma das ações que compõem tal agenda. “Quem defende os direitos humanos está sempre com uma mira no peito. E hoje, uma de nossas preocupações reside em proteger as mulheres que são eleitas, pois violência política tem gênero, classe e raça”, ressaltou. Para terminar o evento, retomou um trecho do texto de Honório Oliveira* publicado naquela manhã na Revista Movimento: “No Brasil, crime organizado e política mantêm relações orgânicas, que foram aprofundadas no governo Bolsonaro. Por isso, elucidar o assassinato de Marielle é uma necessidade democrática de primeira ordem”.

* OLIVEIRA, H. Pequeno inventário dos dias que se seguiram à execução de Marielle. Revista Movimento, 14 mar 2023. Disponível em: https://movimentorevista.com.br/2023/03/pequeno-inventario-dos-dias-que-se-seguiram-a-execucao-de-marielle/. Acesso em: 14 mar 2023.


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