Sobre o Congresso do PSOL SP: mudanças em curso e a necessidade de combatê-las
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Sobre o Congresso do PSOL SP: mudanças em curso e a necessidade de combatê-las

Um balanço sobre a etapa estadual de São Paulo do 8º Congresso do PSOL

Estevan Campos 25 set 2023, 18:29

Encerrada a etapa estadual do VIII Congresso do PSOL em SP, já é possível apontar alguns balanços e avaliações, ainda que iniciais, sobre “qual PSOL” sai desse congresso.

Aqui, pretendemos falar sobre duas “dimensões” dos processos que se passam no PSOL, especialmente em SP: uma, do próprio congresso estadual, alguns aspectos que representam, na nossa opinião, retrocessos significativos para o Partido no principal estado do País; a segunda, dá conta de processos que se expressaram no congresso partidário mas que extrapolam o próprio congresso, são processos de transformações profundas, ainda em curso e não plenamente desenvolvidas, mas que apontam tendências preocupantes quanto ao futuro do Partido, e mais do que preocupantes, tendências que devem ser combatidas.

Por fim, uma reflexão sobre as mudanças em curso no PSOL.

O primeiro congresso fechado do PSOL SP. Povo serve para votar, mas não para participar do debate?

“Ficamos felizes com a entrada do MTST no Partido, mas ficamos tristes quando vocês do PTL decidem fazer uma plenária do partido a portas fechadas. Quantos daqueles e daquelas que lutam por uma casa para morar e que foram sob chuva votar em vocês no congresso do PSOL estão aqui hoje?” (Letícia Chagas, militante do MES, em intervenção no congresso estadual)

O VIII Congresso estadual do Partido marcou a volta à presencialidade de nossos eventos, uma vez que o VII Congresso foi realizado (após suspensão em 2020) de maneira virtual. Seria uma grande oportunidade para o reencontro da militância de todo o estado de SP, como sempre foram os congressos do PSOL, mas não foi assim.

Na chegada do Congresso, realizado na quadra do Sindicato dos Bancários, seguranças impediam, com muita truculência, a entrada dos filiados e militantes do Partido no espaço de debates. Nunca a quadra dos bancários esteve tão vazia em um congresso do PSOL.

Para além da situação completamente constrangedora de ser e ver nossa militância barrada na porta do evento, o mais grave é a concepção que está por trás da decisão de um congresso a portas fechadas: um partido em que a base serve para votar, mas os debates são para poucos, só para dirigentes, parlamentaras. Uma reprodução e um passo rumo à adaptação completa ao regime político, pois assim são os partidos tradicionais: as decisões e os debates não são “para qualquer um”.

Ainda sobre o próprio evento do congresso estadual, vale destacar o quanto o debate apresentado pelo bloco majoritário foi muito raso, com raras exceções. No geral, as intervenções do bloco que estará à frente do Partido no estado, foram exclusivamente de agitação, pareciam animadores de torcida, raros foram os momentos em que defenderam e fundamentaram suas posições e trataram dos temas centrais do VIII Congresso. Qual será a relação com o Governo Lula? Por que defendem a entrada do PSOL no governo? Qual será a tática eleitoral do PSOL para a disputa das prefeituras? Qual o arco de alianças?

Nada disso (ou quase nada) apareceu nas intervenções do PTL. Primeiro porque não há acordo político no bloco majoritário quanto a muitos desses temas. Na resolução de conjuntura, um dos porta-vozes do PTL defendeu a independência do governo, passou o microfone para o próximo orador que deu “continuidade” à defesa da resolução afirmando a necessidade de entrar no governo. (SIC) 

Em segundo lugar, não aprofundam o debate simplesmente porque não acham necessário fazê-lo nos espaços partidários. Nada do debate sobre os rumos do Partido, suas táticas, agenda, campanhas, nada passa pelas instâncias partidárias. É uma concepção que deve ser combatida.

No congresso e além: sobre as transformações em curso no PSOL

No decorrer do congresso estadual surgiram temas que, ainda que fossem parte do temário congressual, iam além do evento do congresso. Um tema se destaca nesse aspecto: a candidatura de Guilherme Boulos à prefeitura da capital. É uma oportunidade evidente para o PSOL ter a principal candidatura da esquerda na principal cidade do País. Uma oportunidade evidente e um risco latente.

Às vésperas do congresso, a mídia burguesa noticiou a contratação pelo PSOL do marqueteiro Lula Guimarães, sócio da empresa contratada pelo iFood para desmontar, da maneira mais desonesta, a mobilização dos entregadores em 2020, além de responsável pela eleição de João Doria à prefeitura da capital. Nós do MES, junto com outras organizações da esquerda partidária, nos posicionamos antes e durante o congresso contra tal contratação. Que, importante reforçar, não foi debatida em absolutamente nenhuma instância partidária.

A contratação do “marqueteiro do iFood” foi denunciada no congresso, e o que foi ouvido em resposta foi o absoluto silêncio de TODAS as organizações do PTL, mesmo as do Semente que, em tese, defendem outra concepção de campanha e de Partido.

Guilherme Boulos é uma liderança de muita expressão, deputado mais votado da esquerda em todo o País, líder de um movimento muito importante, ainda que pouco nacionalizado, o MTST, mas o caminho trilhado até aqui na preparação de sua campanha nos dá muitos motivos para falar em risco ao PSOL.

