Dos nossos: homenagem a Túlio Roberto, vítima do golpe de Estado de Pinochet
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Dos nossos: homenagem a Túlio Roberto, vítima do golpe de Estado de Pinochet

Túlio Quintiliano foi militante do PSR chileno e um dos fundadores do grupo Ponto de Partida, sendo assassinado após o golpe de Pinochet

Naná Whitaker 23 set 2023, 16:22

Cinquenta anos depois, é difícil avaliar a esperança que a experiência da Unidade Popular chilena representou para toda a América do Sul. A chegada do governo Allende em 1970 abriu uma nova página, uma onda de otimismo e perspectivas para a transformação social do continente, especialmente para os militantes brasileiros que haviam se refugiado no Chile para escapar da ditadura militar brasileira. 

Foi com esse otimismo que Túlio Roberto Quintiliano chegou ao Chile em 1970, com um salvo-conduto das autoridades brasileiras como exilado político. Ele tinha 26 anos de idade.

Depois de 1968, o governo militar do Brasil endureceu e instalou o regime mais sanguinário e repressivo da ditadura. Em resposta, muitas organizações políticas de esquerda radicalizaram suas formas de ação, defendendo a luta armada por meio da criação de braços armados em suas fileiras e da adoção de uma orientação político-militar.

O governo de Médici alterou a Constituição para estabelecer a “ordem” em todos os níveis da sociedade. Criou instrumentos de censura e repressão e estabeleceu agências de inteligência ligadas às Forças Armadas e ao Estado. Os direitos sindicais foram suspensos, os ataques militares às sedes dos sindicatos aumentaram e as manifestações foram proibidas. A censura à mídia e todas as formas de expressão cultural tornou-se generalizada. As investigações e a perseguição aos oponentes da ditadura se intensificaram. A repressão foi generalizada e a violência estatal atingiu seu auge (estupros, torturas, desaparecimentos, assassinatos).

Em 1968, Túlio Roberto era estudante da Escola de Engenharia do Rio de Janeiro. Estava profundamente envolvido no movimento de protesto dos jovens da universidade e se interessou por política, provavelmente influenciado pelos ideais de seu pai, Aylton Quintiliano, ex-ativista do Partido Comunista Brasileiro (PCB), jornalista e escritor [1] reconhecido por suas ideias decididamente de esquerda.

Túlio Roberto decidiu se filiar ao Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Tornou-se próximo de Apolônio de Carvalho, combatente na Guerra Civil Espanhola, lutador da resistência na França, membro do comitê central do PCB e fundador do PCBR. Túlio participava de manifestações e atividades políticas na universidade, bem como de iniciativas partidárias clandestinas. 

Em 1969, a polícia invadiu sua casa no meio de um jantar em família e o levou algemado, sob o olhar incompreensível de sua mãe. Seu calvário nas mãos dos militares começou. Primeiro, ele foi mantido na prisão central do Rio, onde foi torturado por eletrocussão durante vários dias. Em seguida, foi levado para uma prisão em Belo Horizonte, onde foi torturado novamente. Passou quatro meses em nove prisões do Exército, da Força Aérea, da Marinha e da Polícia Federal. A tortura o deixou com cicatrizes físicas e psicológicas. Os torturadores queriam obter dele os nomes de ativistas universitários e membros de seu movimento político. Não conseguiram nada. Os militares o libertaram. 

Ao voltar para casa, Túlio Roberto trabalha profissionalmente na construção de uma rodovia continental entre Belém e Brasília. Ele não sabe que seu caso não foi arquivado pelas autoridades e que um julgamento está em andamento. Ele foi julgado e condenado à prisão sem sua presença e sem defesa. Não querendo reviver o martírio da prisão, decidiu buscar asilo político na embaixada do Chile no Rio de Janeiro. Lá conhece outro exilado, Mario Pedrosa, um dos mais importantes críticos de arte moderna da década de 1940 no Brasil, e fundador da Liga Comunista, uma organização membro da Oposição Internacional de Esquerda (OIG), liderada por Trotsky na década de 1930. No Congresso de fundação da Quarta Internacional, Mário seria eleito para o Comitê Executivo Internacional (CEI). 

