Uma semana de polêmicas
Nossa tática é combinar a luta contra a extrema direita e a defesa de uma postura de independência por parte do PSOL
Quem acompanhou o debate político e parlamentar do país, na última semana, pôde identificar importantes polêmicas, que acompanham o cenário de instabilidade e de luta política que o país atravessa. Temos defendido, com a nova situação política aberta pela derrota eleitoral de Bolsonaro e pela posse do novo governo, a tática de combinar a luta contra a extrema direita e a defesa de uma postura de independência por parte do PSOL. Nesta semana, dois grandes fatos políticos possibilitaram colocar em prática, de forma muito nítida, a necessidade da combinação e implementação dessas táticas: como dizem os argentinos, foram fatos que “graficaram” nossa orientação política.
A extrema direita escalou sua tropa para atacar o MST e os movimentos sociais na CPI, onde Sâmia Bomfim cumprirá o papel de polarizar com os aliados do genocida em nome do PSOL. A instalação da CPI foi marcada por forte bate-boca, com Sâmia se destacando na denúncia da hipocrisia de Ricardo Salles, que quer agora atacar quem o impediu de passar a “boiada” e se projetar para a disputa eleitoral pela prefeitura de São Paulo. Outro acontecimento foi a votação do regime de urgência do novo marco fiscal, o “arcabouço”, na qual o PSOL votou contra e Fernanda Melchionna indagou o ministro Fernando Haddad sobre os fundamentos fiscalistas da proposta. Cada uma dessa batalhas tem suas particularidades e caminhos. O que queremos aqui é debater a justeza da tática e convocar a militância a reverberar ainda mais a defesa de nossa coerência.
CPI do MST: é hora de defender os que lutam no campo!
O agrobolsonarismo quer ir para a ofensiva contra o MST e contra os movimentos sociais do campo e da cidade. A combinação dos interesses eleitorais de Salles com o incremento do ataque dos setores mais nefastos do agronegócio é a linha de ação que explica a CPI. Derrotados eleitoralmente, os agrobolsonaristas querem avançar na espoliação de terras indígenas, quilombolas e seguir sustentando seu modelo de desenvolvimento, amparado na reprimarização e na regressão social. Por outro lado, o governo Lula quer evitar choques, sustentando outros setores do agro, como o ministro Fávaro, e atuando para conter a metodologia de ocupação e mobilização social. A recente crise, que levou o deputado Valmir Assunção (PT-BA) a denunciar o chefe da Casa Civil, Rui Costa, de ter vetado a participação do MST no lançamento do PPA, é uma expressão dessas tensões. Para todo um setor do governo, o eixo seria colocar “panos quentes” na luta contra o agrobolsonarismo, sequer falando da violência e da perseguição no campo brasileiro.
O MST é um dos maiores movimentos sociais do mundo. A despeito de certas diferenças de leitura política, não temos dúvida alguma de que é hora de defendê-lo. E temos com sua direção política um ponto de acordo central para a conjuntura: sem apostar na mobilização de rua e nos conflitos de classe, não há saída para o impasse do país. A simpatia de setores urbanos e apoiadores da reforma agrária cresceu no Brasil, lembrando muito os anos 1990. Isso se verifica no apoio obtido pela Feira Nacional da Reforma Agrária, que levou quase 400 mil pessoas ao Parque da Água Branca em São Paulo. A enorme simpatia também está vinculada à luta contra o veneno dos agrotóxicos, por uma alimentação mais saudável e pela distribuição de alimentos, combatendo a fome nas periferias das grandes cidades.
O agronegócio move fortunas, bancado em parte pelo dinheiro público e baseado na real invasão de terras com violência, ao longo da história, para fins privados. Na prática, houve um verdadeiro roubo da propriedade comum, pública e coletiva. Por isso tudo, como expressou Sâmia no embate com Salles, convocamos o conjunto da esquerda para defender o MST e as dezenas de importantes movimentos que lutam no campo.
