Para sair do calabouço neoliberal
Auditar a dívida, baixar os juros e taxar os ricos
Foto: Maecelo Camargo/Agência Brasil
Análise: O Austericídio como política de Estado
Desde o início da Nova República de 1988, apesar de importantes conquistas constitucionais no âmbito do reconhecimento de direitos sociais, a fração rentista da burguesia impôs a austeridade como política de Estado permanente, seja nos governos abertamente neoliberais, sejam os governos social-liberais. Se mantêm, há trinta anos, a hegemonia do tripé macroeconômico, do superávit primário e do pagamento do serviço da dívida pública. Entra governo, sai governo, reformas e privatizações estão à serviço desta política – ou seja, uma guerra declarada da burguesia contra o povo trabalhador, que tem seus direitos sucateados.
Cabe lembrar que esta agenda neoliberal, imposta via consenso de Washington e órgãos internacionais, como FMI e o Banco Mundial, teve seu laboratório durante a ditadura militar no Chile de Pinochet, na qual tudo foi privatizado, e todos foram privados de tudo. Portanto, a austeridade é um legado da agenda extrema direita
Na década de 1990, Collor, Itamar e FHC inauguraram uma rodada de privatizações e consolidaram a atual política fiscal e monetária através do Plano Real. Lula e Dilma, apesar de inúmeras concessões à classe trabalhadora, aplicaram uma série de contrarreformas na Previdência, mantiveram juros elevados e o ajuste fiscal no segundo mandato de Dilma, que derreteu sua popularidade e abriu as portas para os golpistas de plantão. Temer e Bolsonaro abriram um período de austericídio, com uma série de contrarreformas, como a trabalhista, previdenciária, autonomia do banco central, paridade de preço de combustíveis e o Teto de gastos, que congelou as despesas sociais. Todas estas medidas contribuíram para o agravamento da crise.
Após uma importante vitória contra um governo de extrema direita, uma série de promessas no âmbito do combate à fome e ao desemprego podem se limitar a “palavras ao vento”. Lula, na campanha, chamava o teto de “estupidez” e anunciou que o revogaria. Em abril, Haddad junto à sua equipe econômica, anunciou o “Novo Arcabouço Fiscal”, que poderia se chamar de “Novo Teto de Gastos”, como uma versão mais exequível do legado golpista de Temer.
O projeto mantém o limite para as despesas primárias (sociais) acrescido do crescimento da arrecadação (limitada à 70%) e dentro de uma “banda” que varia 0,6% à 2,5% do orçamento. Essa margem é uma é uma “esmola” frente às necessidades populares e dadas as projeções de estagnação da economia mundial, dificilmente atingirá os 2,5%. Evidentemente, é um avanço frente à chamada “PEC da Morte”, mas totalmente aquém da média dos governos Lula I e II, cujas despesas sociais cresciam em média 5% ao ano, o que propiciou maior desenvolvimento e redução da pobreza. O projeto mantém uma premissa equivocada ao considerar que os investimentos em áreas sociais só devem crescer em período de aumento da arrecadação, quando justamente estes que favorecem políticas anticíclicas para reverter recessão e retomar o crescimento. No ápice da pandemia, essa política agravaria o genocídio. Nem mesmo no governo Bolsonaro se cumpriu à risca o teto, que se mostrou uma política inexequível e danosa à classe trabalhadora.
A nova regra, inclusive, retrocede em relação à proposta golpista, como observa David Decacche, pois com os novos limites de renascimento das despesas, o próprio Secretário do Tesouro anunciou que apresentará proposta de extinguir os pisos da Saúde e da Educação – conquistas históricas da Constituição de 1988. Mesmo que estas áreas estejam fora do teto, o conjunto do orçamento deve adequar-se ao mesmo, portanto outras políticas terão seus orçamentos esmagados, como Assistência Social, Previdência, Cultura, Moradia etc.
Os servidores públicos federais passaram sete anos sequer com reajuste da inflação, e a manutenção do teto nessa nova proposta já é uma sinalização que o governo não pretende repor as perdas passada e futuras deste segmento da classe trabalhadora. Até a Caixa e o BNDES estão inclusos na nova proposta fiscal de modo a viabilizar grandes projetos de desenvolvimento nacional.