Durante as semanas que esperaram antes de partir para o Chile, esses dois candidatos ao asilo tiveram uma série de discussões políticas divertidas, criticando os canais de televisão muito tendenciosos, censurados pela ditadura. Esses momentos aprofundaram uma amizade que os levaram à decisão de viverem juntos quando chegassem ao Chile.

Sua experiência na prisão fortaleceu sua determinação. Túlio Roberto repetia constantemente para sua esposa, alguns anos depois no Chile: “foi o movimento e o compromisso das massas que me deram confiança em minhas convicções, que me permitiram não denunciar ninguém, não revelar nada, nunca trair nossos objetivos”. Essa confiança o ajudou a ir em frente. Sua concepção da luta de classes baseava-se na importância do movimento de massas que lutava por seus ideais.

A resistência no Brasil

A esquerda brasileira na década de 1970 foi marcada pela luta de libertação da Argélia contra o imperialismo francês, e também impactada pela ascensão do Movimento 26 de Julho, a guerra de guerrilha que derrubou o ditador Fulgêncio Batista em 1959, liderada por Fidel Castro e Che Guevara.

A Revolução Cubana influenciou muito a história do socialismo no Brasil e do continente sul-americano. O texto de Régis Debray “Revolução dentro da revolução, luta armada e luta política na América Latina”, escrito em 1967, também influenciou toda uma geração de ativistas políticos que sonhavam com a revolução e a derrubada da ditadura no Brasil. Esse contexto estimulou debates e rupturas com os conceitos “passo a passo” ou “legalistas” dos partidos de esquerda tradicionais. As cisões nesses partidos ocorreram uma após a outra. 

O Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB – partido marxista-leninista), mas também a Organização Política Revolucionária dos Trabalhadores (POLOP – organização trotskista) sofreram cisões que resultaram na formação de novos movimentos e organizações. A maioria de seus líderes abandonou o trabalho de construir organizações entre os jovens e entre os trabalhadores para se dedicar à sua ferramenta política e implementar a luta armada. Eles romperam com as lutas da classe trabalhadora, como a luta de Osasco, no estado de São Paulo, ou a luta de Contagem, em Minas Gerais.[2]

As novas organizações – Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8), Aliança Libertária Nacional (ALN) e Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) – organizaram quatro sequestros de embaixadores – dos EUA, Japão, Alemanha e Suíça – entre 1969 e 1970.[3] Suas declarações justificam essas ações com o objetivo de libertar companheiros presos em troca de embaixadores, a fim de forçar o fim da tortura… Carlos Marighela, fundador da ALN, define a guerra de guerrilha como a única luta possível contra a ditadura e como um gatilho para a consciência revolucionária no Brasil. Ele se inspira nos teóricos do “foquismo”: “nem sempre se deve esperar que todas as condições para a revolução sejam cumpridas”, como disse Che Guevara em sua “Guerra de Guerrilha”.

Desde que entrou para o PCBR, Túlio Roberto se convenceu da importância do movimento de massas no qual esteve totalmente engajado. Ele se opôs resolutamente às políticas vanguardistas dessas novas organizações. 

Fundado em 1968, o PCBR teoriza a articulação entre a guerrilha rural e o trabalho de massa nas cidades para alcançar a constituição do Governo Popular revolucionário, cujas tarefas anti-imperialistas e democráticas devem promover o caminho para a revolução socialista. Influenciado pelo caminho da luta armada, sem defender teorias “foquistas”, o PCBR estrutura seu aparato em um setor militar (sequestros, assaltos a bancos etc.) e um setor político (organização da resistência nas universidades, fábricas etc.). Mas as dificuldades de intervenção clandestina nesses setores também levam esse partido a uma tendência “vanguardista” de subestimar a importância de manter essas atividades. 

As ações armadas dos quadros militantes não têm o efeito esperado sobre a evolução da consciência do proletariado, muito menos sobre a formação da classe trabalhadora na ação de resistência à ditadura brasileira.

Foi justamente essa realidade que convenceu Túlio Roberto de que essas ações eram um falso caminho para a derrubada da ditadura no Brasil. Essa convicção o acompanharia até sua chegada ao Chile.

