O GSI e a política de conciliação do governo Lula como munição do bolsonarismo
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O GSI e a política de conciliação do governo Lula como munição do bolsonarismo

Os ataques de 8 de janeiro demonstraram a necessidade de enfrentamento radical contra as tentativas golpistas da extrema direita.

Leandro Fontes 23 abr 2023, 15:54

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Nos últimos seis meses o bolsonarismo sofreu duas derrotas contundentes. A primeira foi a vitória de Lula nas urnas, comandando uma frente política ampla e democrática que derrotou eleitoralmente Bolsonaro. A segunda, foi o fracasso da tentativa de golpe do dia 8 de janeiro. Quer dizer, a primeira derrota fez Bolsonaro se exilar temporariamente em Miami e, a segunda, colocou na defensiva as hordas bolsonaristas.

Todavia, o bolsonarismo não foi liquidado. Longe disso, mesmo com as derrotas sofridas e o escândalo das joias, Bolsonaro regressou ao Brasil gozando de total liberdade e sua “tropa” de extrema-direita continuou atuando no parlamento, nas redes sociais e em parte das entranhas do Estado. Paralelamente, a Polícia Federal e a Procuradoria Geral da República estiveram atuando para identificar os militantes, apoiadores, incentivadores e financiadores dos atos golpistas. Além disso, o STF formou maioria para tornar réus uma centena de denunciados pela PGR. Tudo isso contendo pressão antibolsonarista no parlamento e repercussão pública através da grande mídia. Isto é, o ambiente nas superestruturas de poder é de ajustes de contas com a extrema-direita neofascista.

Acontece que Lula e seu novo governo passaram a produzir “munição” aos correligionários do capitão. Não faz muito tempo que Lula deu uma declaração subjetiva e nada habilidosa sobre Sérgio Moro. Lula falou numa entrevista do “desejo de vingança” contra o ex-juiz falcatrua e agora senador da bancada da extrema-direita. A declaração do presidente resultou num palanque privilegiado, com destaques nas páginas da imprensa, para novos ataques de Moro contra Lula, o PT e o governo. O comentário desnecessário, que deu um pouco de vida ao moribundo Moro, pode ser considerado uma derrapada sem nenhum dano. Entretanto, a crise instalada no governo com o caso do general Gonçalves Dias é de outra natureza.

GDias, como é chamado o general, se tornou ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional por ter relação de confiança com Lula há pelo menos vinte anos, tendo prestados serviços no comando da equipe de segurança de Lula desde 2003, indicado pelo general da reserva Oswaldo Muniz Oliva, pai de Aloizio Mercadante. Portanto, era improvável deduzir que GDias poderia ter contribuído de algum modo com os atos golpistas do dia 8 de janeiro. No entanto, diante das imagens que se tornaram públicas, fica claro que o general foi pelo menos incompetente no calor dos acontecimentos em Brasília, uma vez que deveria dar ordem de prisão aos insubordinados e tomado providencias de maior capacidade para deter os militantes bolsonaristas.

De tal modo, GDias não tinha nenhuma condição de continuar na pasta. Para tanto, Lula nomeou interinamente o civil Ricardo Cappelli, acesso de Flávio Dino e que comandou a intervenção no Distrito Federal após os ataques golpistas. Todavia, a presente crise tinha margens seguras para ser evitada. O GSI poderia ter sido extinto ou no mínimo desmilitarizado, aproveitando a reforma da superestrutura do novo governo que montou novos ministérios e “ressuscitou” outros. Por sua vez, o GSI descomprimiu suas atribuições, perdendo a segurança a Polícia Federal e a Abin para a Casa Civil. Contudo, o órgão seguiu funcionando e, nunca é demais lembrar, que o GSI foi comandado nos últimos quatro anos por Augusto Heleno, um dos comandantes em chefe do neofascismo nas forças armadas e que aparelhou a pasta com militares da extrema-direita, como o Major do Exército José Eduardo Natale de Paula Pereira. Quer dizer, o presidente Lula, na condição de comandante supremo, resolveu esvaziar gradativamente o GSI ao invés de ter desbolsonarizado o órgão com a demissão de todos subordinados de Heleno ou ter simplesmente acabado com o GSI, tal como foi feito por Dilma, que montou um tipo de gabinete militar vinculado diretamente com a presidência da república.

