Após pressão popular, MEC deve paralisar reforma do Ensino Médio
Cronograma de mudanças deve ser suspenso por portaria. Mudança no Enem também será adiada
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Pela força da boataria, é bastante possível que tenhamos novidades sobre o Novo Ensino Médio (NEM) nos próximos dias. A aposta é que a implementação do programa seja suspensa por uma portaria do Ministério da Educação (MEC). A medida abriria espaço para uma ampliação das discussões sobre as necessidades do ensino secundário com especialistas, professores e alunos; e também implicaria na suspensão das mudanças no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) previstas para o ano que vem.
Na tarde de ontem, houve uma reunião do grupo de trabalho coordenado pelo MEC que discute mudanças no Ensino Médio. Eles devem elaborar uma portaria que revoga uma anterior, de 2021, que estabelecia o cronograma para a implementação do NEM. No ano passado, a reforma passou a abranger as turmas de 1º ano do Ensino Médio, com a inclusão de três novas disciplinas: Projeto de Vida, Mundo do Trabalho e Cultura e Tecnologias Digitais. Este ano, os alunos do 2º ano precisaram escolher entre duas ou mais trilhas de aprendizagem para aprofundar conhecimento Para 2024, estava previsto que as turmas de 3º ano adotassem o novo currículo.
Mas já no início deste ano letivo houve escalada nas preocupações de pais, professores e alunos com as mudanças trazidas pela reforma. Sob o pretexto de oferecer opções para que estudantes possam dedicar maior esforço acadêmico em áreas de seu interesse, o currículo reformado reduziu a carga horária de disciplinas fundamentais, e praticamente excluiu conteúdos de Sociologia e Filosofia. O objetivo é encaminhar os alunos para o Ensino Técnico, ainda que não haja ferramenta governamental que garanta a qualidade dessa “novidade”, tampouco que as escolas – em especial, as públicas – tenham condições estruturais e logísticas de oferecê-la.
Na prática, a intenção da reforma é preparar os estudantes mais pobres para serem mão de obra barata e conformada para os alunos da elite, que se formam em escolas privadas que, antes mesmo do NEM, já ofertavam a miríade de alternativas acadêmicas que o dinheiro pode comprar. O objetivo oculto é manter a desigualdade.
Reações
Não à toa, chanceleres da camada mais rica da população usam de seu privilégio para se manifestar contra a revogação da reforma, ainda que, na prática, isso seja só boato. O apresentador e aspirante a político Luciano Huck se manifestou nas redes sociais para defender o NEM, herança maldita do governo Michel Temer (MDB).
“O Novo Ensino Médio deveria estar acima de diferenças ideológicas. Mesmo c/ difícil implementação, não faz sentido retroceder à estaca zero. O esforço p/ oferecer uma escola mais atrativa p/ os alunos e conectada c/ as suas expectativas de vida e carreira deve ser permanente”, escreveu.
A celebridade global foi alvo de críticas por seu posicionamento, que reduziu a discussão a uma diferença ideológica sem levar em consideração o que representa para os próprios estudantes, como apontou o professor e pesquisador na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Daniel Cara.
“Revogar essa Reforma é parar de impor aos 15 ou 16 anos a área (itinerário formativo) que um adolescente terá que carregar para o resto da vida. Repito, hoje eles são impostos.
Luciano, o Novo Ensino Médio é uma violência contra a juventude brasileira e trabalhar para que ela seja substituída (ou seja, revogada) é um dever de quem vive a escola pública”, respondeu o educador.
Nas ruas pela revogação
A consciência de que o NEM é uma armadilha colocada para escolas e alunos fez crescer uma resistência que já tensiona a agenda política nacional – e que deve estar por trás da disposição do MEC em congelar a reforma. No último dia 15 de março, estudantes foram às ruas pedir a revogação do NEM. A medida também foi definida como bandeira de lutas na última plenária intercongressual da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
A batalha pela revogação catalisa uma série de reivindicações pela qualidade da educação, por mais infraestrutura nas unidades, por profissionais atualizados e com condições de trabalho dignas, capazes de reconhecer potencialidades e dificuldades dos alunos.
“Se queremos um Ensino Médio de fato ressignificado, será preciso abordar outros elementos também, como infraestrutura escolar, dedicação integral do professor a uma única escola, gestão escolar, projeto pedagógico, valorização e formação docente, entre outros” destacou ao G1, Olavo Nogueira Filho, diretor-executivo da ONG Todos Pela Educação.