Chile, laboratório da esquerda latino-americana

Ao chegar a Santiago, em outubro de 1970, Túlio Roberto foi convidado a trabalhar para o governo de Allende na organização da Reforma Agrária. Ao mesmo tempo, buscou contato com os inúmeros brasileiros também refugiados da ditadura brasileira, especialmente com seus companheiros do PCBR, que criticavam os métodos militaristas e vanguardistas das organizações políticas brasileiras. Ele, então, sugere que debatam a fim de produzir textos para a esquerda exilada. Mas foi sobretudo a série de sequestros de diplomatas no Brasil pelas novas organizações que despertou em Túlio e seus companheiros o desejo de estruturar um grupo de ativistas brasileiros com o objetivo de influenciar os debates dentro da comunidade brasileira em Santiago. O grupo se chamaria Ponto de Partida. 

Já muito aberto a ideias críticas ao stalinismo graças às discussões com Pedrosa, Túlio começou a mergulhar na literatura trotskista. Uma camarada brasileira refugiada, que viria a ser sua esposa, convidada a participar desse grupo, sugeriu entrar em contato com uma organização “não muito conhecida, mas muito interessante”: a seção chilena da Quarta Internacional. 

Tendo escapado da prisão em 1969 no Brasil, o sociólogo Fábio Munhoz, um ativista crítico do Partido Revolucionário Trotskista dos Trabalhadores (POR-T), ligado à Quarta Internacional, chegou a Santiago. Ela quer conhecer os brasileiros do grupo Ponto de Partida. Túlio e Fábio escrevem um texto de discussão para a esquerda brasileira no exílio. O documento “Sobre un secuestro en Brasil” (Sobre um sequestro no Brasil) causa um choque nessa colônia sediada no Chile. 

Esse texto vai contra as ideias e práticas da comunidade militantes da nova geração e tem um impacto significativo. Mas, por estar muito doente, Fábio preferiu voltar ao Brasil, onde morreu pouco depois de seu retorno. 

A realidade política no Chile surge como a antítese das ideias de vanguarda dos defensores da luta armada como o único meio de derrubar o capitalismo. O processo chileno parece seguir uma dinâmica semelhante à experiência dos bolcheviques que poderia levar a uma insurreição, apesar da proclamação de um “caminho chileno para o socialismo” por Allende e pela Unidade Popular por meio do respeito às instituições existentes. Mario Pedrosa costumava falar do Chile como “um verdadeiro laboratório da luta de classes na América Latina”. 

Proliferaram os debates dentro da esquerda latino-americana presente no Chile entre as diferentes posições, como os refugiados brasileiros marcados pelas teorias cubanas da luta armada, os stalinistas convencidos de que o processo de mudança por meio de eleições era mais do que viável e ainda os centristas que oscilavam entre uma concepção e outra. De fato, todos eles observavam de perto a dinâmica cada vez mais radical desse país onde militam. 

Os brasileiros se encontram com companheiros da seção da Quarta Internacional, representada pela peruana Virginia Vargas, hoje uma conhecida feminista, e seu companheiro Juan. A Quarta Internacional acabava de realizar seu 9º Congresso Mundial em 1969. Os debates estão ocorrendo dentro das seções. A maioria resultante do congresso mundial é influenciada pelas orientações vanguardistas de Debray e das chamadas organizações majoritárias guevaristas, incluindo o partido PRT, a seção argentina da Quarta Internacional. O Partido Socialista dos Trabalhadores (Socialist Workers Party – SWP) americano é minoritário, mas mantém contatos constantes com as organizações latino-americanas e também com as europeias, em especial as seções francesa e italiana. As duas tendências disputavam a simpatia dos ativistas do Ponto de Partida, devido à importância para a Quarta Internacional de construir uma futura seção no Brasil. 

Iniciou-se um novo processo de discussão e foram realizadas inúmeras reuniões com diversos líderes europeus, americanos e latino-americanos: com o chileno Raúl Santander, intelectual e historiador marxista, com o boliviano Hugo González Moscoso, líder histórico do Partido Revolucionário dos Trabalhadores (POR), com Livio Maitan e Jean Pierre Beauvais (ambos pertencentes à maioria do Secretariado Unificado da Quarta Internacional) e com Peter Camejo, líder do SWP, defensor ardoroso das posições da minoria.

