A “unidade” do primeiro e segundo mandato vai se repetir?
As condições para Lula viabilizar a unidade ao redor da estratégia de conciliação de classes não são as mesmas dos seus primeiros mandatos.
A piora do cenário mundial
A situação econômica mundial no ano de 2002 era completamente diferente que a atual. No começo dos anos 2000, os produtos primários tiveram grande boom. A aceleração da demanda no mercado mundial, levou uma explosão de preços das commodities. A tendência histórica foi invertida, pois em termos gerais no capitalismo a tendência é a diminuição dos preços das commodities em relação ao preço das manufaturas. O forte crescimento chinês foi o grande responsável por esta situação sui generis.
No Brasil, os números da balança de pagamentos foram fortemente impactados pelo crescimento chinês. A exportação para China cresceu 500% entre 2005 e 2011. O crescimento na China na primeira década foi impressionante, em 2000 o PIB chinês era de US$ 1,2 trilhão, em 2010 já era US$ 6 trilhões. Em uma década o PIB chinês aumentou 5 vezes, a China manteve uma taxa de crescimento de 8 % e 14% durante esses anos. A partir de 2013 o ritmo crescimento chinês diminui e isso faz que o preço das commodities tenha uma redução importante no mercado mundial na segunda década dos anos 2000 o que teve forte impacto no PIB brasileiro.
Essa situação excepcional permitiu uma taxa de crescimento médio de 4% anual para economia brasileira durante os primeiros governos de Lula. O resultado dessa situação foi que o Brasil acumulou uma gordura que permitiu que sem oposição da burguesia o governo fizesse políticas compensatórias e sociais. Essas políticas tiveram um efeito importante nos setores mais empobrecidos da classe trabalhadora brasileira. Na história tivemos exemplos similares, o abastecimento de carne para Europa durante a Segunda Guerra mundial permitiu um grande boom econômico para Argentina e permitiu que Peron “concedesse” vários direitos a classe trabalhadora. Isso marcou para sempre a história da Argentina. A grande diferença que o governo Lula não estabeleceu novos direitos, mas políticas compensatórias que são muito mais frágeis. Mas a situação dos mais pobres da população brasileira é muito fragilizada que mesmo as políticas compensatórias fazem grande diferença.
Hoje a situação é completamente diferente o crescimento da China perdeu folego. A economia brasileira está fragilizada por uma crise que já dura uma década. A situação é agravada pela Guerra da Ucrânia que tem derrubado o crescimento mundial.
A mudança na situação política
O desgaste do PSDB, depois de dois mandatos de FHC e o não surgimento de novas lideranças nacionais da direita, combinado com grandes revoltas populares que sacudiram a América Latina no começo do século fez com que se construísse um acordo na burguesia brasileira. A melhor hipótese para evitar que a situação de outros países da América Latina se repetisse no Brasil e a burguesia perder o controle era um governo Lula.
Nesse sentido Lula se transforma praticamente em um “governo de unidade nacional” porque é uma aposta ao mesmo tempo da burguesia como representante do anseio dos(as) trabalhadores(as).
Hoje a situação é completamente diferente, por um lado a frustação das juventudes e da classe trabalhadora que viu suas reinvindicações não serem atendidas depois das mobilizações de junho de 2013 e que deu a base de massas para a extrema direita. Desde a queda da ditadura esse setor não tinha um peso importante na sociedade brasileira. Por outro lado, a estagnação econômica fez que um setor importante da burguesia defendesse que a inserção do Brasil no mercado internacional seria possível somente com um salto brutal no grau de exploração da classe trabalhadora. A burguesia tinha claro que era muito difícil que o PT comandasse esse salto porque isso significaria um rompimento do PT com sua base social.
A crise econômica e a dinâmica das classes destruíram a unidade
Seja pela situação estrutural da economia brasileira ou pelas mudanças políticas é impossível que Lula construa o quadro de “unidade nacional“, existente do primeiro mandato. A política conciliadora de Lula terá uma margem muito estreita para avançar.
Nesse cenário a possibilidade de êxito é muito pequena e a tendência é que haja um aprofundamento da crise econômica e política. A questão que uma nova desilusão com PT abra um grande espaço para o fortalecimento da extrema direita.
No cenário mundial a extrema direita está disputando o poder em vários países. Na América Latina isso não é diferente. O Chile é um exemplo disso, a vitória da extrema direita na eleição da nova constituindo é uma reação fracasso do governo Boric. Os erros de Pedro Castilhos permitiram o golpe no Peru. No Brasil o cenário não é diferente, uma desilusão com o governo Lula vai abrir uma avenida para a extrema direita.
Qual o papel do PSOL?
Um erro fatal para o PSOL é se confundir com o governo Lula. Onde partidos anticapitalistas se confundiram com governo de conciliação de classe como foi o caso do Podemos na Espanha, perdeu grande parte sua base.
O PSOL precisa mostrar para o conjunto da classe trabalhadora e da juventude, permeadas pelas opressões de gênero, raça e classe, que existe uma esquerda classista e anticapitalista que pode ser alternativa de poder e isso não se faz se confundindo com um governo de conciliação de classe.
Por outro lado, não podemos esquecer do peso da extrema direita no país que constitui uma ameaça física para toda a organização da classe trabalhadora. Os milhares de mortes na pandemia, liberação das armas e política genocida contra os indígenas e a população negra do país mostram como essa ameaça é real.
Nesse sentido o grande desafio do PSOL é ser linha de frente no combate a extrema direita, mas se diferenciando permanentemente do governo Lula. Nos do MES faremos todos os esforços para que essa seja a política vitoriosa dentro do PSOL porque sabemos que dela depende a sobrevivência do PSOL e a construção de uma alternativa de direção de esquerda que evite uma derrota histórica da classe trabalhadora brasileira que seria o triunfo da extrema direita do país.