Eleições na América Latina: um caminho aberto e em disputa
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Eleições na América Latina: um caminho aberto e em disputa

As recentes eleições ocorridas em países latinoamericanos como Equador e Guatemala expressam um cenário complexo no continente

Israel Dutra 23 ago 2023, 09:06

Foto: Wikimedia Commons

A irrupção de Javier Milei, com sua vitória nas eleições primárias da semana passada, representou um salto na ameaça fascista em todo continente, gerando preocupações no conjunto do ativismo. Foi dentro desse quadro que ocorreram duas importantes eleições no último domingo. O primeiro turno da eleição do Equador, combinando com a consulta acerca da extração de petróleo em áreas ambientais, e o turno final da eleição na Guatemala.

Abaixo breves considerações sobre os resultados e seu impacto imediato no cenário regional

Equador: um resultado alentador e contraditório

A eleição presidencial no Equador acontece num cenário político sui generis. A rebelião de outubro de 2019, ainda que congelada pelo processo da pandemia e pela última eleição presidencial, deixou como legado uma relação de forças pendente. O governo Lasso, fruto de uma eleição marcada pela fraude e pela não resolução das tarefas postas pela rebelião anterior, teve seu final antecipado pela própria falta de capacidade política de resolver a “crise orgânica estrutural” que vive o país. O resultado foi uma eleição antecipada, com mandato mais curto, que teve seu primeiro turno no último domingo. Junto a eleição ocorreu o plebiscito acerca da exploração de Petróleo no Parque Amazônico de Yasuni e a extração mineral na região subtropical de Quito (Choco Andino).

A eleição foi marcada pela escalada de violência que contou com o assassinato de diversas lideranças políticas, como prefeitos e deputados de vários partidos. O mais conhecido foi o assassinato, há poucos dias do pleito, de Fernando Villavicencio, um dos principais candidatos à presidência, gerando comoção em todo Equador. A situação dos grupos armados, agentes do tráfico e o caos penitenciário levaram a questão da segurança pública para o centro da discussão. A consigna de “mão dura” foi lugar comum nos últimos dias de campanha eleitoral.

O resultado foi distinto das pesquisas, com uma fragmentação grandes entre os candidatos. A oposição correista venceu, com o binômio Luisa Gonzalez e Andres Arauz com cerca de 33% dos votos, passando para a disputa num segundo turno contra Daniel Noboa que teve 24%. Noboa é filho de Alvaro Noboa, velho político que é dona da maior empresa do ramo de exportação de bananas, sendo uma família de magnatas das mais ricas do país.

Num segundo pelotão, ficaram Cristhian Zurita, jornalista que substituiu Villavicencio, com 16,4 % e Jan Topic, o “rambo equatoriano” com 14,68%.

O candidato Yaku Perez que vocalizava o movimento democrático e indígena teve um desempenho aquém do esperado, com 3,9% dos votos, o que pode ser explicado pela mudança após a escalada de violência, assim explicada pelo sociólogo Pablo Ospina:

a candidatura de Yaku se desinflou nas últimas semanas, quiçá por sua tendência a apresentar se como um candidato pacífico e espiritual não correspondia a forte demanda de uma presidência enérgica, decidida e firme.

O segundo turno será polarizado. De qualquer forma, a vitória no plebiscito é algo inédito. Quase 60% dos eleitores votaram por suspender a exploração do petróleo no Parque Amazônico de Yasuni, na fronteira entre Equador e Peru, dando voz a uma campanha organizada pelos ambientalistas e pelos indígenas. E como já citado, a vitória em Quito de preservar a região do Choco, contra a mineração.
O pêndulo da luta de classes, no seu espelho eleitoral distorcido, indica que o Equador coloca em primeiro plano a questão ambiental, parando a extrema-direita, e trazendo a agenda política para as necessidades da maioria social.

Guatemala: uma vitória democrática de largo alcance

A outra eleição de domingo que abriu novos caminhos foi a guatemalteca. Num apertado segundo turno, concorreram Sandra Torres – expressão do atual governo, que buscou reforçar o discurso antidemocrático – e Bernardo Arévalo, do movimento “Semilla” (Semente). A vitória de Arévalo rompe a continuidade direitista das últimas décadas, levando um representante da esquerda moderada ao poder na Guatemala.

Com altíssimos índices de abstenção, o resultado somou 58,36% para Arevalo e 36,88% para Torres. E isso com uma campanha suja de fakenews contra o candidato do Movimento Semente.

A eleição tem um contorno estratégico. Há tempos o regime está se fechando. No primeiro turno, o regime colocou como proscrito a única alternativa de esquerda efetiva, a candidatura de Thelma Cabrera, pelo MLP. A vitória de Sandra Torres seria uma continuação da onda reacionária, caminhando para uma ditadura, sob ares que rondam a região, sobretudo inspirada em Bukele, presidente de caráter autoritário de El Salvador.

O Movimento Semente foi uma novidade inesperada. Definido como “esquerda moderada”, o movimento saiu de oitavo lugar nas pesquisas para chegar ao segundo turno. Reflete um setor democrático das classes médias urbanas, com um programa que defende a “sustentabilidade e a luta contra a corrupção”.

Mais do que Areválo em si, o que interessa é que se abre uma nova etapa de luta democrática na Guatemala. Suas primeiras declarações condenando o regime de Ortega na Nicarágua são promissoras.

Um continente que segue com suas veias abertas

As eleições demonstram que as contradições seguem se desenvolvendo. Podemos assinalar três grandes contradições que por agora marcam a situação:

(a) Como visto na cúpula da Amazonia, a questão ambiental e da proteção das riquezas naturais, ligada à auto-determinação e respeito aos povos originários está na ordem do dia. O corajoso discurso de Gustavo Petro refletiu isso, num alerta para romper com o extrativismo que é parte do caminho que está nos levando para o colapso ambiental.

(b) A contradição entre os interesses de China e Estados Unidos, ambos buscando reter a disputa por riquezas naturais, como a exploração de petróleo, do gás e do lítio, apenas para ficar nos exemplos mais recentes; a reunião que ocorre dos BRICS e as disputas políticas em cada país, também refletem a seu modo essa contradição, que deve se agudizar nos próximos anos

(c) O caldo de crise social crônica, ora expresso nas lutas e rebeliões, ora nas questões de insegurança pública, migrações e peso das máfias, milícias e narcotráfico; a violência social e política sempre se volta contra os mais pobres e vulneráveis e tem conexões estruturais com os aparelhos de Estado.

Nesse cenário, seguir o combate contra a extrema-direita, levantando bandeiras democráticas é essencial; contudo, não se pode deixar de disputar o caráter mudancista da disputa política, não deixando, como está em disputa no cenário argentino que a “rebeldia seja capturada pela direita.” Para tanto, cabe a esquerda independente, democrática e anticapitalista apresentar uma alternativa superior ao dito “Progressismo”, sem ser sectária com o peso que essa corrente ainda tem no continente.

As recentes eleições mostram que é possível combinar a luta contra a extrema direita com a defesa de princípios programáticos que não cedam à “miséria do possível. “

A história segue sendo um carro aberto.


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Pedro Micussi