Maria Lúcia Fattorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida Pública, afirma que o projeto tem tudo para garantir o outro compromisso assumido , ode produção de superávit primário – que garantirá mais recursos para os gastos no Sistema Dívida Pública, que transfere bilhões de reais todo ano, com mais de 50% do orçamento da União para bancos e rentistas. Nunca auditada, a dívida se agrava com a galopante taxa de juros aplicada por Campos Neto, com interesse de paralisar o país e penalizar o povo mais pobre.
Caracterização: Uma Nova Carta aos Brasileiros?
Lênin afirma que política é economia concentrada, e a recíproca também é verdadeira. Portanto, uma rigorosa análise marxista não pode se dar ao luxo de separar política de economia, nem relegar a debate meramente técnico, desprovido dos interesses de frações de classe.
Esse Novo Marco Fiscal configura-se não apenas como uma retomada da “Carta aos Brasileiros” de Lula, ainda na campanha de 2002, com o intuito de pactuar com a burguesia o compromisso de não mexer com o interesse do rentismo, que já se manifestava através de frente ampla com Geraldo Alckmin.
Até que ponto vale conciliar com o rentismo em nome de uma frente ampla que não terá capacidade financeira de combater a fome, de retomar o emprego formal, de ampliar as universidades e os institutos federais? Inúmeras pautas deste governo requerem recurso para que se materializem de modo a melhorar as condições de vida da classe trabalhadora.
Historicamente, os fenômenos da extrema direita crescem e prosperam na incapacidade da social-democracia em enfrentar a crise e oferecer condições para o povo. Foi assim na Alemanha, no Chile e no próprio Brasil. Um pacote draconiano oferecerá estabilidade fiscal e boa vontade do mercado financeiro, mas o povo que foi às ruas e elegeu este governo, como ficará?
Dirão os pragmáticos: “é impossível avançar com esse Congresso conservador, em que qualquer medida que desagrade o mercado, ‘cai o governo’”. Então por que o projeto já veio com banda até 2,5%? Por acaso Haddad e a equipe econômica já contam com uma aprovação na Câmara e no Senado ainda mais rebaixada? Para que retomar um teto que nem genocida Bolsonaro cumpriu?
Este projeto é um retrocesso frente ao programa eleito nas urnas e às esperanças nele depositadas, consolida o legado golpista de Temer e abre as portas para a reorganização da extrema direita.
Mobilizar a defesa dos direitos, barrar os neoliberais e a extrema direita
A fim de não apenas denunciar, mas anunciar uma saída à esquerda frente ao “calabouço neoliberal”, é fundamental retomarmos a mobilização. O povo retomar o papel de sujeito na história, não delegar a decisão a superestrutura de Estado, ao grande capital e à imprensa. Esse será o novo divisor de águas dentro da luta de classes.
O PSOL deve estar na linha de frente deste combate, seja nas suas representações parlamentares, nos movimentos sociais, estudantil e sindical. Precisamos tomar as ruas, tal qual foi feito em 2016, com greves e ocupações de escolas contra a PEC do Fim do Mundo. Temos que popularizar essa discussão, seus efeitos práticos na vida das pessoas e, como pediu o próprio presidente, cobrar o governo, pressionar para que cumpra sua agenda de campanha. E Lula continua a reclamar dos juros. Temos que exigir que ele chame o povo às ruas e encaminhe ao Senado a destituição de Campos Neto.
Precisamos, para que se garanta direitos, auditar a dívida pública, baixar os juros e taxar os ricos.
Reivindicações:
- Revogação do Teto já! Não ao Arcabouço Fiscal
- Recomposição e estabelecimento de pisos para o orçamento de Saúde, Educação, Seguridade, Habitação e demais políticas públicas
- Auditoria da Dívida Pública
- Abaixar os juros!
- Fora Campos Neto!
- Taxação de grandes fortunas, lucros e dividendos
- Correção da tabela do imposto de renda