Peter Camejo, entusiasmado com as posições do Ponto de Partida, um crítico da nova vanguarda brasileira, publicou suas declarações na Intercontinental Press[4], a revista da Quarta Internacional. Ele as comenta no The Militant[5], o jornal de seu partido, e as utiliza largamente para combater as posições vanguardistas da maioria. Por outro lado, a maioria (europeia) da Quarta Internacional nunca relatou ou publicou artigos sobre as discussões entre os líderes da Quarta Internacional e o grupo brasileiro. Ao mesmo tempo a esses debates, Túlio produziu vários textos de discussão para os exilados que chegavam ao Chile. Promoveu encontros com companheiros que discordavam profundamente dos métodos de luta armada em detrimento do movimento de massas e começou a se interessar pelo processo da luta de classes chilena.

Um compromisso firme

Com a divulgação, em 1971, do documento programático do grupo Ponto de Partida, este se viu no centro dos debates entre os dois blocos resultantes do IX Congresso da Quarta Internacional – a batalha entre os europeus, influenciados pela Revolução Cubana, e os guerrilheiros latino-americanos (a maioria) e americanos (a minoria), defensores da luta revolucionária baseada nas lutas de massa. Durante esse período intenso, Túlio Roberto leu Marx, Lênin, Trotsky e conversou com vários intelectuais que viviam no Chile.

Ele teve uma longa discussão com Francisco Weffort, brasileiro e ex-professor de Fabio Munhoz, sobre a natureza da URSS. Ele adere à tese de considerar a URSS como um estado operário burocratizado e não como capitalismo de estado, como Weffort afirmava. 

O grupo Ponto de Partida (PdP) torna-se um fórum para importantes intercâmbios, especialmente com a nova onda de brasileiros que chegam ao Chile. Ele manteve relações com os representantes das duas tendências da Quarta Internacional que passaram por Santiago sobre a situação no Chile, sobre as posições adotadas pelas organizações brasileiras e sobre os acontecimentos políticos internacionais. Tanto a maioria quanto a minoria da IV Internacional queriam criar uma seção da organização no Brasil a partir do grupo do PdP. 

O Chile tornou-se o centro de interesse da esquerda latino-americana e internacional. Os refugiados políticos de diferentes continentes, cada vez mais numerosos, fazem parte do processo de mudança chileno. Os partidos políticos e as organizações estão divididos entre aqueles que acreditam que o “caminho pacífico para o socialismo” levará a mudanças na sociedade e aqueles que não podem generalizar as lutas setoriais para toda a sociedade. Nenhum deles apresenta uma proposta programática ou de transição para a transformação do sistema.

Durante esse período, Túlio Roberto se interessou intensamente pelas lutas dos trabalhadores nas novas estruturas de duplo poder: os cordões industriais. Ele ficou entusiasmado com essa experiência! No Chile, a polarização de classes se aprofunda, o processo se radicaliza com a ofensiva patronal para paralisar o transporte rodoviário (conhecida como a “greve dos caminhoneiros”) e, em seguida, com a organização de uma escassez (“boicote”) de alimentos e produtos de primeira necessidade. Diante disso, uma possibilidade nova e espetacular surgiu para esses jovens brasileiros do PdP que só tinham ouvido falar de “duplo poder” em reuniões e leituras: o surgimento de cordões industriais, a auto-organização de trabalhadores localizados em fábricas em diferentes setores de Santiago, mas também em mais de dez províncias importantes do país. Os ativistas do Partido Socialista, do Partido Comunista e do MIR romperam com as ordens e a “disciplina partidária”, porque o controle operário das usinas torna-se a prioridade para seus militantes. Requisição de indústrias abandonadas, a retomada da contabilidade e a organização da produção são decididas em assembleia. As “ordens” do partido são irrelevantes, a prioridade é dada às decisões coletivas. 

