O PSOL deve ser contrário ao novo “arcabouço fiscal”
O PSOL deve votar contra o arcabouço fiscal e combater publicamente a proposta enviada por Lula e Haddad.
Na última terça-feira (18), foi levado à Câmara, por Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a proposta do governo de um novo “arcabouço fiscal”. A proposta confirma os anúncios anteriores: um projeto inclinado ao mercado, que limita pesadamente o investimento público, garantindo a continuidade do que chamamos de “ajuste fiscal”.
A Direção Nacional do PSOL reuniu-se no final de semana (15 e 16) para debater, entre outros temas, a proposta de nova regra fiscal. Na oportunidade, sugerimos uma resolução que definisse a posição partidária à luz do caráter neoliberal do arcabouço. Após a discussão, no entanto, aprovou-se uma resolução genérica que remete à bancada a discussão da tática parlamentar relativa ao mérito do arcabouço. Por sua vez, a bancada realizou um seminário com diversos economistas, na quinta-feira (20), ainda sem indicar uma definição sobre voto, mas com um diagnóstico bastante crítico da proposta do governo. Acreditamos que o PSOL deve votar contra o arcabouço fiscal e combater publicamente a proposta enviada por Lula e Haddad.
A natureza do arcabouço fiscal
Como já tratamos em outros textos – por exemplo, na declaração do MES sobre os cem dias de governo Lula –, a regra fiscal limita os gastos públicos a 70% do crescimento da receita, com um teto de 2,5% e um piso de 0,6%, para garantir o superavit primário. Ou seja, restringir o gasto público para seguir o pagamento da dívida. Esse é o problema fundamental, apesar de não ser o único.
Num país onde a educação está seriamente precarizada, onde os hospitais caem aos pedaços, onde os servidores públicos são arrochados, onde pobreza cresceu nos últimos anos, a indicação da prioridade do ajuste sobre os investimentos públicos vai gerar frustração e maiores conflitos. Um prato cheio para extrema-direita angariar bases populares e disputar o descontentamento de setores de massas.
Haddad, com bem reforçou Rogério Ceron, seu secretário de Tesouro, está afiançando um pacto global com a burguesia e com os mercados, tendo como consequência a diminuição dos gastos públicos. Parece-se uma espécie de repetição do pacto de “Fausto”, de Goethe, quando o personagem principal assina um contrato com o diabo, sob a promessa fugaz de uma eterna juventude. Ficamos com a análise certeira de David Decacche, principal assessor econômico da bancada do PSOL:
“Três pontos críticos do arcabouço fiscal e uma ingrata surpresa.
1) O novo teto de gastos – dados os atuais parâmetros – impõe, matematicamente, a necessidade de uma PEC com a alteração dos atuais pisos da saúde e educação, visando reduzir o crescimento dessas despesas para próximo da velocidade máxima do teto. Isso porque o teto cresce na velocidade de 70% da receita (ainda limitado a 2,5% de ganho real) e saúde e educação crescem com base em 100% da receita. A saúde e educação passarão a ocupar crescentemente o espaço das áreas que não têm piso. Cogita-se a adoção de uma correção pelo PIB per capita, que se aplicada desde 1998 teria feito o Brasil perder quase 40% de todos os gastos que realizou (o PIB per capita foi uma possibilidade de indexador divulgada pelo secretário do Tesouro)
2) A mesma lógica da saúde e educação se aplica ao crescimento do salário mínimo, que tende a ser restringido para uma velocidade de ganho real próxima de 70% do crescimento das receitas. A bandeira do governo Lula é garantir ganhos reais maiores, atrelados ao crescimento do PIB.
3) As bandas de 0,6% e 2,5% de crescimento real são comparáveis ao que aconteceu no governo Bolsonaro, que furava o teto do Temer. Em 2019, Bolsonaro cresceu 2,72%.
Importante lembrar que Lula fez uma expansão real de quase 10% em 2009 para sair da crise financeira. Se a regra do Haddad estivesse valendo seria garantido apenas 0,6%. Seria o fim do governo.
4) Uma ingrata surpresa: BNDES e CAIXA dentro do teto.”
Uma armadilha para esquerda
O debate na reunião do Diretório Nacional do PSOL foi interessante, revelando uma maioria dos presentes contrários no mérito à proposta do arcabouço, ainda que alguns dirigentes tenham-na defendido de forma tímida, deixando em aberto a tática parlamentar. Já no seminário da bancada do PSOL, a posição contra o arcabouço foi melhorada e definida de forma mais nítida:
“É preciso desmascarar o discurso da ‘crise orçamentária permanente’ que há anos os neoliberais utilizam para justificar suas tentativas de controlar o destino do fundo público brasileiro. É curioso que nenhum dos defensores da austeridade fiscal nas contas públicas defenda um teto ou limite para os serviços da dívida.
Da forma como foi apresentada, a proposta de novo marco fiscal cria, portanto, uma amarra para o sucesso econômico e social do governo Lula”
(Nota da federação REDE- PSOL).
Não se trata de uma questão menor. A definição sobre o arcabouço é um divisor de águas e sinaliza para ampla vanguarda do ativismo quais as coordenadas fundamentais da luta política no presente período. É necessário construir uma dinâmica de uma política unitária entre os que rejeitam o ajuste, conectando com outras pautas e bandeiras centrais, como a luta contra pela revogação do novo ensino médio. No dia 26/4, há uma nova jornada convocada pelas entidades de educação, onde essa ponte deve ser construída.
Vale repetir que 80% dos brasileiros estão a favor da diminuição dos juros e que estamos diante de uma nova crise econômica internacional, com a Argentina como ponta de lança. É preciso dar um passo adiante na politização do ativismo e dos movimentos sociais.
O PSOL deve votar contra!
A votação no arcabouço será definidora da dinâmica dos próximos meses. A bancada do PSOL deve votar contra, mantida a natureza do projeto. Isso significa construir um polo crítico na sociedade, que não se furte em fazer as necessárias alianças e unidades para enfrentar a extrema-direita, inclusive no terreno eleitoral, mas que mantenha a independência e a liberdade de crítica diante do governo federal.
A luta contra a desbolsonarização passa por seguir acompanhando os desdobramentos dos atos golpistas de 8 de janeiro, como a demissão do ministro Gonçalves Dias e de membros colaboracionistas do GSI; a CPI para criminalizar os golpistas (à semelhança do que está sendo feito no DF, onde nosso deputado Fábio Felix tem se destacado no enfrentamento aos bolsonaristas); e a luta contra as ameaças às escolas pelo terrorismo dos neofascistas.
Por último, consideramos fundamental que a militância do PSOL possa participar do debate sobre o arcabouço fiscal e a posição do partido a respeito, organizando um seminário aberto e on-line de economia. A partir de uma formulação sólida a respeito dos rumos da economia e do Brasil, nosso partido poderá fortalecer sua intervenção, votando contra o arcabouço fiscal, o novo teto de gastos proposto pelo governo.