Aliás, outro aspecto grave: a ausência de Guilherme Boulos no principal evento do PSOL no estado, sua instância máxima, o congresso estadual. Enquanto 251 delegadas e delegados de todas as partes do estado debatiam os rumos do Partido, nossas propostas para os próximos três anos, inclusive a oportunidade enorme que se apresenta no processo eleitoral da capital, Guilherme Boulos estava no Capão Redondo, lançando sua pré-campanha que não foi debatida, sequer informada, em absolutamente nenhuma instância do Partido. Provavelmente debatida nos detalhes com Lula Guimarães.

A contratação de um marqueteiro com esse histórico de atuação antissindical, as seguidas declarações sobre a busca para se “livrar da imagem de radical”, a busca por se desvincular das pautas mais “indigestas” para a elite paulistana, a busca pela ampliação das alianças, o distanciamento dos espaços do Partido, não se submeter ao debate e à crítica da militância, se colocar “acima do Partido” etc. Já vimos esse “filme”.

Primeiro no PT, que transformou em estratégia a política de “Lula presidente”, fazendo todos os movimentos e concessões para alcançar o posto. Mas não foi só no PT que essa lógica se verificou, como marcou em sua intervenção no congresso, Israel Dutra:

“quem usou esse argumento no PSOL, e era um ídolo da juventude brasileira, foi o Marcelo Freixo: ‘chega de fazer política pequena, vamos sentar com adversários, vamos pensar grande, vamos procurar um atalho, vamos suavizar a imagem que o PSOL tem para a sociedade’. O Freixo foi de degrau em degrau, de líder da Primavera Carioca, de quem denunciou as milícias, para um subordinado da Daniela do Waguinho (Daniela Carneiro – União Brasil). Olhem a trajetória do Freixo, com os atalhos, com o ‘fazer política grande’, ele que acabou se apequenando”.

“A primeira como tragédia, a segunda como farsa”, diria Marx. Esse é o risco que paira sobre o PSOL. A transformação da política “Boulos prefeito” em estratégia do Partido pode levar o PSOL a um beco sem saída, um caminho sem volta rumo à adaptação ao regime político brasileiro.

Os riscos do PSOL e a necessidade de combatê-los

Podemos dizer que guardamos em relação à atual maioria do PSOL diferenças profundas em duas esferas: a primeira é de estratégia, de programa e de política; a segunda é de concepção de partido, de seu regime e de seu funcionamento. Ambas foram objeto de nossas intervenções no VIII Congresso estadual.

Aqui, vamos nos deter no segundo problema, da concepção e de regime de funcionamento do Partido. A entrada com mais força do MTST no PSOL impactou profundamente nossa cultura de funcionamento. Podemos afirmar que a direção partidária simplesmente não existe mais, ou, pelo menos, que não cumpre nenhum papel de direção, de espaço de síntese e de construção da unidade partidária.

O que impera hoje no PSOL SP, como temos definido, é uma política de “fração de maioria”, em que o espaço de debate e de construção de síntese é somente o campo político do PSOL de Todas as Lutas (PTL), não há debate algum nas instâncias diretivas do PSOL estadual. Chegamos ao cúmulo de ter contratação de marqueteiro do iFood anunciada pela mídia sem isso sequer ser informado em qualquer instância. A presença do MES na tesouraria estadual foi uma posição que garantiu algumas travas à essa política, forçando que o debate fosse realizado nas instâncias, ainda que, na maioria das vezes, os debates tenham sido protocolares. Agora, após o VIII Congresso, não teremos mais essa trava.

Aqui, cabe um debate direto e fraterno com os camaradas do campo Semente, parte do PTL.

O que a direção do PTL está impondo ao PSOL SP é uma dinâmica de pensamento único, onde toda e qualquer divergência é “punida” pelo apagamento, como foi no debate sobre as inserções de TV do PSOL, onde sequer a bancada municipal pode aparecer junto ao nosso candidato a prefeito, foi assim na distribuição de recursos para as eleições de 2022, e tem sido assim em toda a construção da candidatura de Boulos. Tudo se discute no campo, o resto do Partido, quando muito, é informado, às vezes nem isso.

Essa política não começou no congresso, vem desde o VII Congresso estadual, quando o MTST/Revolução Solidária passaram a ser a maior organização do campo majoritário. Essa prática, que nem mesmo a Articulação sindical ou a CNB leva adiante em seus espaços, está se consolidando no PSOL. 

A pergunta que cabe aos camaradas do Campo Semente é qual sua posição quanto à essa mudança no regime interno do Partido? Vale tudo para ter um espaço “privilegiado” ao lado de Boulos em uma ou outra aparição? Vale silenciar diante do apagamento de setores inteiros do Partido? Silenciar diante da contratação de um marqueteiro com o histórico antissindical de Lula Guimarães? Silenciar diante da imposição de um Congresso a portas fechadas, com seguranças extremamente truculentos barrando a entrada de nossa militância?

De nossa parte, podemos ter todas as diferenças do mundo em questões táticas, no entanto, o regime de funcionamento minimamente democrático no Partido é questão de princípio. Não à toa o tema aparece no estatuto do PSOL:

“Art. 24 O objetivo estratégico da democracia partidária é o da atuação unificada de seus filiados, construindo, através do respeito e tolerância, a convicção política necessária para que, inclusive, os filiados que estejam em minoria apliquem, por própria vontade, a decisão democrática e soberana da maioria”.

Como consta em nosso estatuto, a democracia partidária serve a um objetivo estratégico e, especialmente os que reivindicam a história e o legado da luta contra a burocratização dos Partidos Comunistas e das experiências do chamado “socialismo real”, deveriam estar na linha de frente do combate à burocratização em curso no PSOL.

Como dito antes, já vimos esse filme, e esperamos que se a primeira experiência de esquerda com influência de massas acabou em tragédia, o PT, a segunda, o PSOL, não acabe em farsa.


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Pedro Micussi