Contra o arcabouço fiscal
Outra questão candente da semana legislativa foi correta a votação do PSOL contra o regime de urgência da votação do arcabouço fiscal. O PT, o centrão e o PL de Bolsonaro uniram-se para evitar quaisquer críticas e consolidar o projeto fiscalista de Haddad, repaginado pelo relator Cláudio Cajado (PP-BA). As mudanças propostas até aqui pioram o que já era péssimo, mantendo a essência de um projeto de ajuste fiscal para manter a remuneração do rentismo: agora, o relator propõe, por exemplo, incluir o Fundeb, o piso da enfermagem e o Bolsa Família no novo teto, além de estabelecer “gatilhos”, como a proibição de aumentos salariais para o funcionalismo, já arrochado por Temer e Bolsonaro nos últimos anos, e a proibição de concursos públicos.
Em debate na Câmara, a deputada Fernanda Melchionna enumerou uma série de ameaças do novo teto sobre o funcionamento dos serviços públicos e mesmo para a economia brasileira em caso de crise econômica, com o limite de ampliação do investimento de apenas 0,6% a 2,5% ao ano. Fernanda também demonstrou como a proposta do novo teto ameaça a educação e a saúde, já que os pisos de investimento nessas áreas, uma conquista inscrita na Constituição, podem pressionar outros gastos limitados pelo “arcabouço”, o que já leva técnicos do Ministério da Fazenda, como o secretário Rogério Ceron, a afirmar que o governo pretende liquidar com os pisos dessas áreas. Questionado se confirmaria tal intenção do governo, Haddad simplesmente desconversou, além de reafirmar seu orgulho por propor a regra fiscal “mais rígida do mundo” e sua confiança de que o crescimento será liderado pelo “investimento privado”, reproduzindo argumentos antes defendidos por personagens como Paulo Guedes e Henrique Meirelles. Por tudo isso, na votação do mérito na próxima semana, o PSOL deve votar contra o “arcabouço” fiscal.
Desbolsonarizar o Brasil, ganhando maioria social
A semana de “polêmicas” mostrou a necessidade da independência do PSOL para lutar por mudanças profundas no Brasil. Não vamos arredar pé na defesa dos movimentos sociais. E temos completa autonomia para não concordar automaticamente com o governo dentro do Congresso, sobretudo em um projeto que vai frustrar as expectativas e necessidades da população, que exige mudanças e investimentos públicos para reverter o estrago causado por quatro anos de Bolsonaro e pela crise econômica. O aspecto fundamental do “arcabouço” é mais simples do que os cálculos apresentados pelos economistas: fazer com que a conta da crise seja paga pelos trabalhadores, pelas classes médias e pelo povo pobre, justamente os setores sociais com que contamos para enfrentar o bolsonarismo.
O debate interno no PSOL – que está sendo pressionado por Lula e pelo PT, ameaçando Boulos com chantagens sobre a disputa da prefeitura de São Paulo – deve se dar com o conjunto da militância. Acreditamos que é correta a linha de independência e não participação no governo, para atuar como organizadores das demandas e lutas sociais, ao lado da luta sem tréguas, em todas as frentes, contra a extrema direita. Esse debate seguirá durante o VIII Congresso do PSOL, que começa agora com os debates preparatórios e será concluído em outubro.
A grande tarefa de desbolsonarizar o Brasil só pode ser feita se encontrar eco num projeto que tenha vocação para garantir maioria social. O MES tem feito essa discussão com o conjunto da vanguarda ativista: a vitória da chapa 1 (composta pela esquerda militante do PSOL, PCB, independentes e setores menores) no ANDES indica um bom caminho. Apoiar greves, como as dos educadores do DF e do RJ, também é parte disso. A próxima semana será repleta de batalhas, balizadas pelas duas questões abordadas neste editorial. A tarefa do PSOL, de suas figuras e de sua militância é fazer valer essa orientação.