Todo o poder está concentrado nas mãos desses trabalhadores que estruturam e estendem seu movimento das fábricas para os bairros, nas “poblaciones”. Essa autêntica auto-organização constrói e fortalece a perspectiva de novas relações de produção. 

A burguesia abandona então a sua ofensiva de “greve” e “boicote” para se concentrar na preparação de um golpe de Estado. Em junho de 1973, os soldados do regimento “Tacna” se revoltam, mas o “Tanquetazo” fracassa. 

A Unidade Popular não acredita na determinação da burguesia de interromper essa dinâmica. O governo não prepara a população e nem os movimentos para o menor ataque militar. São feitas concessões à burguesia no programa inicial de medidas sociais e são concedidas declarações de confiança nas forças armadas.

Em 1972, o grupo do PdP defende as teorias trotskistas sobre a necessidade de uma ferramenta internacional, um partido político, para atuar na transformação da sociedade. Influenciados pelas discussões com Peter Camejo e pelas intervenções eminentemente políticas de Raúl Santander, seus ativistas decidiram se aproximar da Quarta Internacional. Iniciaram, então, um processo de discussões sobre a prioridade do momento: participar e ampliar o processo revolucionário no Chile ou preparar o retorno dos refugiados ao Brasil para a construção de um novo partido. 

A luta de classes no Chile desperta em Túlio Roberto o desejo cada vez mais forte de se engajar nesse processo. Inicia então um debate dentro do grupo que termina em uma cisão. Uma parte decide concentrar-se na construção de uma organização voltada para o Brasil. Túlio defende uma outra orientação de construção do novo e pequeno partido da QI, o Partido Socialista Revolucionário (PSR), que havia decidido fechar o capítulo do entrismo dentro do PS, e defende a integração plena e completa nas lutas de massas com a esperança de influenciar o processo chileno.

Militante da Quarta Internacional, Túlio Roberto se engaja totalmente no rico processo chileno, juntamente com Hugo Blanco (líder peruano da Quarta Internacional), na esperança de uma resposta dos trabalhadores aos ataques à segunda[6] tentativa de golpe. Naquela época, o PSR não tinha ilusões sobre as intenções da burguesia que queria derrubar a UP. Em 1º de setembro de 1973, publicou uma declaração[7] sobre o confronto de classes no Chile. A declaração começa apontando que a situação política nacional estava em um ponto de inflexão crucial para uma solução definitiva para a questão do poder. Ela constata a incapacidade da UP de responder às necessidades do proletariado. Analisa os ataques da burguesia e as intenções do imperialismo norte-americano, a declaração conclui que “os fatores sociais e políticos fazem com que a solução da questão do poder, a extensão do processo revolucionário e o triunfo desse processo só sejam possíveis no terreno da luta armada”

Em 11 de setembro, Túlio Roberto estava a caminho do trabalho quando uma bomba explodiu no Moneda, o palácio presidencial, muito próximo ao seu local de trabalho, enquanto o som das buzinas dos carros inundava as ruas das lojas de luxo de Santiago. Ele sabe o que está acontecendo e volta para casa para encontrar sua esposa e descobrir o que fazer. Não há como escapar do controle dos vizinhos que foram cúmplices do golpe e que, assim que ele chega em casa, ameaçam matá-lo se ele não for almoçar com eles para comemorar o golpe. 

No dia seguinte, uma patrulha militar tocou a campainha da porta. Percebendo que estavam na mira dos militares, Túlio pegou sua companheira nos braços e lhe disse: “Não sei o que vão fazer, mas desta vez não vou negar minhas convicções nem quem sou”. Os soldados invadiram a casa, fizeram uma busca minuciosa e depois levaram o casal para a Academia Militar. Sua companheira foi liberada e Túlio foi levado para o Tacna junto com dois tupamaros uruguaios, onde estavam os golpistas e os membros do GAP – Grupo de Amigos do Presidente, a guarda próxima de Allende. Túlio nunca mais voltou e seu corpo nunca foi encontrado.[8] Desde então, sua companheira, sua família e seus amigos têm procurado uma pista, um vestígio dele. Dado como desaparecido, ele foi esquecido…

