MPF mira em falas homofóbicas de pastor ‘cristão’
Em culto, pastor evangélico André Valadão insinuou que os fiéis deveriam matar membros da comunidade LGBTQIA+
Foto: Facebook/Reprodução
O aumento da população neopentecostal do Brasil nas últimas décadas tornou essa parcela religiosa poderosa politicamente, a ponto de sua agenda de costumes se impor sobre a sociedade. A pauta conservadora, que não raro oprime e prejudica mulheres, incide com frequência na população LGBTQIA+ – sempre em nome da “moral e da família”. Mas o que se pode ver da pregação do pastor evangélico André Valadão, na Igreja Batista Lagoinha em Orlando (EUA) é criminoso. No último domingo (2), passou a circular nas redes sociais trechos em que o líder religioso critica as “paradas do orgulho” e sugere que fiéis matem homossexuais.
“Essa porta foi aberta quando nós tratamos como normal aquilo que a Bíblia já condena. Agora é hora de tomar as cordas de volta e dizer: ‘não, pode parar, reseta’. Aí Deus fala, ‘não posso mais, já meti esse arco-íris, se eu pudesse, eu matava tudo e começava tudo de novo. Mas já prometi para mim mesmo que não posso, então, agora está com vocês’. Você não pegou o que eu disse: agora está com você. Eu vou falar de novo: está com você”, disparou ele, em discurso que também relacionou casamentos homoafetivos à sexualização de crianças, com risos e aplausos da claque.
A fala perigosa do fundamentalista repercutiu durante toda a segunda-feira, recebendo o repúdio de parlamentares.
“Novamente o pastor bolsonarista André Valadão usou discurso de ódio contra a comunidade LGBTQIA+. Covarde que é, se aproveitou do fato de estar em outro país e utilizou uma transmissão ao vivo para incitar fiéis a matarem LGBTs! Esse criminoso vai ter que responder por seus atos!”, escreveu a deputada federal Sâmia Bomfim.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) e a deputada federal Erika Hilton (PT-SP) acionaram o Ministério Público Federal (MPF), que vai investigar o pastor por suposto crime de homotransfobia. A parlamentar já havia apresentado denúncia contra Valadão no início de junho, quando ele realizou um culto chamado “Deus odeia o orgulho”. Junho é o mês dedicado à reflexão sobre a realidade da comunidade LGBTQIA+.
“Considero que hoje é o mês que Deus mais repugna na humanidade”, disse o pastor.
Erika destaca que o fato de Valadão ter escolhido junho para fazer um culto em que ataca o orgulho, demonstra que a intenção de “utilizar uma data importante à comunidade LGBTQIA para se projetar a partir de um discurso criminoso, que ofende e vulnerabiliza ainda mais as minorias sexuais e de gênero no país, em expresso desprezo à população LGBTI ”.
Radicalização
André Valadão assumiu a liderança da Lagoinha Global, que tem mais de 700 igrejas no mundo, no final do ano passado, substituindo o pai, Márcio. Mas antes mesmo disso, o pastor – ferrenho defensor de Jair Bolsonaro (PL) – já manifestava uma radicalização no discurso contra os gays. Em 2020, ele chegou a afirmar, pelas redes sociais, que igreja não é lugar para gays.
“Não é sobre a igreja expulsar. É sobre entender o lugar de cada um”, resumiu.
À coluna de Monica Bergamo, na Folha de S.Paulo, Valadão usou a bíblia para justificar seu discurso de ódio. Segundo ele, o trecho que viralizou seria um paralelo ao trecho do Gênesis, no Antigo Testamento, que fala sobre o dilúvio: “quando Deus a partir do dilúvio destrói toda a humanidade pela promiscuidade sexual e libertinagem”.
Jesus e sua mensagem de amor e solidariedade habitam o Novo Testamento, que a parte mais radical das igrejas evangélicas prefere ignorar. E é por encontrar guarida nessa plateia e nos preconceituosos enrustidos de forma geral que Valadão dobra a aposta no discurso de ódio contra LGBTQIA+. O risco de ser processado é calculado para ampliar sua projeção e, quem sabe, cacifar um futuro na política.
Apoio de “gabaritados” políticos ele já tem. Seu discurso foi defendido por Marcos Feliciano (PL-SP) na Câmara, e o filho 01 do ex-presidente, Flávio Bolsonaro (PL-RJ) compartilhou um vídeo em que fala sobre “perseguição às igrejas”.
“É o início do fim do resto que ainda tínhamos de liberdade religiosa”, escreveu.
Se eleito, Valadão estaria bem acompanhado. São tudo, menos cristãos.