Calabouço fiscal: a população e o funcionalismo pagarão a conta
Relator do projeto na Câmara condicionou gastos sociais, reajustes e concursos à realização de superávit fiscal
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Nesta quarta-feira (17), a Câmara dos Deputados deve votar a urgência da votação do novo arcabouço fiscal. Dessa forma, governo e aliados garantem prioridade para a matéria, deixando a votação para o dia 24 de maio, evitando que a decisão fique para depois do recesso parlamentar. Resta saber se a regra será aprovada. No que depender dos parlamentares do PSOL, não.
Já desgostosos com a proposta do governo para a política econômica – que exclui promessas de campanha, como aumento de tributação aos mais ricos mas manteve limitações a investimentos sociais -, os deputados ficaram ainda mais contrariados quando da divulgação dos gatilhos incluídos ao texto pelo relator, deputado Cláudio Cajado (PP-BA).
“A proposta da Fazenda já previa, caso o governo não cumprisse as metas de superávit de um ano para o outro, que o crescimento dos gastos seria de até 50% a partir do aumento das receitas, não 70%. Mas o governo não estipulava como seria essa redução. O que foi incluído pelo redator, e que é uma indignidade, é o congelamento dos reajustes dos servidores e proibir a contratação de novos servidores. É uma forma de penalizar o funcionalismo público a partir da lógica do teto de gastos – que, no fim, é o que o arcabouço fiscal Haddad é. É um teto de gastos maior do que o do Temer, mas que ainda coloca uma disputa, implícita ou explícita, entre os diferentes gastos do governo, gastos sociais, por verba para o orçamento. Serão os servidores públicos os prejudicados caso o governo Lula não consiga arcar com os compromissos que está fazendo junto ao mercado”, analisa Pedro Micussi, mestre em Sociologia e membro do grupo de pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento,.
O que vai acontecer
As travas sugeridas por Cajado só não incidem sobre o Bolsa Família e a política de valorização do salário mínimo (que este ano subiu apenas R$ 18). Curiosamente, a despeito do impedimento de repasses para o Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb), as escolas militares ficaram fora do teto.
“O ‘calabouço’ fiscal piorou. O texto apresentado pelo relator é um escândalo. Foram incluídas travas para novos concursos públicos e aumento salarial de servidores em caso de não cumprimento de metas fiscais. Também limita despesas como o Fundeb e o Piso da Enfermagem. Ajuste contra o povo e privilégio para o serviço da dívida. Não com nosso voto”, afirmou a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS).
“São diretrizes neoliberais, apresentadas por um relator que foi vice-líder do governo Bolsonaro, e que impedirão a aplicação de boa parte das políticas sociais essenciais ao Brasil, referendadas pelo voto dos brasileiros nas últimas eleições. O tal arcabouço levará, inevitavelmente, o governo a aplicar medidas de ajuste que prejudicarão o povo. Votarei contra a proposta, pois ela ataca as áreas sociais e privilegia o pagamento de juros a uma dívida ilegítima”, completa a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-RS).
O que vai a votação prevê que, no primeiro ano de descumprimento da meta de superávit, o governo não poderá criar novos cargos, ampliar auxílios, vantagens, criar novas despesas obrigatórias e conceder novos incentivos fiscais. Também ficará proibida a adoção de medida que implique aumento de despesa obrigatória acima da inflação. Se a meta ainda assim for descumprida pelo segundo ano seguido, entram em cena outras medidas, como a concessão de aumentos salariais a servidores e realização de concursos públicos.
Quem gostou
Para o mercado, que já havia recebido bem a proposta original, os adendos do relator são garantia ainda maior que a “austeridade fiscal” garantirá mais recursos para os gastos no Sistema Dívida Pública, que transfere boa parte do orçamento da União para bancos e rentistas. E o endurecimento dos gastos quase custou ao PT o reajuste real do salário mínimo. Para não desfazer mais essa promessa, o governo cedeu a criação de investimentos e incentivos que pudessem, por exemplo, criar mais empregos.
“Lula sabe que caso o Bolsa Família fosse congelado o governo cairia, assim como o aumento do salário mínimo. Seria terrível impedir que o governo concedesse aumento real a partir da regra fiscal… [Com a interferência de Cajado], a regra sai pior. Já parecia muito ruim com as concessões à direita, mas acabou bastante piorado”, avalia Micussi.