Neste ano de 2023, marcado pelo 50º aniversário do fim da Unidade Popular, um grupo de brasileiros está homenageando Túlio e as outras vítimas desaparecidas e assassinadas da ditadura militar de Pinochet. Uma placa comemorativa será inaugurada em Santiago. Para que não os esqueçamos.[9]

Uma peculiaridade marcante da trajetória desse revolucionário é que sua organização, o PSR, nunca é mencionada nas inúmeras análises, descrições e críticas das seções europeias da Quarta Internacional, para não falar da notícia da morte de um de seus militantes… Somente a declaração do PSR alertando sobre a necessidade urgente de se preparar para a resistência armada foi publicada pela antiga minoria, o SWP, na época seção da QI dos Estados-Unidos.

Após a cisão do PdP, alguns membros do grupo que haviam optado por construir um novo partido no Brasil se refugiaram na Argentina e conheceram Nahuel Moreno. Muitos anos depois, esses membros fundaram o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado – o PSTU. Alguns de seus militantes, companheiros do grupo do PdP, homenagearam Túlio, mas reescreveram sua história. Ele teria sido um dos fundadores do PSTU, assim como foi um dos fundadores do PdP.

Um gosto amargo permanece na memória desse revolucionário excepcional!

O PSR, instrumento político que reuniu exilados da Quarta Internacional no Chile, pleno participante do processo de resistência e membro da Quarta Internacional, não é reconhecido. Tampouco foi registrada a feroz repressão sofrida por seus militantes…

Discretos e determinados, a Quarta Internacional também tem seus heróis!

Túlio Roberto, presente!

Naná Whitaker


Notas

[1] Aylton Quintiliano escreveu diversas obras, entre outras, “A Guerra dos Tamoios”, Ed. Reper, 1965. Neste romance, ele descreve o primeiro movimento de resistência indígena, seus hábitos e costumes, e desmistifica a antropofagia e a hostilidade desses povos. É também autor de “Caminhos de Esperança: Rumo”, 1959. Livreiro do Solar. “Renegados – Um Verdadeiro Romance”; ” A Grande Muralha “; “Grão Pará: revisão histórica”; “Direito de Viver” (poesia) e “Estrada do Sol”.

[2] Em 1968, ocorreu uma combativa greve operária em Contagem, em Minas Gerais, colocando em xeque as bases da política da época: o movimento sem a presença do sindicato “amarelo”, nos locais de trabalho, que provocava medo do Estado e na burguesia. Este é um movimento liderado por organizações dissidentes do PCB, mostrou que a resistência sindical é possível em meio a uma ditadura. 

Contagem impactou os trabalhadores de Osasco em 1968. Eles decidiram entrar em greve. A auto-organização de Osasco torna-se um exemplo para o movimento sindical brasileiro. Demonstra que sem a coordenação de cada secção, de cada fábrica e bairro, a greve não pode ser sustentada, muito menos tornar-se uma revolta geral dos trabalhadores. Esta experiência mostrou que uma ocupação fabril pode pôr em causa os responsáveis ​​das fábricas, que para ocupar é necessário preparar um “ambiente de greve” e uma rede de solidariedade a favor da ocupação.

[3] Carla Luciana Silva: Sequestros e terrorismo de Estado no Brasil: casos de resistência revolucionária Izquierdas, 49, octubre 2020:1646-1669.

[4] Ponto de Partida, « Concerning a Kidnapping in Brazil », Intercontinental Press, March 29, 1971.

[5] Camejo, Peter, « Brasilian Marxist View of Kidnapping », The Militant, April 3, 1971, Volume 35, Number 16.

[6] O primeiro, em 27 de junho de 1973, um regimento blindado com a ajuda do grupo neofascista Pátria e Liberdade invadiu o centro da capital. No mesmo dia, os generais Carlos Prats e Augusto Pinochet neutralizaram os golpistas.

[7] Declaração de 1º de setembro de 1973 sobre o confronto.

[8] Pode encontrar em : https://memoriaviva.com/nuevaweb/detenidos-desaparecidos/desaparecidos-q/quintiliano-cardoso-tulio-roberto/

[9] https://memoriasdaditadura.org.br/memorial/tulio-roberto-cardoso-quintiliano/


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Pedro Micussi