‘Herdei isso de ser batalhadora dos meus antepassados’
Aracy Balabanian foi uma grande voz da memória do genocídio armênio
Foto: TV Globo/Reprodução
A cultura brasileira perdeu, na segunda-feira (7), o talento de Aracy Balabanian. A atriz tinha 83 anos, A causa da morte não foi divulgada pela família, mas sabe-se que a artista tinha câncer no pulmão. O velório será realizado hoje no Teatro Municipal do Rio, das 10h às 13h.
De herança ao Brasil, ela deixa lembranças de interpretações memoráveis – como Filomena Ferreto em “A Próxima Vítima”, Cassandra, do humorístico “Sai de Baixo”, e dona Armênia, de “Rainha da Sucata” e “Deus nos Acuda”. Segundo o autor Sívio de Abreu, esta última personagem “nasceu italiana”, mas mudou de nacionalidade após Aracy ser escalada para o papel.
A atriz era filha de exilados armênios que se instalaram em Campo Grande (MS). Seus pais se refugiaram no Brasil por conta da perseguição turca contra a etnia, iniciada em 1915, e ela cresceu impressionada com as memórias da diáspora.
“Minha mãe me ensinava poesias em armênio para declamar todo 24 de abril, Noite da Lembrança. Eu fazia todos os outros chorarem muito ouvindo isso. Ali, vi que gostava do palco”, contou a atriz em entrevista ao jornal O Globo, em 2015.
Holocausto
A Armênia estava sob domínio do Império Otomano desde o século 15, o que fez crescer um sonho de independência entre o povo cinco séculos depois. Com a chegada da Primeira Guerra Mundial, a minoria étnica oprimida foi contrária à convocação de jovens armênios para o Exército. Com isso, em 24 de abril de 1915, as autoridades otomanas caçaram, prenderam e executaram cerca de 250 intelectuais e líderes comunitários armênios em Constantinopla.
Após privar o povo de seus dirigentes, o governo começou a deportar e matar armênios que viviam nos territórios asiáticos do império. Eles foram sistematicamente perseguidos e exterminados pelo governo até 1923. Estima-se que o chamado “Grande Crime” tenha matado entre 800 mil e 1,8 milhão de pessoas.
O genocídio foi realizado de várias formas. A população masculina foi morta, em sua maioria, por assassinatos em massa e sujeição de recrutas do exército para o trabalho forçado. Mulheres, crianças, idosos e doentes foram deportados para a Síria em longas marchas a pé, sem água ou comida, submetidos a espancamentos, estupros e sob a mira das armas dos militares. Outros grupos étnicos nativos e cristãos, como os assírios e gregos otomanos, também foram igualmente perseguidos.
Lembranças da opressão
Até hoje a Turquia, Estado sucessor do Império Otomano, nega ter havido um genocídio, reconhecimento reivindicado por armêncios e gregos. Aracy Balabanian costumava contar da viagem de uma sobrinha com a família para o país. No passeio, conversando com o guia, alguém mencionou a palavra genocídio. O guia ficou furioso e disse que foi uma guerra civil a responsável pelas milhares de mortes.
“Minha mãe foi proibida de falar armênio, quando morava na Turquia. Nós conhecemos o que foi a ditadura, pela experiência no Brasil, mas imagine isso vindo de um povo bárbaro, com grande força militar. É preciso que se reconheça o grau do que houve, para que isto não se repita, e é o que quero transmitir aos meus descendentes. Reconhecer é fechar a ferida”, comentou a atriz.
Aracy era uma espécie de embaixadora informal da comunidade armênia e tinha orgulho disso.
“Herdei isso de ser batalhadora dos meus antepassados. Acredito que o máximo que fiz, da minha parte, foi dando dignidade ao meu trabalho, em 50 anos de profissão. Muita gente falou para o meu pai não me deixar atuar, ou tirar meu “-ian” do nome. Mas nunca deixei. Como eu viveria sem meu indício de armenidade? Fiz questão de não mudar, porque conhecia a garra de meus antepassados. ‘Vocês são bons brasileiros, mas não esqueçam de onde vieram’, era o que meu pai me dizia. E foi assim que segui”, dizia.