A semana infernal de Bolsonaro
Delgatti

A semana infernal de Bolsonaro

Um resumo dos episódios de tensão vividos pelo ex-presidente e seus comparsas

Tatiana Py Dutra 18 ago 2023, 16:47

Foto: Lula Marques/Agência Brasil

Os feitos e malfeitos do Jair Bolsonaro (PL) estão sob constante escrutínio desde que ele saiu da Presidência da República, perdendo prerrogativas de foro e a blindagem produzida por sigilos que ele próprio levantou. Mas, talvez, esta tenha sido a semana mais conturbada de sua vida recente, com investigações da Polícia Federal (PF) e revelações da CPMI dos Atos Golpistas desnudando ações suas e da quadrilha que ele formou na intenção de aumentar seu patrimônio saqueando o país.

O inferno astral de Bolsonaro começou a última sexta-feira (11), quando a PF cumpriu mandados de busca e apreensão contra Frederick Wassef, o general Mauro César Lourena Cid, pai do tenente-coronel Mauro Cid; e o tenente do Exército Osmar Crivelatti, outro ex-ajudante de ordens da presidência. O trio é investigado por desvio de bens de alto valor dados por autoridades estrangeiras a representantes do Estado brasileiro. A investigação aponta que os itens de luxo foram vendidos no exterior e o butim, distribuído entre os investigados e Bolsonaro.

O ‘rolo’ do Rolex

Foi revelado que em 13 de junho do ano passado, Mauro Cid viajou para os Estados Unidos onde vendeu dois relógios de luxo – um Rolex e um Patek Philippe – dados de presente a Bolsonaro, pela bagatela de US$ 68 mil (mais de R$ 300 mil), valor depositado na conta de Cid pai. Curiosamente, meses depois, o advogado Frederick Wassef recomprou o relógio e o entregou a Cid, que o transferiu a Crivelatti.

O envolvimento do advogado de Bolsonaro teve desdobramentos. Em coletiva concedida na terça-feira (15), Wassef admitiu que recomprou o Rolex, mas negou que a aquisição tenha sido feita a pedido de Bolsonaro ou de Cid. Ele alega que a recompra foi feita com recursos próprios para cumprir determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), que proibiu a venda dos presentes. 

Ele se recusou a dizer o motivo de ter resgatado o item, coisa que deve revelar a PF – ou que a PF descobrirá analisando suas mensagens telefônicas. Isso porque, no dia seguinte, a PF apreendeu quatro celulares de Wassef graças a um mandado de busca e apreensão do celular expedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Na esteira de tudo isso, o ministro Alexandre de Moraes autorizou a quebra de sigilos fiscal e bancário de Jair e Michelle Bolsonaro. A conferir se Bolsonaro conseguiu mesmo fazer alguma operação ilegal sem deixar rastros..

Cid vai falar?

Se Wassef parece determinado a proteger Bolsonaro no caso da venda das joias, Mauro Cid pode estar titubeando. Preso preventivamente há três meses por falsificar cartões de vacinação dele, de sua família e do ex-presidente da República, ele é apontado como principal vendedor dos itens de luxo recebidos no governo anterior. Conforme informações dadas à Veja por seu advogado, Cezar Bitencourt, ele estaria disposto a confessar sua participação na venda do Rolex, das jóias árabes e entregar Bolsonaro como mandante dos crimes.

Essa possibilidade estampa a capa da revista desta semana e gerou muita expectativa em Brasília e no país todo ao chegar às bancas, na quinta-feira (17). Entretanto, nesta sexta-feira, o defensor de Cid negou essa intenção – tentativa de tumultuar, talvez? – e atribuiu a informação a um erro de Veja. 

“Não tem nada a ver com joias. [Me referia] ao relógio, que é uma joia”, disse, em entrevista hoje à GloboNews. “Não disse que foi a mando do Bolsonaro. Eu também não disse que [Cid] estava entregando, dedurando Bolsonaro. Apenas que era um assessor e que cumpriu ordens”, afirmou Bitencourt.

A revista contra-atacou divulgando os áudios da entrevista em que o agora desmoralizado Bitencourt dá detalhes sobre as tratativas da confissão. Por enquanto fica o dito pelo não dito. O futuro dirá se Cid abrirá ou não a boca.

O hacker de Araraquara

Por último, mas não menos divertido, devemos mencionar o depoimento do hacker Walter Delgatti Neto na CPMI do 8 de Janeiro, na quinta-feira. Ele confirmou aos deputados o que já havia dito anteriormente na imprensa: a participação de uma trama que envolveu Bolsonaro, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) e militares das Forças Armadas para tentar desacreditar o Alexandre de Moraes, enquanto presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o resultado da eleição.

Delgatti disse ter se encontrado com Bolsonaro no Palácio da Alvorada. á também estavam Zambelli, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e o marqueteiro que trabalhava para o partido, Duda Lima. O plano era usar da fama adquirida por Delgatti – que vazou diálogos de membros da Operação Lava-Jato, no episódio conhecido como Vaza-Jato – para desacreditar as urnas eletrônicas. Bolsonaro teria lhe prometido um indulto se cometesse os crimes.

“A ideia era no dia 7 de setembro pegar uma urna emprestada da OAB (…) e colocar um aplicativo meu lá e mostrar à população que é possível apertar um voto e sair outro”, contou, acrescentando que Bolsonaro orientou para que pedisse ajuda funcionários da TI do Ministério da Defesa para realizar o plano, que só não foi realizado porque… bem, as urnas são invioláveis.

Outras missões propostas a Delgatti foram assumir a autoria de um grampo telefônico contra Alexandre de Moraes e invasão do sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Esse segundo plano, formulado por Zambelli, se concretizou. Mas por inserir um falso mandado de prisão contra o ministro do Supremo, o hacker acabou preso e a deputada foi alvo de uma operação de busca e apreensão pela PF. 

Delgatti pode não ser uma fonte de informações das mais confiáveis, mas acendeu uma fogueira dentro da CPMI, deixando os parlamentares bolsonaristas enfurecidos. E com a paz de quem não tem mais nada a perder, respondeu a quem quis e ainda distribuiu algumas patadas. O senador Sergio Moro (União Brasil-PR), ex-juiz da Lava Jato, saiu chamuscado. Tentando se exibir, lembrou de sua “grandeza passada” destacando a ficha corrida do depoente na Justiça. Delgatti rebateu dizendo que Moro é um “criminoso contumaz”. 

“Quantas pessoas foram vítimas do estelionato que o senhor praticou?”, questionou Moro.

“Relembrando que fui vítima de uma perseguição em Araraquara, inclusive equiparada à perseguição que vossa excelência fez com o presidente Lula e integrantes do PT, e ressaltando que eu li as conversas de vossa excelência, li a parte privada, e posso dizer que o senhor é um criminoso contumaz, cometeu diversas irregularidades e crimes”, rebateu Delgatti.

Infantilmente, o ex-juiz pediu que o hacker fosse advertido.

“Eu peço escusas então”, disse Delgatti, usando uma expressão que Moro emprega com frequência.

Na presidência da CPMI, o senador Cid Gomes pediu calma as partes. Mas Moro continuou.

“O bandido aqui, desculpe, senhor Walter, que foi preso é o senhor”, acusou o ex-juiz.

“O senhor não foi preso porque recorreu ao foro por prerrogativa de função”, devolveu o hacker.

Para nossa sorte, esse diálogo “crocante” está eternizado em vídeo. Mas se algo do que Delgatti disse contribuirá para colocar Bolsonaro na cadeia ainda é incerto.


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