Portanto, não resta dúvida que a crise do GSI que deu força suficiente para instalação da CPMI com traços de polarização, está mais localizada na posição vacilante e conciliadora de Lula do que na aparente incompetência do general GDias. Ou seja, o governo promoveu as condições para uma reação bolsonarista que, desde a derrota do dia 8 de janeiro, tenta emplacar uma narrativa canalha que os atos de vandalismo contra o patrimônio público foram realizados por “infiltrados da esquerda” e não por militantes da extrema-direita. Agora, com a demissão de GDias, somada ao suspeito vazamento das imagens do general, a extrema-direita ganhou munição de sobra para contra-atacar como já vem fazendo pedindo o impeachment de Lula na Câmara dos Deputados.

Não é que a CPMI, assim como as PCIs, seja um instrumento ineficaz e que taticamente não possa ser explorada para investigações necessárias para o país como foi no caso da pandemia. O ponto fundamental é que a CPMI do 8J já tinha conteúdo para existir, caso fosse aprovada. Mas, com a crise do GSI, ela se tornou inevitável e com espaço para disputa de narrativa. De tal maneira, a corrente bolsonarista, que desfruta de base social, tem peso no parlamento e uma rede direta com 15 milhões de contas de WhatsApp, tentará polarizar a CPMI para dar visibilidade as suas falsificações. Portanto, diferente do Centrão, que pode negociar com a CPMI, a extrema-direita vai causar confusão e tentará tirar o foco do crime de responsabilidade de Bolsonaro.

Isto quer dizer que o bolsonarismo irá inverter a responsabilidade dos atos golpistas pelo canal da CPMI, evidente que não. Até porque existe uma unidade entre o novo governo, Alexandre de Moraes, a maioria do STF, a Globo e todos os setores que atuam para derrotar o neofascismo, sobretudo, a esquerda radical, para que isso não ocorra. De todo modo, não está descartado o desgaste do governo no primeiro ano do mandato e que o bolsonarismo recupere musculatura mesmo com a possível inelegibilidade de Bolsonaro.

Assim sendo, a CPMI dos atos golpistas se tornou uma realidade e deve ser encarada pelos antifascistas como uma trincheira voraz. Por isso, é preciso ir para ofensiva com as representações da esquerda no ataque contra o bolsonarismo, independentemente das vacilações do governo e de sua base de sustentação. Todavia, sabe-se como uma CPI começa, mas não é possível afirmar como termina. De tal modo, ter uma linha clara de enfrentamento dentro e fora do parlamento contra a extrema-direita será chave para vencer a CPMI e colocar na cadeia os chefes, mentores intelectuais, financiadores, auxiliares e militantes do 8 de janeiro.

Contudo, o bolsonarismo não estará liquidado com uma derrota na CPMI. Pelo contrário, uma vez que a derrota nesse espaço é mais provável diante das evidências e da pressão pública. Acontece que o governo pode seguir nutrindo o bolsonarismo com munição guerra, basta a aprovação do Arcabouço Fiscal apresentado por Lula e Haddad, que corresponde atender os interesses do mercado, para que isso ocorra. Não é à toa que frações da burguesia liberal estão aplaudindo Haddad. Entretanto, conforme David Deccache (assessor econômico da Bancada do PSOL) caracterizou: “importante lembrar que Lula fez uma expansão real de quase 10% em 2009 para sair da crise financeira. Se a regra do Haddad estivesse valendo seria garantido apenas 0,6%. Seria o fim do governo”. Isto é, o governo de Frente Ampla, comandado por Lula, que ascendeu após a derrota nas urnas de Bolsonaro e com a bandeira de reconstruir o país, caso aprove o ajuste fiscal, dificilmente irá conseguir entregar políticas públicas voltadas para a maioria do povo dignas de nota. E é evidente que a extrema-direita, com Bolsonaro inelegível ou não, irá tirar proveito disso. Por isso, a luta contra o ajuste neoliberal de Lula e Haddad é também contra o bolsonarismo e o golpismo.


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